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Hiperindependência: se você é mulher, talvez sofra com esse mal

"Não preciso da ajuda de ninguém". Você já se pegou falando isso? Quantas vezes?  - Getty Images
"Não preciso da ajuda de ninguém". Você já se pegou falando isso? Quantas vezes? Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

30/09/2018 04h00

"Devo ser forte", "Não preciso da ajuda de ninguém para lidar com as minhas questões", "Ninguém tem nada a ver com isso", "Posso dar conta sozinha". Você já se pegou falando, ainda que só para si mesma, algo do tipo? Com que frequência? Você realmente acredita em alguma dessas frases ou quer se convencer? Ou, talvez, deseja que os outros acreditem nelas? É claro que não há mal nenhum em ser autossuficiente, bancar as próprias atitudes e buscar não depender de ninguém.

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Só que a hiperindependência, termo cunhado pela coach americana Andrea Owen em seu livro "Como Parar de Se Sentir uma M*rda" (Ed. Best Seller), não tem nada a ver com empoderamento ou autonomia financeira ou emocional. Ela pode camuflar uma realidade interior muito confusa e, acredite, é sinônimo de uma autoestima em frangalhos. Ou seja, a mulher que faz questão de mostrar ao mundo que é uma versão em carne e osso da Mulher Maravilha pode estar passando por uma dor intensa e, mesmo que negue, precisando desesperadamente de ajuda.

"Uma mulher que pensa assim pode passar por muitas dificuldades e sofrer sozinha, quando não precisaria ser dessa forma. Somos seres que vivem em sociedade e precisamos, sim, uns dos outros. Contar com a ajuda das pessoas quando precisamos é algo reconfortante e mostra o quanto temos limites, fragilidades ou falhas. Isso não significa ser menos, mas sim, ser humano", afirma Marina Vasconcellos, psicóloga e terapeuta familiar e de casal de São Paulo (SP).

Na opinião da psicóloga Heloisa Schauff, também da capital paulista, esse comportamento sinaliza uma baixa autoconfiança. "Trata-se de um processo defensivo, porque não existe confiança em si mesma. Então a mulher passa a ser mais centralizadora para ter o controle de tudo ou a alimentar o pensamento de que tem que ser cada vez mais autossuficiente, tendendo a fugir", explica.

A multiplicidade de papéis ocupados pelas mulheres e a cobrança interna que algumas têm de darem o melhor de si em todas as esferas da vida também é outro fator a considerar, pois o tempo todo acreditam que precisam provar que podem tudo sozinhas. Um dos resultados disso é a solidão. "Como as pessoas pensam que a mulher é forte, não oferecem ajuda", fala Heloisa. E, para não decepcionar os outros e não quebrar a imagem fake que ela mesmo criou, acaba sofrendo em dobro por problemas que poderiam ser atenuados se ousasse pedir auxílio.

Segundo Marina, a hiperindependência não passa de uma ilusão, tanto é que no momento em que nascemos já dependemos totalmente dos cuidados maternos. "Não há nada de errado em precisarmos das pessoas. O que não podemos é depender totalmente dos outros em detrimento de nosso crescimento pessoal", ressalta.

O peso de bancar a heroína

Ser independente e autônoma tem a ver com confiança, responsabilidade e autoconhecimento. No entanto, também inclui saber dosar, poder dizer "não" quando não dará conta, assumir uma postura responsável, delegar. "Esse movimento todo é diferente de bancar a heroína, que é algo fantasioso e tem um custo alto: o prejuízo da saúde mental e emocional", fala Heloisa.

Manter uma postura valente e firme diante das dificuldades da vida é importante, claro, porque  problemas, desafios e frustrações sempre vão existir. Porém, é importante, sim, desmoronar de vez em quando. E chorar, sentir raiva, deixar que os sentimentos aflorem e venham à tona. De acordo com Marina Vasconcellos, pessoas que não demonstram sentimentos têm dificuldades para se relacionar e construir vínculos afetivos profundos na vida.

"Quando represamos os sentimentos, eles terão que sair de nós de outra forma. E em geral será através de somatizações e doenças. O corpo fala quando não conseguimos expressar as emoções e sofre muito com isso. As consequências podem ser inúmeras", avisa. "Vulnerabilidade e fraqueza, ao contrário do que muitos pensam, não geram doenças. Elas fazem parte da vida para refletirmos e entender em que ponto temos que fazer diferente. Nessa postura de muita rigidez, há o risco de a mulher se perder de si mesma. Aceitar a fraqueza faz enxergar quando precisamos parar", completa Heloisa.

Se você se identificou com as características da hiperindependência e já tem sentido na pele os efeitos nocivos desse comportamento, comece a mudá-lo passando a se mostrar -- para o mundo e para si mesma -- como é de verdade. Acredite, você vai ter mais equilíbrio para identificar com o que consegue lidar sozinha ou quando o peso é grande demais e é preciso dividi-lo com alguém. Pedir ajuda traz alívio, conforto, nos permite resgatar forças.

"Quando sentir limitação ou impotência, entenda que essas sensações fazem parte da vida. É preciso aceitá-las e não desistir de enfrentá-las", sugere Heloisa. "Podemos ser autônomas e, ao mesmo tempo, precisar da ajuda das pessoas para realizar certas coisas. Isso nada muda nosso valor e nossa independência, apenas é uma constatação de que somos seres que vivem em interação com outros, e precisamos deles para viver", atesta Marina.