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Eleições: especialistas dão dicas para sobreviver nesses tempos de ódio

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Nina Lemos

Colaboração para Universa

16/10/2018 04h00

Medo de sair na rua, insônia, ataque de ansiedade, mau humor. Esses são apenas alguns dos muitos sintomas que nós, brasileiros, estamos sentindo nos últimos dias, diante de um dos momentos políticos mais tensos da nossa história recente.

Não por acaso, psicanalistas anunciam que seus divãs estão lotados. O medo e a agressividade se espalharam. Nos últimos dias, pelo menos 70 casos de violência política foram documentados (50 deles praticados por apoiadores de Bolsonaro).

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Todas as manhãs, quando entramos nas redes, nos deparamos com mais casos, como universidades sendo pichadas com palavras racistas, gritos contra homossexuais e mulheres.

Como dormir com um barulho desses? Como trabalhar? Dos dois lados do cenário, ninguém está tranquilo. Rompimentos familiares acontecem a toda hora, assim como discussões acaloradas nas ruas e nas redes, que logo podem se transformar em brigas inflamadas.

Universa conversou com psicanalistas para tentar descobrir como podemos nos fortalecer --e, assim, suportar esses tempos tão difíceis.

Euforia e depressão

“Boa parte da população está no que chamamos de estado misto, aquele em que alterna euforia com depressão”, diz a psicanalista Naomi Araujo, que, como outros profissionais, viu o movimento crescer em seu consultório nos últimos dias. “Muitas pessoas estão fóbicas, os sintomas das pessoas voltam com força nesses momentos de exceção”, diz Ana Bellan, também psicanalista. “Estamos lidando com o medo primário do ser humano, que é o medo da morte”, ela diz.

Lembrando que entre o apoiadores do candidato Bolsonaro, que prega a liberação das armas, está também (inconsciente) “o medo de matar.” ”Muitas pessoas estão paralisadas, não conseguem sair de casa, trabalhar”, diz Ana.

Ana e Noemi veem esse medo principalmente entre os mais jovens e a população LGBT. “Esses grupos estão acuados, não só por medo imaginário, mas por um medo real”, diz Noemi.

De acordo com o psiquiatra Alexandre Saadeh, do Hospital das Clínicas de São Paulo, vivemos um momento de “paixão exacerbada, onde a razão se perde e com altos níveis de paranoia.” “O ódio também é uma paixão”, ele diz.

Mas como fazer para sobreviver? Afinal, temos que continuar trabalhando, comendo, dormindo…

A vida continua

“Uma coisa importante é não se deixar paralisar. Temos que continuar saindo, encontrando os amigos. Se não dá para ser feliz em um momento como esse, dá para ter momentos de felicidade”, diz Ana Bellan. Esses momentos estão nas coisas simples, como almoçar com um amigo, dar uma caminhada”. Ela diz que é importante lembrar que não estamos sozinhos. Temos grupos. "Se você é, por exemplo, LGBT, existem outros membros da comunidade que estão sentindo coisas parecidas com você. É hora de valorizar a vida em comunidade”.

“Mais do que nunca, é hora de pensar em acolhimento. Temos que acolher as pessoas e estarmos prontos para buscar acolhimento”, fala Noemi. Isso significa conversar com aquele amigo que está triste ou telefonar para alguém quando quem estiver com medo for você.

“É importante lembrar que a sua vida não acabou. E que não vai acabar, independentemente do resultado das eleições. Então, é importante que você continue vivendo a sua vida, trabalhando, indo ao cinema, fazendo esportes, encontrando os amigos”, diz Alexandre Saadeh.

Os profissionais concordam que é necessário, dentro do possível, largar a internet e viver a vida “real”. E também evitar o excesso de informação negativa. “Se você vê uma declaração que te magoa, não faça isso com você de ficar vendo em looping. Isso é masoquismo”, diz Naomi.

E as brigas de família?

“É como se estivéssemos vivendo um pré e um pós Natal”, diz Ana Bellan, se referindo às festas de final de ano, onde as crises e as diferenças aparecem todos os anos. Segundo ela, muitas tensões familiares que já existiam estão aflorando. O que fazer? Você pode tentar conversar com seus parentes numa boa. "O melhor é usar a compaixão, explicar que tal comentário te magoa, que você anda triste". Em alguns casos, onde um dos lados não consegue parar de berrar, você pode dar um tempo e esperar que as coisas se acalmem.

"Não é uma boa hora para brigar com família porque, independentemente de qual candidato ganhar, estamos diante de uma crise econômica, que tende a piorar, onde as pessoas vão precisar se apoiar”, diz Noemi. "O melhor é focar em outras partes da relação, no que vocês têm em comum, e lembrar que são pessoas que você ama."

Uma dica, dada por Alexandre Saadeh, é tentar não encarar tudo como “um ataque pessoal”. Se você, por exemplo, é gay, e um parente seu vai votar no Bolsonaro, isso não significa que o seu parente te odeie”, diz. Sim, segundo os especialistas, é hora de usar na prática aquelas palavras antigas: compaixão, acolhimento, escuta, solidariedade e afeto.