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Ansiedade faz demorar para engravidar? Saiba mais sobre infertilidade

Nathalia e a filha Valencia, de dois anos - Arquivo pessoal
Nathalia e a filha Valencia, de dois anos Imagem: Arquivo pessoal

Luisa Moreira

Colaboração para a Universa

02/10/2018 04h00

O sonho da advogada Nathália Bastos era ser mãe. Quando se casou, aos 21 anos, logo ela e o marido colocaram em prática os planos para fazer a gravidez acontecer. Mas algo estava errado. E após seis meses de tentativas sem sucesso, decidiram procurar ajuda especializada.

Em geral, médicos afirmam que uma investigação só deve começar após um ano, mas algo dizia à Nathália que ela não poderia perder tempo. Mesmo com algumas negativas por conta dessa recomendação, descobriu que não ovulava e, em um desses controles de contagem de óvulos, uma endometriose profunda apareceu.

“Era assintomática [a endometriose] e, por isso descobri, por acaso”, contou em entrevista à Universa.

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Ela passou por uma cirurgia para tratar a doença, entre outros diversos tratamentos para outros problemas que descobriu no caminho, e então começou as fertilizações. Foram oito FIVs (Fertilização in Vitro), sete anos tentando e um aborto na sexta tentativa antes de finalmente conseguir.

“Nesse período tive o acompanhamento de psicólogos e esse apoio ajuda muito. A gravidez passa a ser seu projeto de vida e o calendário fica marcado apenas para os exames. É importante saber que existe vida fora dessas datas”, fala Nathalia, que reconhece no marido o ponto de apoio, tanto para seguir em frente como na compreensão de entender seus limites. 

Mas não era só o companheiro que precisava ter empatia. O processo é desgastante e, junto com ele, chega a pressão das pessoas que estão ao redor, segundo ela, algo cruel.

“É uma carga muito grande escutar ‘desencana que a gravidez vem’. Ouvi muito que era ‘coisa da minha cabeça’ e magoa demais. Já não basta todos os obstáculos e ainda vem essa culpa. As pessoas acham que estão ajudando, mas não."

Hoje, com a filha de dois anos e três meses nos braços, Nathalia tenta ajudar outras mulheres. Desde abril de 2017, começou a escrever o blog “N Tentativas”, que também tem conta no Instagram. Um espaço para mulheres compartilharem suas experiências.

“Recebo muitas mensagens. Todas se sentem muito sozinhas e com medo de se abrir, com medo do julgamento. De tanto apontarem as questões psicológicas como solução, acham que estão ficando doidas, afinal, só pensam mesmo naquilo”, explica a advogada.

E continua: “Esse tipo de peso mexe muito com a questão feminina. Por que eu não mereço, por que não consigo gerar?” 

Nunca é psicológico, dizem especialistas

Milhares de mulheres têm histórias como (ou parecidas) a de Nathália e vivem meses, anos de persistência para concretizar o sonho da maternidade. O número de casais que enfrentam a infertilidade chega a 20%, segundo Luciana Leis, psicóloga e pesquisadora no Projeto Alfa (Aliança de Laboratórios de Fertilização Assistida).

Luciana atende com mulheres e seus parceiros com problemas de infertilidade e os acompanha no processo da fertilização há 17 anos, e afirma que o famoso “desencana que engravida” é algo cultural, que ronda os casais socialmente e responsabiliza a mulher.

“Engravidar parece algo muito fácil. As pessoas passam a vida evitando e, de repente, querem aquilo na hora. O casal se sente um peixe fora d’água, tem a autoestima rebaixada pela pressão e a própria autocobrança.”

A ansiedade é um problema?

Para saber o impacto da ansiedade e do estresse no sucesso (ou não) de uma tentativa de gestação, Luciana fez uma pesquisa com 83 mulheres em tratamento para a FIV.

“Usamos como instrumentos testes psicológicos (inventários de estresse e ansiedade), medidas do cortisol salivar, pressão arterial e frequência cardíaca das pacientes no início do processo e quando faziam a transferência embrionária. O resultado foi que mulheres menos estressadas ou ansiosas não tiveram mais sucesso do que as outras”, explica.

A psicóloga diz que o estudo permitiu colaborar para que elas se sentissem menos culpadas diante de sentimentos tão comuns em meio a esses tipos de procedimento. Segundo ela, outros estudos no mesmo caminho são contraditórios.

“Não existe mulher que não se sinta assim quando passa por isso. É importante se autorizar, em primeiro lugar, a sentir ansiedade, estresse. Faz parte. Se isso começar a atrapalhar a rotina de sono, a vida pessoal, necessitará atenção maior – mas isso para todas as pessoas, mesmo as que não estão tentando engravidar”, pontua. E para esses casos, Luciana fala sobre cada uma encontrar formas de se equilibrar, seja na ioga, algo em grupo para relaxar e estar saudável.

A doutora em medicina reprodutiva pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Marise Samama, da Clínica GERA, em São Paulo, recomenda, quando sente a paciente ansiosa, que procure acupuntura, por exemplo. Também são importantes soluções físicas, como se alimentar melhor, fazer atividade física e abrir, sempre, para o médico, os remédios que fazem parte da rotina – esses, sim, podem atrapalhar. 

“Hoje eu, particularmente, não deixo uma paciente sem diagnóstico físico ou com a reposta de ‘infertilidade sem causa aparente´. Se está em tratamento e mesmo assim não consegue é porque a investigação não foi suficiente”, afirma.

Tem conhecidas tentando engravidar?

E fica a dica: assim como cobrar, evitar o assunto ou esconder de outra mulher que você está grávida também não é o caminho.  Trate com naturalidade.

“Se a paciente quiser, vai falar sobre o assunto com quem está em volta. Perguntar toda hora, fazer piadas do tipo ‘não sabem fazer direito´ para o casal e deixar de contar uma gravidez na família, por exemplo, machuca muito. A omissão faz com que a pessoa se sinta mal ao imaginar que os outros a veem como frustrada ou que vai sentir inveja", alerta a psicóloga.

Como saber que é a hora certa?

As duas especialistas são categóricas ao dizer que mesmo com todas as conquistas femininas, a responsabilidade de fazer a maternidade acontecer ainda recai sobre as mulheres. E o desejo por esse momento é particular: pode vir mais cedo, mais tarde ou simplesmente não acontecer. 

Para as que deixam para “depois”, o congelamento dos óvulos é uma alternativa, até os 35 anos. “A pressão é toda dela, pois o estoque de óvulos diminui ao logo dos anos e nós, ginecologistas, temos que chamar atenção para essa informação, conversar a respeito”, fala Marise. E Luciana conclui: “O desejo de ter filhos não está ligado à questão biológica. Cada um tem seu tempo. A sociedade precisa parar de cobrar uma resposta linear das mulheres.”