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1º senador assumido: "Cansei de ouvir 'Contarato é inteligente, mas é gay'"

Rodrigo, o marido Fabiano e o filho do casal, Gabriel: "Agora sei o que é felicidade", diz senador  - Arquivo pessoal
Rodrigo, o marido Fabiano e o filho do casal, Gabriel: "Agora sei o que é felicidade", diz senador Imagem: Arquivo pessoal

Camila Brandalise

Da Universa

20/03/2019 04h00

"Não me chame de senhor", pede o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), 52, cortando o ar com movimentos rápidos das mãos. "É vaidade alguém querer ser chamado de senhor. Estamos todos no mesmo patamar", diz, enquanto caminha entre as árvores do jardim de seu prédio, repleta de flores amarelas, em Brasília.

Eleito com 1,1 milhão de votos pelo Espírito Santo, Contarato, ex-delegado e ex-professor de direito penal, foi o candidato que desbancou Magno Malta (PR-ES), favorito nas pesquisas de intenção de voto, contrário ao casamento gay e à criminalização da homofobia. Contarato -- e uma parte importante da sociedade -- foram à desforra: ele é o primeiro senador assumidamente gay do Brasil.

Em entrevista à Universa, a primeira em que fala longamente sobre sua orientação sexual, o senador conta do amor que tem pelo marido e chora quando fala do filho dos dois, Gabriel, 4. "Ele fala que me ama tanto, tanto, tanto, que o coração explode e depois volta".

Diz ainda que não vai levantar bandeira alguma, "porque político é eleito para todos", e que não aceitará a proposta de um senador que quer acabar com a cota de 30% para mulheres no Congresso.

Você deve ter ouvido coisas muito duras por ser gay. Pode nos contar o que mais o ofendeu?
Cansei de ouvir: "Contarato é muito inteligente, mas é gay". Eu me cobrava para ser o melhor aluno da escola, da faculdade, para compensar minha orientação sexual, como se fosse um erro (ser gay). Quando era mais jovem, já sabendo que era gay, reprimia isso por um freio moral. Fui ter meu primeiro relacionamento homoafetivo com 27 para 28 anos de idade. Ainda fico triste quando dizem: "Respeito sua opção sexual". Opção? Ninguém me deu um cardápio. É orientação.

Como prefere que eu chame o Rodrigo? Ele é seu marido, seu companheiro?
Ele é meu esposo. Casamos em novembro de 2017 e estamos juntos há oito anos.

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"É triste ver pessoas tentando falar que a sua orientação sexual é que vai determinar sua competência e o seu caráter"
Imagem: Diego Bresani/UOL

O que te encanta nele?
A paciência (Contarato se emociona), o cuidado com o outro, o altruísmo. A sensibilidade dele. Foi o Rodrigo que contou para o Gabriel que ele era adotado. Ele fez uma espécie de livrinho no computador com uma história: "Era uma vez a mamãe do Biel", aí tem o desenho de uma mulher grávida, "mas a mamãe não conseguia cuidar, aí deixou ele com os amiguinhos". No final, ele colocou figuras de diferentes famílias e escreveu: "Tem criança que só tem um pai, outras só têm a mamãe, outras que têm dois papais, igual a você".

Como o Gabriel chegou para você?
Eu o adotei quando estava solteiro. Foi em 2017, num período em que Rodrigo e eu estávamos separados. Mas quando ele soube da adoção, começou a nos visitar e terminamos voltando e casando. Quando me ligaram do abrigo dizendo que tinha um menino para mim, eu tremi. Cheguei lá, tinha uma porta de vidro quebrada e vi o Gabriel olhando por baixo do buraco (ele se emociona novamente). Nos apresentaram e ele estava arredio. Dois dias depois saiu a guarda e eu o levei para casa. Da noite para o dia, virei pai, me vi com ele nos braços, cagado (gargalha), sem saber o que fazer. Tive que ligar para o síndico, pedindo ajuda, porque sabia que ele tinha filho pequeno. Ultimamente, Gabriel está com uma coisa de dizer que me ama 'tanto, tanto, tanto', aí fala tanto umas mil vezes, 'que o coração explode e depois volta'. Agora sei o que é felicidade.

Você é católico. Vê alguma incompatibilidade em ser gay também?
Não. Amo minha religião e faço parte do Terço dos Homens, um grupo de homens que se encontra para rezar. Deus quer que você seja feliz, ame, tenha um bom caráter. É triste ver as pessoas ainda tentando desqualificar ou falar que a sua orientação sexual é que vai determinar sua competência e o seu caráter.

Você pretende levantar alguma bandeira?
Não, porque político é eleito para todos. Tenho o enfoque social, vou legislar em defesa das minorias: índio, negro, pobre, mulher, LGBT, mas eu não quero falar de um especificamente porque, como disse, não fui eleito só por uma categoria. Vão ter em mim um aliado? Não tenha dúvida. Se não, não teria me exposto. Tenho que ter olhar direcionado para a população que tem seus direitos violados.

O que pretende fazer ou propor em relação às mulheres?
Fui escolhido para ser o relator do projeto que pede a revogação das cotas partidárias de 30% para mulheres, e meu voto será contrário. O propositor do projeto (senador Angelo Coronel, do PSD da Bahia) diz que a medida foi ineficiente. Não é verdade. Aumentou o número de mulheres eleitas. A Constituição diz que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, mas será que são? É óbvio que não. São 200 milhões de habitantes no Brasil, mais da metade da população é feminina. E por que não há essa representação no legislativo? Porque há discriminação. Mulher é subjugada. Sobre a questão das candidatas laranjas, isso também tem que ser corrigido.

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Senador diz que vai agir em defesa dos direitos das mulheres: "Sou contrário ao projeto de revogação de cotas para mulheres na política"
Imagem: Diego Bresani/UOL

Por que você é contra o aborto?
Porque a vida humana é o principal bem jurídico, segundo a Constituição. Estaríamos comparando o direito à vida da criança ao da liberdade de escolha da mulher. São dois bens jurídicos mas, hierarquicamente, o que pesa mais? Não tenho dúvida, é a vida humana. Sou a favor do abortamento na forma que ele já existe (quando há risco para gestante, quando for resultado de estupro e em casos de anencefalia).

Qual sua posição sobre o decreto do presidente que flexibiliza a posse de arma?
Sou totalmente contra. É o poder executivo renunciando à sua função. Está na Constituição, no artigo 144, que diz que a segurança pública é direito de todos, mas é dever do Estado. E o Estado, diante da sua ineficiência, está transferindo isso para a população, como se essa fosse a melhor medida. Por eu ter sido delegado (de trânsito e de meio ambiente, por 26 anos), as pessoas me vinculam a ser a favor de pautas como essa, pena de morte ou redução da maioridade penal. Mas meu perfil não é esse.

Você desbancou Magno Malta (PR-ES), que é contra o casamento homoafetivo e a criminalização da homofobia. Ao mesmo tempo, o Brasil elegeu Jair Bolsonaro, que também já deu declarações homofóbicas. O que houve de diferente no Espírito Santo?
Acho que a população capixaba soube diferenciar que a competência se sobrepõe ao gênero e à orientação sexual. No meu estado todo mundo sabe que sou gay. Claro que teve essa onda Bolsonaro que inundou o país, mas eles acharam que tinha que haver uma mudança, e mudaram. Me escolheram mesmo eu sendo de um partido que não é de direita, mesmo com a minha vida pessoal. A orientação sexual é que vai fazer de alguém um bom senador? Ou a competência e história de vida?