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"Raiva me incentivou a mudar e hoje conscientizo pessoas a reduzirem lixo"

Fernanda Cortez, fundadora do movimento Menos 1 Lixo: "Acredito no poder das pessoas e das empresas para mudar o mundo" - Fred Borba/Divulgação
Fernanda Cortez, fundadora do movimento Menos 1 Lixo: "Acredito no poder das pessoas e das empresas para mudar o mundo" Imagem: Fred Borba/Divulgação

Bárbara Stefanelli

Colaboração para Universa

29/03/2019 04h00

A ativista ambiental Fernanda Cortez, 36, que prefere ser chamada só de Fe Cortez, foi convidada pela administração de Fernando de Noronha para ajudar na implementação do decreto "Noronha Plástico Zero" --com apoio da empresa de consultoria Iônica, parceira do Menos 1 Lixo em projetos de inovação ecológica-- que entra em vigor a partir do dia 11 de abril (quando o prazo de adaptação chega ao fim) e proíbe não só o uso, como também a entrada na ilha de produtos descartáveis --como garrafas plásticas com capacidade inferior a 500 ml; canudos, pratos, copos e talheres plásticos, sacolas plásticas e isopor.

O decreto se aplica a todos os estabelecimentos e atividades comerciais de Noronha, assim como aos moradores e visitantes. Quem burlar os artigos sofrerá penalidades --depois da quarta notificação, os comerciantes perderão o alvará de funcionamento do local, por exemplo.

A ativista

Fe Cortez trabalhou durante anos como gerente de operações e de compras no mercado da moda, a segunda indústria mais poluente do mundo, depois da petrolífera. E foi assistindo ao documentário "Trashed - Para Onde Vai o Nosso Lixo?" (2012) que Fe sentiu a necessidade de ajudar na preservação do planeta e, determinada, mudou os rumos de sua carreira.

"Foi muito difícil ver esse filme. Quando estava no cinema, mudei de posição na cadeira diversas vezes. Senti muita raiva e tristeza", lembra. "Eu saí do cinema e pensei: 'Eu também sou esse ser humano que está poluindo'. Foi a raiva que senti naquele momento que me incentivou a mudar."

"A maioria das pessoas não presta atenção no tanto de lixo que produz. Quando você mora ou trabalha em um lugar com estrutura, está sempre fechando um saquinho e o colocando em um buraco no seu condomínio, não precisando pensar sobre a sujeira."

A transformação, no entanto, começou bem tímida na vida de Fe, que, logo no dia seguinte ao filme, fez uma compra pela internet de copos reutilizáveis, daqueles retráteis, de metal. "Comprei uns 20 e distribuí para meus amigos. Reparei que usar aquele copinho era uma ferramenta de mudança de comportamento, porque eu e meus colegas começamos a reparar mais no lixo que produzíamos. Fomos imediatamente mudando pequenos hábitos."

Até hoje, Fe acredita no impacto que os copinhos reutilizáveis podem causar no estilo de vida das pessoas e o uso deles continua sendo uma das frentes da Menos 1 Lixo, movimento que ela fundou no início de 2015, dois anos depois de assistir ao documentário, e que participou da criação do decreto de Fernando de Noronha. Quem sugeriu o nome de Fe e do movimento ao administrador geral da ilha, Guilherme Cavalcanti Rocha, foi Bruno Gagliasso, amigo da ativista e dono de uma pousada no destino. A iniciativa do Noronha Plástico Zero nasceu da própria administração de Guilherme, que queria nomes para ajudá-lo na empreitada.

Pequenas mudanças fazem grandes mudanças

Há quem ridicularize essa tendência recente de pessoas preocupadas com o meio ambiente de usarem canudos reutilizáveis. No entanto, nos dias de hoje, qualquer pequena mudança é bem-vinda, acredita Fernanda. "Apesar de os canudos terem uma participação pequena no lixo do planeta, somos 7 bilhões de seres humanos. Se todo dia, todos usarem dois canudos por dia, serão 14 bilhões de canudos que teremos de dar conta."

E continua: "É a mesma linha de raciocínio de quem pensa 'é só uma sacola de plástico'. Mas esses dias encontraram uma baleia morta com 40 kg de lixo no estômago. São esses pequenos lixos que estão matando os animais", explica.


"Sou contra o pensamento de que não podemos mudar o mundo. Se cada um resolve não comprar certa coisa ou ir contra a uma decisão do governo, aquilo cai. Não tem nada mais forte do que um grupo de indivíduos unidos."

Não conte muito com os governos para mudar...

Apesar de Fernanda acreditar no poder de transformação da sociedade, ela não nota preocupação do atual governo com iniciativas ambientais. Diversas medidas dos governantes, entre elas, o chamado "Projeto de Lei do Veneno", já sinalizam que cuidados com a natureza e o solo não são prioridades da agenda.


"As mudanças mais drásticas partirão da sociedade e de novos modelos de negócio, de empresas com regras e políticas mais conscientes. Acredito no poder das pessoas e das empresas para mudar o mundo."

Questionada se travaria um diálogo com os atuais políticos, ela é realista: "Não vejo muita perspectiva deste governo chamar ambientalistas para qualquer tipo de conversa. Mas assim como recebi o convite para tocar o Noronha Plástico Zero, estou aberta a novas iniciativas. E tenho certeza que o decreto da ilha vai inspirar outros lugares e cidades, servindo de exemplo."