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"Achei que era favelado": 3 vezes em que o BBB mostrou nossos preconceitos

Paula protagonizou duas situações em que preconceitos que estão enraizados na sociedade foram expostos no "BBB19" - Reprodução/GloboPlay
Paula protagonizou duas situações em que preconceitos que estão enraizados na sociedade foram expostos no "BBB19" Imagem: Reprodução/GloboPlay

Natália Eiras

Da Universa

05/02/2019 04h00

Tem gente que considera o "Big Brother Brasil" é uma espécie de experimento social. Nas semanas de confinamento, os ânimos ficariam à flor da pele e as pessoas mostrariam uma faceta nem sempre tão aceita. Assim, observar "pessoas comuns" convivendo pode escancarar alguns preconceitos que estão enraizados em todos nós. 

A militante negra e escritora Stephanie Ribeiro, de Araraquara (SP), vê no reality show uma boa oportunidade de levantar discussões. "Mas acho que a produção do programa deveria tomar responsabilidade sobre o que é dito lá dentro", fala. Segundo ela, seria importante a Globo deixar claro que certas expressões são racistas ou machistas, e fazer atividades para conscientizar participantes e telespectadores. "Porque algumas coisas que são evidenciadas são tratadas como opinião, como se fosse algo natural, quando não é". 

A Universa reuniu algumas situações que aconteceram nas últimas semanas que mostram que o preconceito pode estar em conversas tidas como inofensivas. Veja: 


"Achei que ele seria um favelado"

Enquanto lavava a louça, Paula contava na sexta-feira (25) a história de uma mulher que foi esfaqueada pelo marido 34 vezes. De acordo com a sister, a vítima teria traído o marido e, por isso, foi agredida. "E aí eu pensei que ia chegar mó faveladão lá, e quando eu vejo, o cara era branquinho, morou não sei quanto tempo na Austrália ou no Canadá, não sei", contou Paula. "O cara era louco mesmo, então", concluiu Diego. 

Stephanie Ribeiro: "A fala dela exemplifica como o racismo no Brasil funciona. A opinião de Paula é fruto de toda a estrutura racista deste país. Ela tem um estereótipo de como seria um criminoso, um agressor. Ele seria preto e pobre. A fala dela explica por que há altos índices de homicídio de homens negros e o motivo da população carcerária ser, em sua maioria, preta. A sociedade associa o negro ao mal, ao crime. 

Esteticamente para Paula o que ela entende como criminoso não é um homem que ela julga como bonito e estudado, que está no mesmo lugar de classe que ela. Ela estava basicamente dizendo que uma pessoa como ela, branca e de classe média, não cometeria um crime desses. Quem faria esse tipo de coisa seriam 'os outros', neste caso, as pessoas negras e pobres. Mas é uma falácia, porque a gente sabe que a violência de gênero é sistêmica, que está em todos os lugares. Não é uma coisa limitada apenas a um determinado grupo. 

O complemento de Diego também nega que a violência de gênero pode ser feita por qualquer homem. Fica parecendo que jovens brancos de classe média não cometem crimes e, quando são assassinos, é porque têm uma condição psicológica. É como se fosse algo pontual, como se ele fosse uma exceção". 

"Mas você nunca usou droga?"

Logo na primeira semana de confinamento, Paula estava batendo papo com Danrley e admitiu que já havia fumado maconha e usado anfetamina em uma festa. "Já fumei, mas não faço mais essas coisas. Sério, [tem] bala nessas festas? Minha pupila ficou desse tamanho, mas eu só tomei meia", contou. A sister perguntou, então, para o companheiro de reality show se ele já havia experimentado alguma substância. O carioca, que mora na comunidade da Rocinha, disse que nunca tinha usado drogas e que jamais usaria. Sem entender, Paula insistiu: "O quê? Você ainda usa?". Danrley ficou calado, uma vez que já havia negado a informação anteriormente. 

Na época, pessoas criticaram na internet a postura de Paula. No Twitter, usuários disseram que ela teria ficado surpreendida por acreditar que todo morador de comunidade usaria drogas ilícitas recreativamente. 

Stephanie: "É uma fala que reforça estereótipos racistas e de classe. Ela não esperava e não consegue entender que Danrley, por conta da cor e do contexto dele, pudesse não ser usuário de uma droga que ela também usa. E é uma coisa que realmente acontece fora do BBB. Até em ambientes mais 'progressistas', pessoas associam o indivíduo negro às drogas. Não é uma coisa que apenas as patricinhas fazem. Pedem maconha e outras substâncias para a gente porque há essa ideia de que todo negro é periférico. E que lá, nos extremos das cidades, drogas são vendidas livremente."


"A Isa é mina para casar"

No dia 18 de janeiro, Maycon e Gustavo estavam conversando no quarto sobre a relação do primeiro brother com Isabella. Gustavo, eliminado na última terça-feira (29), comentou que atualmente está "mais fácil pegar mulher do que comprar pão" e que "tem mina que você chega de qualquer jeito e já mete o edredom e tum, engraxa". Durante o papo, os brothers chegaram à conclusão de que Isabella não seria uma dessas mulheres, porque ela é "gente fina, mina para casar". 

Stephanie: "São inúmeros os problemas que estão embutidos nessa fala. Essas classificações englobam vários preconceitos que temos na sociedade: desde classe e raça até gordofobia, uma vez que a mulher gorda normalmente é apenas amiga. A mulher negra é a para transar. A para casar é a de família, normalmente branca, que tem um comportamento mais recatado. Uma mulher que 'se dá ao respeito', que obedece mais ordens. Eles estão sendo machistas. Eles estão objetificando as mulheres e dando valor para elas de acordo com uma característica. E, assim como se pode precificar um livro, eles estão valorizando um certo tipo de mulher sendo que não somos objetos, mas pessoas. Eles nos classificam de acordo com o que consideram ser uma mulher de respeito, sendo que todas as pessoas deveriam ser respeitadas"