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"Fui estuprada desde os 6. Hoje encorajo pais a falarem de sexo com filhos"

Maria, de 21 anos, foi abusava várias vezes desde a infância - Arquivo Pessoal
Maria, de 21 anos, foi abusava várias vezes desde a infância Imagem: Arquivo Pessoal

Talyta Vespa

Da Universa

06/02/2019 04h00

A paranaense Maria sofreu durante toda a infância repetidos episódios de violência sexual. O primeiro estupro aconteceu quando a hoje estudante tinha seis anos de idade -- hoje ela tem 21 -- e o abusador foi o próprio primo, que é dez anos mais velho que ela. Depois, tristemente, enfrentou um tio pedófilo, um vizinho violento e outras tentativas de estupro. 

Maria só se abriu com a mãe aos 13 anos, quando pela primeira vez reagiu a uma violência. Daquela feita, quem tentou machucá-la foi o sobrinho do padrasto. "Mãe, ele tentou me namorar", disse ela. "Eu não sabia que era errado, só sabia que não queria, que me machucava. Sempre ouvi que tinha que obedecer aos mais velhos e achava que os abusos faziam parte da vida. Hoje, digo aos adultos: falem de sexo com seus filhos". Maria deu o seguinte depoimento à Universa:

"Meu primeiro estupro aconteceu quando eu tinha seis anos de idade. O abusador era meu primo, de 16. Nós morávamos em uma cidade pequena, no Paraná, e, um dia, ele me chamou para brincar no mato. Ele me penetrou e foi a primeira dor que eu senti. Eu pedia que parasse, mas ele não parava. Esse abuso ocasionou um dos meus maiores traumas, que, até pouco tempo, se manifestava em relacionamentos. 

Meu primo me atormentou durante toda a minha infância e adolescência. Foram inúmeros abusos e chantagens: ele escondia o controle do videogame e dizia que, para que devolvesse, eu precisaria fazer o que ele queria. Me ameaçava e dizia que, se eu gritasse, contaria para a minha mãe o que eu estava fazendo. Eu não sabia que não tinha culpa. 

Quando fiz oito anos, minha mãe e meu padrasto se mudaram para Curitiba comigo e com meu irmão. Fiquei aliviada por, finalmente, me livrar dele. Morávamos em uma casa alugada, e, para que eles pudessem trabalhar, minha mãe pediu que um irmão dela cuidasse de mim durante o dia. Ele foi um desgraçado. Me lembro dele dançando pelado, mostrando o ânus para eu lamber. Eu me sentia acuada, mas não sabia o que fazer.

Meu tio se mudou meses depois e, daí para frente, meu pesadelo se tornou o dono da casa que alugávamos. Ele morava do nosso lado. Enquanto eu brincava num jardim que tinha perto de casa, ele me levava para uma casinha de madeira. Passava a mão no meu corpo e me obrigava a tocá-lo. Chegou a me penetrar com o dedo, e fazia com que eu o masturbasse. Me pagava dois reais para que eu não contasse à minha mãe. Eu tinha tanto ódio que espancava o cachorrinho dele. Era a forma que eu encontrava de externar meu sofrimento. 

Não era pelos dois reais que eu não contava para a minha mãe, era por medo. Ninguém nunca falou comigo sobre sexo e eu digo isso sempre para os adultos com quem convivo. É necessário falar disso com as crianças. Eu só tomei coragem para contar, pela primeira vez, com 13 anos, quando sofri uma tentativa de estupro por parte do sobrinho do meu padrasto. 

A gente se mudava muito. Fomos morar na casa da mãe dele, onde ficava, também, esse sobrinho dele. Um dia, ele comprou umas revistinhas de pornografia e deixou na porta de casa. Peguei a sacola, vi as revistas e, naquele dia, entendi o que era sexo e que era coisa de adulto. Caiu minha ficha. 

Ele viu que eu peguei a sacola e, no dia seguinte, me arrastou para o banheiro de casa e tentou me estuprar. Foi a primeira vez, ainda, que reagi. Fiz muita força, tentei me desvencilhar dele, e, como ele é surdo-mudo, pensou que eu estivesse gritando alto. Me soltou e saiu correndo. Corri até minha mãe, que estava trabalhando, e disse: "Mãe, o mudinho tentou me namorar". 

A última vez que passei por isso foi aos 17 anos, nós já havíamos voltado para Curitiba, e fui passar alguns dias com a mãe do meu padrasto, nessa mesma casa. Com ela, morava um tio por quem eu tinha muito carinho. Um dia, cheguei em casa para dormir, e ele estava deitado na minha cama, me esperando. Saí correndo e liguei para a minha mãe, que pediu que eu fosse dormir na casa de outro parente. Pouco depois, ela foi até lá, fez um escândalo, e minha tia, irmã dele, disse que eu o tinha provocado.

Quando fiz 18 anos, contei para a minha mãe sobre tudo que tinha acontecido comigo durante a vida. Foi como uma libertação. Ela chorou muito, ficou desesperada, mas não denunciamos porque já havia se passado muito tempo. Meus pais cortaram relações com todas essas pessoas. Me libertei das crises de pânico, da ansiedade e dos pesadelos constantes.

Eu me sentia agredida sempre que me relacionava com alguém, tudo o que tinha acontecido comigo voltava à minha mente. Ter o apoio da minha mãe me libertou dessa culpa. Ela concorda que deveria ter falado comigo sobre sexo durante a infância. Educação sexual serve para prevenir meninas de viverem o que vivi. Fez muita falta. Muitas vezes, o abusador está dentro de casa."