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Museu Nacional: incêndio destruiu memória do feminismo brasileiro

Bertha Lutz, pesquisadora do Museu Nacional e uma das líderes do movimento pelo direito ao voto feminino - United States Library of Congress
Bertha Lutz, pesquisadora do Museu Nacional e uma das líderes do movimento pelo direito ao voto feminino Imagem: United States Library of Congress

Camila Brandalise

Da Universa

07/09/2018 04h00

O incêndio no Museu Nacional, no domingo, dia 2 de setembro, destruiu também documentos importantes do feminismo brasileiro deixados pela bióloga Bertha Lutz (1894-1976).

Bertha trabalhou no museu por quase 50 anos e, paralelamente à produção científica - ela era especialista em sapos -, guardou lá uma vasta documentação sobre as mobilizações pelos direitos das mulheres na primeira metade do século 20, principalmente pelo direito ao voto.

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Entre os documentos estavam cartas trocadas com sufragistas de outros países contando a mobilização por aqui e registros de encontros da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), fundada por ela em 1922 para exigir o direito ao voto das mulheres.

Havia também cópias de projetos de leis que ela enviava a parlamentares e recortes de jornais registrando o percurso das feministas da federação desde o ano de 1920.

“A campanha do sufragismo foi longa, começou em 1919 e foi até 1932, quando o direito ao voto foi conquistado. Uma grande parte dos registros disso estava no museu, e agora se perdeu”, afirma Tereza Cristina de Novaes Marques, autora do livro “Bertha Lutz”, publicado pela Livraria da Câmara dos Deputados, e professora de história do Brasil na UnB (Universidade de Brasília).

Outro documento importante era o projeto do livro em comemoração aos 50 anos da federação criada por Bertha. Ela fez anotações sobre a história do grupo e a luta das mulheres nesse tempo. Com medo de perder os papéis, chegou fazer uma gravação sua lendo as anotações. Deixou tudo no Museu Nacional.

Parte de seu acervo pessoal foi enviado também ao Arquivo Nacional, onde está conservado até hoje.

Votar e ser votada

Depois que o direito ao voto foi conquistado, Bertha concorreu a deputada estadual, em 1934. Ficou como primeira suplente do deputado Cândido Pessoa e assumiu em 1936, com a morte dele.

Na Câmara, continuou o trabalho pelos direitos femininos. Atuava muito em favor do aumento de mulheres no mercado de trabalho. Fez um projeto para criação do Departamento Nacional da Mulher, em abril de 1936, para estimular isso.

Trazia ideias inovadoras em um momento que mulheres eram consideradas apenas para profissões tidas como femininas, como professora e secretária. Batia de frente com políticos, deputados e integrantes de ministérios. Nenhum projeto seu foi aprovado.

Legado feminista

Para Hildete Pereira de Melo, professora de economia da UFF (Universidade Federal Fluminense), feminista e consultora da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República desde 2003, Bertha tem um papel crucial na história das mulheres brasileiras ao criar tantas mobilizações pela aprovação do voto feminino. "Era outro momento e outro jeito de se fazer feminismo. Mas, de acordo com as exigências da época, ela foi a grande representante", diz Hildete.

“Passamos a existir como cidadãs quando começamos a votar. Por isso, se me perguntassem qual é a mulher mais influente da história do Brasil, diria que é Bertha.”