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Mulheres protagonizam um mundo em evolução


Mãe de 10 filhos, gari lidera comunidade de 477 famílias de lixão de GO

Francisca, 37, está trabalhando pela regularização de comunidade em Goiânia - Arquivo Pessoal
Francisca, 37, está trabalhando pela regularização de comunidade em Goiânia Imagem: Arquivo Pessoal

Natália Eiras

Da Universa

17/12/2018 04h00

A gari Francisca Barbosa, 37, teoricamente já teria "as mãos cheias" de trabalho: ela é mãe de dez filhos, sendo o mais novo de um ano e a mais velha de 22. Mas foi exatamente o fato de ser mãe que a fez "cuidar" das 477 famílias da comunidade Sertão Terra do Sol e Continental, antiga Ocupação do Lixão de Aparecida de Goiânia, em Goiás. "A gente via muitas crianças envolvidas com drogas e prostituição. Meninas de 12 anos engravidando", conta à Universa. "Aquilo foi me comovendo. Vi uma brecha de que poderia mudar a vida dessas pessoas. Foi uma necessidade e uma coisa de mãe".

Em 2002, Francisca e o marido chegaram ao Lixão de Aparecida de Goiânia para trabalharem como recicladores. Sem ter onde morar, montaram um barraco dentro do próprio lixão. Eles ficaram no local por sete anos, até que, em 2009, o prefeito da cidade resolveu tirar as pessoas dali. "Éramos cerca de 100 famílias. A prefeitura deu moradia para 60, e as outras ficaram sem ter onde morar --inclusive eu e meu marido", narra.

Francisca e as famílias que sobraram decidiram, então, invadir um loteamento próximo ao lixão. Foi quando nasceu a comunidade Sertão Terra do Sol.

Porém, o papel de porta-voz não surgiu de uma hora para outra. A injustiça e os problemas que a comunidade passava fez com que Francisca começasse a pensar em formas das pessoas se organizarem. "Fui assumindo naturalmente a liderança", fala. Desde 2011, quando alguém na comunidade precisa de algo, é com a Francisca que a pessoa fala.

A comunidade Sertão Terra do Sol tem 477 famílias - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A comunidade Sertão Terra do Sol tem 477 famílias
Imagem: Arquivo Pessoal

A gari diz que conta com a ajuda de uma equipe, incluindo o companheiro, um amigo e mais 11 mulheres. Eles se dividem para atender as necessidades das famílias e, inclusive, cuidar dos filhos uns dos outros. "Não faço nada sozinha por aqui", afirma Francisca.

O coletivo faz a força inclusive na hora de colocar a mão na massa para construir moradias. "90% das casas daqui são de lona com madeira, e já estão há cinco anos desse jeito", explica a gari. Para melhorar as condições de moradia, eles criaram a campanha Adote Uma Família, em que as pessoas podem doar material de construção e os moradores se organizam para construir uma casa para uma família escolhida pela líder. "Damos preferência para famílias que têm mais crianças ou que tenham idosos".

Porém, atualmente, os esforços de Francisca e sua equipe estão focados, principalmente, no processo de regularização da comunidade. Eles criaram a Associação Social da Família, unidade Terra do Sol, com a ajuda do vereador de Aparecia de Goiânia Willian Panda. Eles tiveram uma audiência pública com o representante do prefeito Gustavo Mendanha. "Estou otimista, espero que a gente consiga regularizar a nossa situação até o fim de 2019", diz.

A decisão é importante para dar mais condições de os habitantes entrarem no mercado de trabalho. "Muita gente aqui não consegue emprego porque não temos comprovante de residência, o que é necessário para conseguir uma contratação", suspira.

Francisca e sua equipe criaram campanha para construir casas na comunidade - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Francisca e sua equipe criaram campanha para construir casas na comunidade
Imagem: Arquivo Pessoal

Caso tudo ocorra como espera, Francisca pretende continuar o trabalho em outras comunidades. "Quando a nossa não precisar mais da nossa ajuda, eu e minha equipe vamos atrás de outras para ajudar. A gente quer continuar auxiliando as pessoas".

Com mais de 200 crianças em idade escolar, a comunidade ainda depende de muitas doações para continuar existindo. "A gente aceita de tudo. Roupa, móveis antigos e até fraldas geriátricas", diz. Para ajudar, entre em contato com Francisca pelo telefone (62) 99425-6816.