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Likes ou fé: o que está levando jovens para o candomblé e umbanda?

A casa de santo de Bruno Acioli fica em São Bernardo do Campo (SP) - Paulo Castro
A casa de santo de Bruno Acioli fica em São Bernardo do Campo (SP) Imagem: Paulo Castro

Natália Eiras

Da Universa

05/04/2019 04h00

Nascido, criado e batizado na umbanda, o jornalista Bruno Acioli, 33, ficou conhecido nas redes sociais por falar da religião e por criar o Projeto Umbanda, site que reúne fotos para divulgar celebrações de sua fé. Descolado e com tatuagens, ele fala da religião, que, assim como o candomblé, tem atraído novos seguidores, que compartilham suas experiências com imagens no Instagram e no Facebook. "Elas estão se tornando a religião do momento", fala o jornalista à Universa.

O pai de santo Marco D'Oxaguian já recebeu, em seu terreiro, na zona leste de São Paulo (SP), pessoas que chegaram até o local pelo Facebook. "Um rapaz viu um post que meu filho tinha feito na página da nossa casa", diz.

A publicitária e fotógrafa Paula Castro, 34, de São Paulo (SP), foi uma das pessoas a seguir esse caminho. Ela já se interessava pela umbanda, mas nunca tinha tido uma experiência boa em um terreiro. Até que começou a seguir Acioli no Twitter e frequentar as giras dele, como são chamadas as celebrações umbandistas, na Casa Tupi, em São Bernardo do Campo (SP). "Se não fossem as redes sociais, não conheceria uma casa onde eu me sentisse à vontade", conta.

D'Oxaguian fala que, por estarmos sempre com o celular na mão, é comum que novos frequentadores façam selfies com as vestimentas de celebrações e irem a rituais do candomblé para tirar fotos e compartilhá-las na internet. De acordo com ele, esse tipo de divulgação pode trazer benefícios para religiões até então marginalizadas. "Quanto mais pessoas se informarem, mais elas falarão disso com os outros. É bom para tirar o estigma negativo da minha religião."

A mãe Valquiria Ìyá Ekejì T'Oyá Onirá, de Paulista (PE), lembra que já teve muito trabalho chutado em praça pública e que já foi alvo de xingamentos. As coisas estão mudando principalmente porque famosos, como Henri Castelli e Juliana Paes, estão se declarando umbandistas ou candomblecistas. "O preconceito está diminuindo, porque tem muito artista falando sobre isso. As pessoas estão aceitando melhor."

Bruno Acioli, 33, cresceu e foi batizado na umbanda e criou o próprio terreiro - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Bruno Acioli, 33, cresceu e foi batizado na umbanda e criou o próprio terreiro
Imagem: Arquivo Pessoal

Adepto da umbanda há quatro anos, o redator Diego Sousa, 28, do Rio de Janeiro (RJ), concorda, mas tem ressalvas. Para ele, a fé precisa ser tratada com muito cuidado nas redes sociais e não ser apenas um instrumento para ganhar like. "A religião está sendo vista com menos preconceito, mas ainda existem muitas gafes. A gente tem que lutar contra esses estigmas e não fazer parte da umbanda apenas para postar uma foto no Instagram. Não é só 'lacração' nas redes sociais", fala. Apesar de ser muito crítico, ele tenta não julgar quem gosta de compartilhar fotos dos ritos. "Publicar nas redes em si não é errado. Eu já publiquei."

Mesmo Paula, que conheceu a umbanda pela internet, não se sente à vontade com a necessidade de exibir a religiosidade nas redes. "Acho válido quando há uma intenção --seja de divulgação do seu terreiro ou para se autoafirmar umbandista", diz. "É diferente de uma foto que só para dizer 'olha, sou descolado, frequento a umbanda'. É preciso haver respeito."

Jovens estão descobrindo a umbanda e o candomblé pelas redes sociais e compartilham fotos das celebrações - Paula Castro - Paula Castro
Jovens estão descobrindo a umbanda e o candomblé pelas redes sociais e compartilham fotos das celebrações
Imagem: Paula Castro

A umbanda e o candomblé estão na moda?

Umbandista há sete anos, Érica Imenes, 29, de São Paulo (SP), é vaidosa e gosta de montar looks modernos para sair com as amigas e com o namorado. Mas, no centro que frequenta, na zona sul de São Paulo (SP), ela leva os colares de conta dos médiuns, acessórios conhecidos como guias, a sério. E fica ofendida se vê alguém usando os objetos como um ornamento de moda.

"Uma guia é, prioritariamente, um adereço, ela só se torna uma guia se for consagrada e usado com entendimento. Sem sabedoria até no pescoço de um médium dentro do terreiro vira só um ornamento. Vi um 'boy' famosinho no Carnaval usando um colar que se assemelhava muito a uma guia, cruzado no peito. Ela, para nós, tem uma simbologia, um significado. Naquele contexto era o quê? É um grande mico para quem olha e sabe o que aquilo deveria significar se usado do jeito certo", afirma. "Religião e cultura de ninguém é fantasia para os outros", diz.

"Eu compartilho da ideia de que nenhum símbolo religioso deve servir como ornamento. Não acho que uma cruz ou uma mandala devam ser usadas como acessórios. Criar uma tendência em cima de símbolos religiosos traz mais desinformação", fala o pai de santo Marco D'Oxaguian. "É comercializar o sagrado, a fé alheia."

Bruno Acioli, por sua vez, percebe que este é um movimento "natural". "É uma consequência de um movimento de empoderamento da umbanda. As pessoas estão de fato colocando a cara a tapa, mostrando suas guias, mostrando seus orixás. As pessoas não escondem mais suas religiões. E é evidente que o mercado capitalista tende a se aproveitar disso", diz o jornalista.

Compartilhar nas redes sociais ritos podem ser positivos para a religião, mas fotos devem ser feitas com respeito - Paula Castro - Paula Castro
Compartilhar nas redes sociais ritos podem ser positivos para a religião, mas fotos devem ser feitas com respeito
Imagem: Paula Castro

Vem quem quer, fica quem consegue

Moda ou não, por likes ou por fé, os pais de santo e adeptos garantem que a umbanda e o candomblé estão de braços abertos para qualquer pessoa que queira conhecer as religiões. Não importa qual seja a motivação. "A gente não quer saber por que a pessoa teve a curiosidade se ela estiver disposta a evoluir e fazer mais pelo próximo", fala Érica Imenes. "A umbanda, principalmente, é muito baseada na caridade."

No entanto, é preciso estar ciente de que ser um umbandista ou candomblecista não é tarefa fácil. Um terreiro ou um barracão são uma espécie de casa administrada por todos os frequentadores da religião. Para se iniciar, é preciso trabalhar na limpeza e na logística das celebrações que acontecem ali. Por isso, os ofícios do candomblé e da umbanda acabam se tornando uma espécie de "seleção natural" que separa os curiosos dos adeptos verdadeiramente comprometidos.

"Vai ter que tomar banho frio, vai ter que limpar o banheiro, vai ter que passar algumas horas da sua vida lá no terreiro cumprindo tarefas", fala o pai de santo D'Oxaguian. "Conhecer a festa, ter curiosidade, é completamente legítimo. Difícil é manter-se com o mesmo interesse diante dos trabalhos que uma casa de santo pede."