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"Homem? Nem pensar! Eu gosto é de mulher", diz caminhoneira trans e lésbica

Fabiana Ferreira - Divulgação
Fabiana Ferreira Imagem: Divulgação

Bárbara Stefanelli

Colaboração para Universa

06/12/2018 04h00

Foi só após realizar a transição de gênero, em 2010, que a caminhoneira Fabiana Ferreira, 58, passou a ter a vida sexual ativa. Antes disso, quando ainda nem pensava que se descobriria mulher, ela se considerava sem interesse por relações amorosas, tanto com homens quanto com mulheres.

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"Parece que antes [da operação] eu era uma pessoa neutra. Achava alguns homens bonitos e queria me parecer com uma mulher. Mas me envolver com homem? Nem pensar, cruz credo! Só para amizade e poucos. Eu gosto é de mulher", diz Fabiana, que afirma nunca ter transado com um homem e, hoje, se define como mulher trans lésbica.

"Toda a vida parece que eu tinha vontade de ser feminina. Fiquei muito bem depois que fiz a cirurgia. Agora me sinto mais feliz."

O desejo por mulheres, no entanto, só apareceu de verdade depois de mais de um ano da cirurgia. "Quando operei, fiquei um ano e quatro meses sem fazer nada, sem ter prazer algum. Depois desse tempo, consegui transar com uma mulher. No dia, lembro que eram quase 23h e liguei para a doutora que me operou, dizendo que eu tinha conseguido."

Antes de passar pela transição, Fabiana chegou a se envolver com uma mulher, com quem tem um filho, hoje com 28 anos. "Quando eu ainda era do sexo masculino, uma mulher invocou comigo. Ela tinha quatro filhos e largou do marido por minha causa." Os dois acabaram morando juntos. "Aí, por incrível que pareça e depois de muita insistência dela, tivemos um filho."   

A vida na estrada para uma mulher

Segundo o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), existem cerca de 180 mil mulheres habilitadas para dirigir caminhão no Brasil. Elas representam apenas 6,5% do total de motoristas de caminhão no país. Mas, apesar de ser uma profissão predominantemente masculina, Fabiana, que começou a dirigir carretas em 1986, garante que nunca se intimidou.

A caminhoneira Fabiana Ferreira - Divulgação - Divulgação
A caminhoneira Fabiana Ferreira
Imagem: Divulgação

"Nunca dei moral para ninguém. Se eu desço em um ponto, pode ter 50, 60 pessoas, não olho na cara de ninguém, vou onde tenho que ir e falo com quem tenho que falar." Apesar de se comportar assim, ela não nega que exista preconceito --mais na forma de piadas. "Você tem que fazer de conta que não está vendo nada e vai levando a vida. Se for ligar para isso, você não vive. Você vegeta."

Além disso, Fabiana diz que acha muito bonito ver uma mulher dirigindo caminhão e nunca deixaria de fazer algo por causa da opinião dos outros. "Não é só o homem que tem direito de trabalhar [dirigindo]. A mulher também tem. Às vezes, a mulher até faz as coisas melhor do que o homem, mas eles não querem aceitar", acredita.

Fabiana, recentemente, se aposentou e já sente falta da estrada. "Eu gostava do que fazia, das amizades que a gente faz viajando e da liberdade. Caminhão é um vício. Agora que estou sem trabalhar, fico com a cabeça estressada." Para não ficar parada, ela planeja abrir sua própria transportadora.

"O que mais admiro na Fabiana é sua liberdade"

A história de Fabiana virou um documentário, que foi exibido, recentemente, na 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e no Festival Mix Brasil, também realizado em São Paulo e dedicado à produção audiovisual LGBT.

A diretora do documentário, Brunna Laboissière, conheceu Fabiana ao pedir carona para ela. "Já viajei muito de carona e gosto de ouvir as histórias dos motoristas. Em geral, sempre eram caminhoneiros homens, mas, uma vez, indo para Goiânia, conheci a Fabiana. Viajamos por dois dias", lembra Brunna.

Fabiana Ferreira - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

"Na hora, não me liguei que ela era uma mulher trans. Muitos amigos dela nem desconfiam que ela é trans. A Fabiana não fica falando muito sobre isso."

Brunna conta até que, em uma das exibições do filme, perguntou para Fabiana se poderia convidar uma das colegas evangélicas da caminhoneira. A mulher nem imaginava que ela era uma mulher trans e lésbica.

Questionada sobre o que aprendeu com Fabiana, ao longo das filmagens, diz: "O jeito que ela leva a vida é tremendo, apesar de todas as dificuldades que tem. Ela também tem uma intuição muito forte e segue seu coração. Fabiana é pura liberdade. Ela não deixou o mundo e a sociedade sabotarem quem ela verdadeiramente é."

A previsão é de que o documentário "Fabiana" chegue às salas do cinema nacional no primeiro semestre de 2019.