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Mentiras que já contaram sobre sexo ao longo da história

Estátua erótica em templo na Índia - iStock
Estátua erótica em templo na Índia Imagem: iStock

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

08/12/2018 04h00

Impor normas e regras sobre a sexualidade sempre foi uma maneira de controlar as pessoas -- as mulheres, em especial. Para entender essas "regulamentações", é preciso compreender o contexto político, cultural e social de uma época, além de considerar o peso de fatores como religião e ciência. Porém, é claro que, sob o nosso olhar do século 21, algumas lorotas soam engraçadas, bizarras e até revoltantes. Eis alguns exemplos:

Certas posições transformavam as pessoas em animais

Para a Igreja, durante muito tempo, a única posição permitida era o homem por cima da parceira. As demais eram proibidas porque "igualavam o homem ao animal", "invertiam a natureza do homem e da mulher" e "podiam impedir a concepção". Na Idade Média, dizia-se que se a mulher ficasse por cima era o homem quem poderia engravidar. O sexo anal, por sua vez, podia transformar a pessoa passiva numa égua. Forçado pelo marido, rendia o divórcio. As ideias eram embasadas pela comunidade médica. O tratado "De Secretis Mulierum" ("Os Segredos das Mulheres), do século XIII, pregava que as crianças que nasciam com malformações tinham sido concebidas em posições "não naturais".

Masturbação deixava as pessoas idiotas e loucas

Se até hoje o tema é um tabu, outrora o preconceito e o desconhecimento fizeram vários estragos. Durante a Era Vitoriana, na Inglaterra, alguns pais usavam uma espécie de gaiola com pregos para prender o pênis dos filhos e evitar que eles se masturbassem. A gaiola permitia que os garotos urinassem, mas não deixava que eles colocassem a mão no pênis. De acordo com a mentalidade vigente, o "desperdício de sêmen" provocaria esgotamento físico e mental, dor de cabeça, esterilidade, espasmos, esterilidade, febre e até deterioração da medula espinhal. Um estudo publicado em 1758 pelo médico suíço Samuel Auguste David Tissot (1728-1797), considerado como verdade científica até o início do século 20, afirmava que a masturbação provocava surdez, loucura e imbecilidade. Anos depois, entre 1856 e 1919, o Escritório de Patentes dos Estados Unidos registrou 498 aparelhos antimasturbação. Um deles dava choques se houvesse uma ereção.

O cinto de castidade evitava traições

Na verdade, não há até hoje comprovação de que a peça associada à Idade Média de fato existiu da maneira registrada pelo nosso imaginário -- um aparelho metálico grotesco com cadeado a fim de evitar que as mulheres transassem com outros homens que não os maridos. O pesquisador inglês James A. Brundage, especialista em sexualidade medieval, garante que os cintos eram usados pelos homens para impedir que guardas cruéis estuprassem os prisioneiros. O modelo,tal qual conhecemos, é uma criação das mentes pudicas da Era Vitoriana. O conceito existia, sim, mas como uma metáfora que evocava a promessa de fidelidade. No século 19, por sua vez, as mulheres usavam para evitar serem estupradas nos locais de trabalho. Em 1996, o British Museum, de Londres, retirou de exibição uma peça que mantinha desde 1846 ao descobrir que ela era falsa. De todo modo, existem referências escritas e pictóricas de cintos de castidade nos escritos europeus de mais de 800 anos atrás.

As pessoas eram muito puritanas na Era Vitoriana

Só se fosse da porta de suas casas para dentro. Do lado de fora, a luxúria imperava. No início do século 20, a população de Londres era de aproximadamente 2 milhões de habitantes, sendo 80 mil prostitutas. Com surtos de doenças venéreas, os homens de "bem" (e de bens) contratavam meninas bem novinhas para desvirginar.

A prostituição sempre foi alvo de marginalização

Na Idade Média, na Europa, a prostituição era reconhecida pela Igreja e pelas autoridades como um "mal necessário" por proteger as mulheres tidas como "respeitáveis" da sedução e até mesmo do estupro, bem como preservar a "honra" das donzelas. O pavor da luxúria tresloucada era maior do que tudo. Já na Renascença, embora tivessem de se vestir de modo diferente das cidadãs "de bem", as prostitutas tinham grande valorização social e a cultura e a educação como diferencial -- falavam vários idiomas, liam e entendiam de música e artes plásticas.

O prazer feminino era maligno

Na Renascença, mesmo tendo sido estupradas, algumas mulheres perdiam a "honra" quando engravidavam. Segundo uma crença popular, as mulheres só concebiam se sentissem prazer durante o ato. A gravidez, portanto, provava que tinham gostado de ser violentadas. Na Era Vitoriana, as mulheres eram tidas como seres assexuados. Uma mulher que manifestasse qualquer desejo erótico -- inclusive com o marido -- era uma séria candidata a "cair na vida", ou seja, tornar-se prostituta.

Sexo bom entre um casal acabava com o matrimônio

No século 19, no Brasil, as mulheres eram orientadas a se "controlar" durante o sexo. Caso se excitassem demais, os maridos deveriam virar de lado, para acalmá-las. O décor do quarto revelava as normas da época: camas de madeira com pássaros e anjos entalhados, expressando pureza, e na parede, um crucifixo. Tudo para lembrar que a missão-mor do móvel era servir de cenário para a procriação, nunca para o prazer. Intimidade demais fazia com que as mulheres perdessem o respeito por parte dos maridos e levava o casal ao distanciamento e ao desprezo. Resultado: os homens se "aliviam" na rua e as mulheres tornavam-se donas de casa pudicas e azedas.

O útero dominava o cérebro feminino

Também no século 19, que segundo historiadores foi um período um tanto hipócrita, a mulher tinha que ser doce, bonita, charmosa (mas não muito) e, principalmente, frágil e submissa. As que ousavam expressar alguma vontade eram tidas como neuróticas e histéricas e, portanto, incapazes de serem boas mães, boas esposas ou boas de maneira geral. Segundo as teorias vigentes, o instinto materno anulava o instinto sexual e, consequentemente, aquela que sentisse desejo ou prazer era considerada "anormal". Só os homens gozavam. E a excessiva voluptuosidade da mulher denunciava ninfomania, loucura ou, nos diagnósticos mais amenos, que a mulher era uma péssima dona de casa.

LIVROS CONSULTADOS: "Histórias Íntimas - Sexualidade e Erotismo na História do Brasil" (Ed. Planeta), de Mary del Priore; "O Guia dos Curiosos -- Sexo" (Panda Books), de Marcelo Duarte e Jairo Bouer e "Uma Breve História do Sexo" (Ed. Gaia), de Claudio Blanc.