Topo

Violência contra idosos: mulheres sofrem mais do que homens

Metade das denúncias de violência contra mulher no primeiro semestre de 2018 envolveram vítimas com mais de 70 anos - Getty Images
Metade das denúncias de violência contra mulher no primeiro semestre de 2018 envolveram vítimas com mais de 70 anos Imagem: Getty Images

Marcelo Testoni

Colaboração para Universa

14/01/2019 04h00

O ano de 2019 mal começou e crimes de violência contra mulheres disparam no país. O mais triste é que as idosas são algumas das mais vulneráveis e sofrem duplamente - tanto pela idade avançada quanto pela questão de gênero.

Somente no primeiro semestre de 2018, 5.206 denúncias e relatos de violência recebidos pela Central de Atendimento à Mulher (Dique 180) envolveram vítimas idosas com idade igual ou acima de 60 anos, sendo que em quase metade dos casos (2.498) a vítima tinha 70 anos ou mais.

Já o Disque 100, serviço especializado em denúncias sobre violações dos direitos humanos, contabilizou 34.928 violações cometidas contra idosos no Brasil nos seis primeiros meses de 2018. "Os casos foram relatados por meio de 16.670 denúncias, que mostraram que a maior parte das quase 19 mil vítimas nessa faixa etária eram mulheres, ou seja 63,25%", respondeu em entrevista à Universa a Assessoria Técnica da Secretaria da Pessoa Idosa do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos.

A violência contra idosas com mais de 60 anos pode se manifestar de diversas formas. Os crimes mais frequentes são negligência (77,61%), violência psicológica (55,36%), abuso financeiro e econômico/violência patrimonial (40,54%) e violência física (26,24%). Vale ressaltar que os números ultrapassam os 100% porque, em alguns casos, uma mesma denúncia diz respeito a mais de uma violação.

Exemplo de resistência

Trabalhar a coragem para enfrentar violências sofridas em razão do gênero e da idade avançada não é fácil. Porém, a cada dia, mais mulheres idosas rompem o silêncio e denunciam.

leonidia violencia contra idosas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A aposentada Leonidia Rodrigues, 94 anos, diz enfrentar violências em razão do gênero e da idade
Imagem: Arquivo pessoal

Aos 94 anos, a artista plástica aposentada Leonidia Rodrigues diz ouvir há mais de 30 anos comentários pejorativos, especialmente em ambientes públicos. "Apesar da idade, sou bastante ativa. Porém, quando saio e vou a lojas, supermercados e agência bancária escuto gente mais jovem reclamar que só atrapalho e atraso a vida alheia. Mesmo na fila reservada ao idoso já fui intimidada por ter esse direito", lamenta. A hostilização e a humilhação são classificadas pelo Ministério dos Direitos Humanos como violências psicológicas.

Os abusos também estão presentes no transporte público. Segundo Leonidia, é raro algum passageiro deixar o assento destinado a idosos para os mais velhos. Há alguns anos, ao pegar um ônibus com mais duas senhoras, ela se surpreendeu até com a atitude do motorista. "Ao subirmos, ele reclamou de ter parado no ponto só para nos pegar e ainda nos comparou a jacarés. Disse que só saíamos da toca quando o sol aparecia. Fiquei sem reação, ninguém nos defendeu, e pouco tempo depois, ao completar 90 anos, entrei em depressão e não queria mais sair. Felizmente, com o apoio da família e de terapia me curei".

Margareth dos Reis, psicóloga e doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) afirma que tais agressões provocam marcas invisíveis profundas, podendo levar ao desenvolvimento ou ao agravamento de problemas emocionais em idosos. "Se por um lado a longevidade é considerada uma grande conquista da atualidade, infelizmente maus-tratos e casos de idosos que se suicidam tem aumentado também, é um problema de saúde pública", ressalta.

Violência também ocorre dentro de casa

As agressões também podem ocorrer dentro de casa, e por parte dos próprios parentes.

A idosa Maria Cléia Derze Craveiro, de 72 anos, foi uma das vítimas de agressão de familiares. Ela foi morta a tesouradas em agosto de 2017, dentro de casa, em Rio Branco, no Acre. O assassino, criado pela vítima como filho adotivo, seria dependente químico e queria dinheiro para comprar drogas.

No mesmo ano, um levantamento feito pela Polícia Civil de Rio Branco revelou que os filhos foram os que mais agrediram idosas na região. A Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM) local instaurou 85 inquéritos policiais de violência cometida contra idosas. Destes, 37 foram contra os filhos das vítimas, ou seja, 44% das ações.

A coordenadora da DEAM, delegada Kelcinaira Mesquita, informa que "na maioria dos casos, os filhos ainda moram com os pais e têm problemas com álcool ou droga. Eles não trabalham e vivem da aposentadoria dos pais. Temos muitas ocorrências em relação aos netos, também com problemas com drogas".

Na sequência, 12 inquéritos foram abertos contra companheiros e maridos. Contra noras, sobrinhos, vizinhos e outros foram instaurados um processo contra cada um.

De acordo com dados de 2018 coletados pelo Núcleo de Estudos e Programas na Atenção e Vigilância em Violência, da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, nessa região as mulheres idosas são as principais vítimas de violência doméstica, representando o dobro (64%) dos homens (32%).

No município de São Paulo, de 894 casos de violência física registrados contra idosos em 2017, 246 (27,5%) das agressões foram cometidas pelos filhos. Filhos do sexo masculino atuaram em 69% dos casos, ou seja 169 de 246, em especial contra mães. Os dados são da Prefeitura de São Paulo.

Já na cidade de Recife, em 2017, vítimas idosas do sexo feminino representavam 59%, tendo como agressor predominantemente o filho do sexo masculino. A violência física foi a forma de agressão mais observada (45%), ocorrida, principalmente, nas residências (48%). Os dados foram obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAM).

Nos dados coletados pelo disque 100, os estados onde há mais denúncias contra a mulher idosa são, nessa ordem: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, seguidos do Ceará, Bahia e Paraná.

Denunciar é fundamental

Para garantir proteção a pessoas idosas, a legislação brasileira conta com o Estatuto do Idoso. O documento, que completa em 2019 16 anos de vigência, consolida e reafirma direitos básicos de cidadania já previstos pela Constituição Federal.

No Brasil, um dos principais canais de atendimento para o combate à violência contra a mulher idosa é o serviço gratuito da Central de Atendimento à Mulher, disque 180. Esse serviço de utilidade pública oferecido pelo Ministério dos Direitos Humanos funciona 24 horas todos os dias, incluindo feriados e fins de semana. Além do número, o serviço também está disponível pelo aplicativo Proteja Brasil e pela Ouvidoria Online, no site: www.humanizaredes.gov.br/ouvidoriaonline.

Outro meio de denunciar estes casos é o Disque 100. A central de atendimento recebe, analisa e encaminha denúncias de violações contra crianças e adolescentes, LGBT, idosos e pessoas com deficiência.

"Existem, ainda, as Delegacias Especializadas de Proteção ao Idoso e da Mulher que também recebem denúncias de violência contra mulheres idosas", informa a Assessoria Técnica da Secretaria da Pessoa Idosa do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos.