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Divórcio grisalho: por que mais casais estão se separando após os 50 anos?

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Imagem: iStock

Roberta Filgueiras

Colaboração para Universa

06/02/2019 04h00

O número de divórcio de pessoas com mais de 50 anos quase dobrou nos últimos 10 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Mas por que será que cada vez mais casais estão optando por se separar nessa faixa etária, muitas vezes após décadas de união? Mudanças sociais e culturais, como o aumento da expectativa de vida e o (quase) desaparecimento do estigma da mulher separada, ajudam a explicar o crescimento desse índice apelidado por especialistas de "divórcio grisalho", mas há muitas outras questões a serem consideradas.

Para a psicóloga e escritora Ana Fraiman, a instituição do casamento originalmente não previa que o casal vivesse tanto tempo junto, já que as pessoas morriam mais jovens. "Ao mesmo tempo em que surgiram desafios na vida a dois que não existiam antes, empurramos o envelhecimento e pessoas com 50 anos ainda têm muita vida pela frente", afirma Ana.

Segundo a psicóloga, Denise Miranda de Figueiredo, fundadora do Instituto do Casal, a proximidade da terceira idade leva a pessoa a fazer um balanço de sua vida e pensar sobre o que fez, deixou de fazer e o que ainda gostaria de realizar. "Normalmente, essas separações estão mais ligadas a reflexões pessoais do que a um evento específico no relacionamento", defende Denise. Para Ana, também é importante lembrar que os sonhos e os objetivos mudam com o passar dos anos, e os motivos que fizeram o casal se unir não são os mesmos que vão mantê-lo junto.

Principais motivações

Questões tradicionalmente relacionadas a essa fase da vida, como crises ligadas à saída dos filhos de casa, doenças crônicas, redução da atividade sexual e aposentadoria não estão entre os principais motivos para a separação, segundo pesquisas. "Geralmente, as mulheres dizem que se separam por quererem uma vida com mais liberdade, mais prazerosa, por terem sido traídas ou não se sentirem satisfeitas. Elas falam mais de falta de atenção, de romance e de carinho, enquanto eles têm como motivações mais comuns o encontro de outra parceira ou alguma crise", explica a antropóloga e escritora Mirian Goldenberg.

A falta de companheirismo e cumplicidade foram alguns dos motivos que fizeram Cristina Martins* por um fim no relacionamento de 47 anos. "Percebi que não estava feliz e que a presença do meu marido, ao invés de me fazer falta, me incomodava. Tentei diversas alterativas antes. Ele ficou pasmo quando disse que queria me separar, achou que era algo temporário, relutou, mas acabou aceitando. Eu estava decidida", conta.

Apesar do apoio de familiares, dos filhos e de alguns amigos, nem todos aprovaram a decisão de Cristina. "Pensei na minha felicidade. Tive o suporte de uma terapeuta e agora sinto a liberdade de ser eu mesma. Quero ser corajosa para enfrentar o que o mundo tem para me oferecer e buscar minha felicidade em tudo", afirma ela.

É claro que optar por um divórcio após tantos anos de relação é uma decisão delicada e que exige muito cuidado. "É preciso tentar resolver os conflitos da separação da melhor forma possível, levando em consideração que os dois viveram muitas coisas juntos, foram parceiros por muitos anos e que o relacionamento funcionou até um determinado momento, mesmo que agora tenham escolhido um novo estilo de vida", defende Denise.

Mulheres pedem mais a separação

"De acordo com as minhas pesquisas, é mais comum que as mulheres peçam o divórcio nessa faixa etária, pois sentem que se dedicaram a vida toda ao marido, aos filhos, à casa e ao trabalho, e querem viver com mais liberdade e mais prazer essa fase da vida. Elas desejam se cuidar mais, ter mais tempo para si mesmas. O ditado sou infeliz, mas tenho marido já não vale mais para elas", diz Mirian. Para Ana, as mulheres passaram a enxergar melhor seu potencial nas últimas décadas, ampliando sua vida social para além do espaço doméstico e familiar, o que diminuiu a dependência emocional e financeira que, muitas vezes, as mantinham em um casamento insatisfatório.

Segundo Mirian, que realiza estudos há mais de 30 anos, antigamente, as mulheres tinham muito medo de se separar, mas hoje se sentem mais livres para buscar uma vida feliz, com ou sem um parceiro. "No século passado, uma mulher de 30 anos já era considerada alguém sem grande perspectiva de futuro e de realizações, já deveria ter casado e ter filhos. Hoje em dia, uma mulher de mais de 50 anos, pode ter uma vida plena, inclusive no âmbito amoroso e sexual", explica Mirian.

Os homens nessa faixa etária tendem a querer uma vida mais familiar e dentro de casa, segundo pesquisas. Isso pode gerar um descompasso entre os projetos de vida, já que suas esposas querem, muitas vezes, curtir mais as amigas e fazer novas atividades. Depois do divórcio, os caminhos também tendem a ser diferentes. Enquanto para eles é comum engatar outro relacionamento e até casar novamente, elas preferem continuar sozinhas. "Grande parte das mulheres está focada em usufruir da sua liberdade, outras buscam um parceiro, ainda que geralmente que prefiram não morar na mesma casa. Querem namorar, viajar, ter companhia", afirma Mirian.

Mesmo que cada um tenha projetos, vivências e desejos diferentes, o que as especialistas garantem é que tanto os homens quanto as mulheres passaram a valorizar mais a liberdade, o companheirismo e o prazer em todas as fases da vida.

Dicas para lidar com a separação

As psicólogas Ana Fraiman e Denise Miranda de Figueiredo dão alguns conselhos para quem deseja terminar a relação:

  • Reflita com calma - separação não deve ser uma decisão apenas emocional. Pense bem se essa é a melhor opção para que você viva melhor, mais feliz e realizada. Para encarar os desafios dessa nova fase, é preciso acreditar que esse caminho vai lhe proporcionar coisas interessantes e positivas.
  • Tenha um projeto - o ideal é montar um plano de ação para organizar como vai ficar sua vida financeira e resolver questões práticas. Lembre-se de que separação envolve muita negociação, é necessário tentar chegar a acordos satisfatórios para os dois lados.
  • Fortaleça sua rede de apoio - é importante ter amigos e familiares com quem você pode contar. Se sentir que a adaptação está muito difícil, busque a ajuda de um terapeuta, seja para o acompanhamento individual, seja para mediar o processo de separação.
  • Concentre-se em você - esse é um momento de entender quais são seus desejos e sonhos, estar em contato consigo e focar em você para, depois, se quiser, experimentar novas relações. Muitas vezes é mais fácil começar com metas, estabelecendo objetivos para você, como iniciar uma atividade física ou um novo hobby, por exemplo.
  • Tenha paciência - Estar separado requer novas regras e é necessário entender esse novo papel que um terá na vida do outro após o rompimento. Algumas dinâmicas familiares vão precisar de ajustes e, às vezes, pode demorar um pouco para que todos os envolvidos se adaptem às mudanças.
  • Cuidado com o envolvimento dos filhos - mesmo quando não são mais crianças, os filhos são afetados pela separação, assim como familiares e amigos. É preciso deixar claro que a única relação que acabou é a do casal e tomar muito cuidado com a opinião dos outros. Só quem de fato vive a relação pode saber qual é o melhor caminho a seguir.

Tenha coragem para recomeçar - você estará sozinha em alguns momentos e precisa dar conta disso. Essa nova fase pode ser emocionante e encantadora, mas também pode ser assustadora às vezes. Busque formas prazerosas de aproveitar sua liberdade

* nome trocado a pedido da entrevistada.