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Sequestrada e estuprada pelo ex, que está preso: "Ainda tenho medo"

Francielen está segura agora, mas sofreu muito na mão do ex - Arquivo Pessoal
Francielen está segura agora, mas sofreu muito na mão do ex Imagem: Arquivo Pessoal

Luiza Souto

Da Universa

30/01/2019 04h00

A mineira Francielen Rafaela da Silva, de Caratinga, 300 quilômetros da capital Belo Horizonte, frisa que sempre teve opiniões fortes. Até os 19 anos, quando decidiu morar com o então namorado. Sete meses após a união, ela conta, vieram as agressões por causa do ciúme dele. Ao tentar sair deste relacionamento, foi sequestrada e estuprada durante os cinco dias em que o ex a manteve em cárcere privado. Se libertou com a ajuda de um taxista. Com a vida refeita em outra cidade e o homem preso, a operadora de caixa que hoje tem 23 anos e uma filha de outro relacionamento consegue contar sua história à Universa.

"Minha primeira agressão aconteceu no Natal de 2014, um mês antes de ser sequestrada por ele. Nosso cachorro estragou um relógio sem querer, claro, e apanhei por isso. Pensei em ir embora naquele momento, mas ele se ajoelhou, pediu perdão e disse que jamais me tocaria daquela forma novamente. Acreditei, e não contei pra ninguém. Tive vergonha.

Entramos em 2015 com um clima muito ruim, e já não saía mais de casa sem a presença dele. Sequer visitava meus pais. Também parei de trabalhar. Tudo por causa do ciúme 

A segunda agressão veio em poucos dias, e desta vez fiquei inconsciente por algumas horas após chutes e socos. Ele ainda ameaçou matar a mim e minha família caso contasse para alguém ou tentasse fugir. Fiquei com medo, e minha irmã estava grávida na época. Mas uma vez disse para minha mãe que eu nunca deveria ter saído de casa. Ela logo respondeu que me receberia de braços abertos caso eu quisesse voltar.

Quando percebi que as agressões não acabariam, seja por causa de um almoço atrasado, um número diferente me ligando, passei a reagir. Ele me batia e eu revidava. Até faca ele usou. Num outro episódio de desmaio, após uma briga, acordei decidida a ir embora. A casa estava trancada, mas ele tinha saído. Juntei minhas coisas, liguei para meu irmão e ele foi me buscar, junto aos meus pais. 

Dirigimos a uma delegacia e a primeira pergunta do delegado foi: "Você deu algum motivo?". Estava com os olhos roxos e toda machucada. Voltei para a casa dos meus pais em seguida. Até comecei a olhar alguns cursos fora dali, para recomeçar tudo mesmo, do zero.

Dias depois. ele apareceu. Era fevereiro. Dizia que só queria conversar e se despedir, pois iria para outra cidade e me deixar em paz. Meus pais não estavam casa. Da rua, falava que se arrependia muito, e que me amava. Pediu uma nova chance. Mas eu não quis. Diante da recusa, ele me pegou pelo braço e cabelo e saiu me arrastando. Me jogou em seu carro e seguiu dizendo que, se eu não ficasse com ele, não ficaria com ninguém.

No primeiro dia de sequestro, ele me levou para onde morávamos e me trancou. Depois que tudo acabou, meus pais me contaram que, ao procurarem a polícia, o delegado disse que eu fui por livre e espontânea vontade. Mas uma vizinha testemunhou tudo.

Por cinco dias mudamos de local algumas vezes, porque ele percebeu que já estavam atrás de mim. Fomos para uma zona rural e também para a casa da avó dele. Fui estuprada nesses dias. Numa dessas mudanças, eu estava fraca, havia passado dois dias sem comer. Ele então nos colocou num táxi e paramos num mercado. Fiquei no carro enquanto ele comprava algo. O taxista viu meu estado e me reconheceu. Disse que me levaria até a delegacia, mas pensei na hora: se ele fizesse isso, meu ex fugiria naquele momento. Então pedi que ele avisasse a polícia e minha família onde estávamos. Eu aguentaria mais um pouco para vê-lo preso.  

E foi o que ele fez. A polícia nos achou na casa de sua avó. Um tio dele descobriu antes onde estávamos e o mandou fugir. Alguns minutos depois, a polícia chegou, e fui direto para o hospital. Ele foi capturado e está preso. 

Quatro anos depois, estou mais forte. Deixei minha cidade e reconstruí minha vida ao lado do meu atual marido e minha filha. Ele segue preso, e assim espero que fique até os últimos dias. Ainda tenho medo. A família dele me ofende quando visito meus pais. Hoje, aprendi que jamais temos que deixar a relação ultrapassar o nível de uma conversa civilizada. Devemos sair a qualquer sinal de intolerância. O medo é um estado emocional criado por nós mesmas.

O outro lado

O ex de Francielen, Thales Silvério Custódio, cumpre pena de 9 anos e 8 meses por estupro e cárcere privado, em regime fechado, no presídio Francisco Floriano De Paula (MG). O advogado Dario Jose Soares Junior defende que havia agressão entre as duas partes e que, segundo Custódio, as relações foram consensuais e que a vítima poderia sair dos locais quando quisesse. A avó do acusado está sendo processada por ser cúmplice no crime de cárcere privado, uma vez que sua casa foi utilizada.

O que fazer em caso de violência doméstica

Caso você sofra com violência doméstica ou familiar, ligue para o número 180. Funciona em todo o país e também no exterior, 24 horas por dia, inclusive nos feriados e fim de semana. A ligação é gratuita. O Ligue 180 recebe denúncias, dá orientação de especialistas e encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico.