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Por que pais e mães ainda resistem em falar sobre sexo com os filhos?

Relutar em falar sobre sexo pode estar relacionado à repressão sexual - Getty Images
Relutar em falar sobre sexo pode estar relacionado à repressão sexual Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

28/09/2018 04h00

Por mais que algumas famílias sejam mais conservadoras e tradicionais, é inegável que vivemos em uma época em que existe mais diálogo entre pais e filhos. Entretanto, essa abertura nem sempre se reflete quando o tema é sexo. Curiosamente, a dificuldade em abordar ou esclarecer dúvidas sobre o assunto acontece até mesmo com pais e mães esclarecidos e bem informados. De acordo com especialistas, superar essa resistência é uma ação fundamental e necessária na educação de crianças e jovens, por conta de vários fatores.

Para romper as barreiras, é preciso entender o que as sustenta. Segundo o educador sexual Ricardo Desidério da Silva, sexólogo do programa “Ver Mais” da TV Record Paraná, A relutância em falar sobre sexo está relacionada, num primeiro momento, à repressão sexual que cada um recebeu ao longo de suas vidas.

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"Muitas pessoas carregam essas marcas, mas, em vez de buscarem se informar e querer se libertar dessas repressões, insistem em dar sequência nelas", afirma. É por isso que, ao ter de lidar com a sexualidade dos filhos, é comum ver pais e mães sofrendo de uma espécie de "amnésia seletiva" a respeito das próprias experiências e dúvidas na mesma idade.

"Entretanto, é sempre bom destacar que alguns pais, por exatamente terem vivenciado essa repressão, procuram dialogar abertamente com os filhos, para que não sofram como eles sofreram por tantos medos, tabus e repressões. São, a meu ver, pais que, acima de tudo, estão possibilitando uma vivência positiva da sexualidade ao filhos", completa o educador.

Já a psicopedagoga Quezia Bombonatto, diretora da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia), diz que a dificuldade de alguns pais e mães de falar sobre sexo deve-se ao fato de que não têm nenhuma base teórica ou modelo para a conversa. "Isso porque, na infância ou na adolescência, provavelmente o assunto também foi negligenciado por seus pais", observa.

Quezia ainda lembra que certas famílias não tocam no assunto porque o jovem ainda não tem um parceiro sexual, então não veem a necessidade. "Só que esse tipo de conversa deve acontecer desde a infância, assim que surgirem as primeiras dúvidas, pois isso permite uma adaptação e a maturação do diálogo conforme os filhos vão crescendo", pondera.

Outro equívoco recorrente é apelar para o silêncio por achar que as crianças e os jovens hoje sabem muito mais sobre sexo do que os adultos. De fato, há uma maior exposição a conteúdos sexuais. E muitos adolescentes, naquela ânsia típica de autoafirmação, sentem que sabem mais sobre o assunto do que os próprios pais. Não é verdade. "O acesso a informações casuais não garante um aprendizado formal frente à sexualidade. E esse argumento acaba por justificar que seria desnecessário falar sobre assunto com os filhos. Não é", conta Ricardo.

E, por último, é preciso admitir que muitos adultos não conseguem lidar com questões da própria sexualidade, por isso tantos ficam apavorados com o conteúdo de fake news sobre a educação sexual nas escolas, por exemplo, e aderem ao efeito manada de compartilhar algo sem sequer comprovar a veracidade. "Como eles falarão abertamente com o filho sobre sexo se sequer dialogam com o par a respeito ou até mesmo nem intimidade têm? São tantos conflitos internos que criticar é sempre mais fácil", aponta o educador sexual.

Medo de incentivar x riscos reais

O receio de que o diálogo em casa seja compreendido como uma espécie de "sinal verde" para o sexo também silencia muitos pais. Na realidade, o resultado é justamente o oposto. De acordo com pesquisas científicas, os jovens que recebem informações completas e verdadeiras em casa tendem a retardar o início da vida sexual. São, ainda, menos suscetíveis a gravidez precoce e à contaminação por IST's (Infecções Sexualmente Transmissíveis).

É válido lembrar que, conforme a criança vai se desenvolvendo e não recebe esclarecimentos básicos, fica vulnerável a uma série de consequências negativas. Elas podem se tornar, por exemplo, vulneráveis ao abuso sexual, uma vez que não receberam dicas sobre como se prevenir ou quando informar aos pais alguma situação esquisita ou constrangedora.

Os pais precisam ter consciência de que os filhos não vão ficar sem informação. "Se elas não são conseguidas em casa, eles entram em ação e podem partir em busca das respostas com os amigos, que também têm poucas informações e acabam deturpando fatos. É um comportamento que cria dúvidas ainda maiores, que poderão acarretar desajustes não só quanto ao seu desempenho nessa área, como também alguns conflitos de relacionamentos", avisa Quezia.

De acordo com Monica Pessanha, psicopedagoga e psicanalista infantil e de adolescentes, de São Paulo (SP), nem sempre a prática da conversa soa positiva. "Para mim, a questão maior não é simplesmente se essas conversas estão acontecendo, mas o que está sendo transmitido através delas. Muitos pais acabam abordando o assunto pelo viés de métodos contraceptivos e em uma única conversa. É uma triste realidade, até porque a educação sexual começa pelo amor e termina no amor. Se os pais conseguirem dialogar sobre sexualidade com seus filhos, estes não se limitarão apenas às sensações corporais, mas sim no valor das outras pessoas, no compartilhar", diz.

Monica explica que quando os adolescentes estão tomando decisões importantes sobre suas vidas, como se querem ou não fazer sexo e em que momento de sua vida o farão, eles realmente querem orientação e estão absolutamente interessados em que seus pais lhes forneçam uma perspectiva. "Falar de sexo é proteger os filhos dos perigos", pondera.

"Quando achar que é o momento para iniciar a prática sexual, o jovem irá iniciar. Por isso é essencial, antes que isso aconteça de forma não planejada e sem quaisquer responsabilidades, que os pais dialoguem, possibilitem a conversa sempre que possível. Só assim ele poderá se sentir acolhido, seguro e responsável pela vivência de sua própria sexualidade", destaca Ricardo Desidério.