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Sônia Guajajara: Quem nunca usou chazinho para abortar ou evitar gravidez?

Sônia Guajajara é candidata a vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos (PSOL) - Carine Wallauer/Arte UOL
Sônia Guajajara é candidata a vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos (PSOL) Imagem: Carine Wallauer/Arte UOL

Luiza Souto

Da Universa

04/09/2018 04h00

A chapa formada por Guilherme Boulos e Sônia Guajajara (ambos do PSOL) é a única a falar abertamente sobre aborto. O presidenciável Boulos já se disse a favor da descriminalização da prática e sua vice, ou "copresidente", como ela quer ser chamada, diz que, se eleita, levará assunto ao Congresso. Nesta entrevista, pontua, com coragem: "Quem nunca fez um chazinho para abortar ou evitar gravidez?".

Sônia, que é professora do Ensino Médio, atuante, há anos, na defesa da demarcação das terras indígenas e não tem nenhuma experiência na política partidária, dá outra declaração importante à Universa: "Nosso partido não tem um pingo de intenção de continuar com o projeto petista". Leia outras:

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As outras quatro vice-presidentes mulheres estão bastante expostas em entrevistas e eventos. A senhora não. Por quê?
É muito tranquilo para o povo que tem tempo na televisão fazer campanha virtual. A nossa é olho no olho, porta a porta, com pé no barro. Tenho ido a lugares distantes, como no Nordeste e na Amazônia, onde só se chega de barco. Ainda sou bem desconhecida para a maioria, mas tenho um trabalho em nível internacional muito grande; fui a encontros internacionais em mais em 20 países, incluindo a Conferência Mundial do Clima (COP), da ONU, entre 2009 e 2017. Ano passado fui ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, levar um relatório feito por mais de 40 organizações da sociedade civil sobre temas como mulher, educação, saúde e sistema carcerário. Duvido que essas outras vices aí tenham história parecida como a minha.

A senhora é a favor do aborto, correto?
Acho que ninguém é a favor do aborto. Defendo que se descriminalize a prática e que o Estado dê condições seguras para quem quer fazer. Isso está longe de dizer que é um incentivo. A prática é uma realidade. Vamos conversar em conjunto com movimento de mulheres para levar a pauta para o Congresso. 

Na sua aldeia, a Lagoa Quieta, na terra indígena Araribóia, no sul do Maranhão, o aborto é uma prática?
Entre nós, indígenas, esse não é um tema amplamente debatido. No meu povo, não há uma posição fechada, mas as mulheres indígenas, milenarmente, se utilizam de ervas e chás; inclusive como algumas brancas. Quem nunca usou um chazinho para abortar ou para evitar gravidez? Eu nunca fiz, mas sei que isso existe. 

O candidato Guilherme Boulos emagreceu, aparece invariavelmente de roupas brancas e sua fala está menos rouca. O que a senhora mudou na sua imagem?
Nada. O partido fez uma pesquisa mostrando fotos minhas para o público com e sem meus adereços indígenas. A pesquisa mostrou que a maior parte dele quer que eu deixe de usá-los; o que eu considero um preconceito. Disseram que, se sou indígena, não preciso ficar usando todas essas cores. Mas não larguei e nem vou largar. Estou nessa disputa por ser indígena. É muito absurdo o jeito com que as pessoas nos tratam, como se fôssemos de outro planeta.

Com essas mudanças físicas, Boulos quis se diferenciar de Lula?
Não. Eles têm uma relação de amizade e ela não atrapalha em nada o PSOL. Mas o nosso partido não tem um pingo de intenção de continuar com o projeto petista. Não concordamos principalmente com o modelo desenvolvimentista deles, com as grandes obras sem consulta aos povos e com as alianças com a direita.

A senhora não tem experiência em política partidária. Por que os eleitores devem acreditar que faria um bom governo? 
Porque nossa vida, minha e do Guilherme, é pautada na luta pela igualdade social. Isso é política. Claro que a população não vai apostar de imediato. Fiquei seis anos na coordenação executiva da COAPIMA (Organizações e Articulações do Povos Indígenas do Maranhão) discutindo políticas públicas sobre saúde, educação e trabalho, e mais quatro anos na Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) antes de chegar na Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), de onde estou licenciada.  

De que forma uma vice-presidente pode atuar em decisões voltadas para mulheres?
Formamos um grupo de trabalho exclusivamente para tratar desses temas. No nosso plano de governo mostramos que vamos separar 1% do PIB do país para a implementação de políticas para mulheres, por exemplo, fortalecendo os centros de referência em atendimento e ampliando as delegacias especializadas.

Houve alguma parcela de machismo em não colocá-la como candidata à presidência, e “apenas” como vice?
Fui sondada pelo partido para ser candidata a presidente, mas ainda não me sentia confortável. Nosso caso é o de uma aliança pensada e construída. Usamos o termo copresidente, e não vice-presidente. Ele quebra essa ideia de submissão.

Quais são os pontos positivos e negativos das outras quatro candidatas à vice-presidência, Manuela D'Ávila (PCdoB), Ana Amélia (PP), Kátia Abreu (PDT) e Suelene Nascimento (Patriota)?
A Kátia Abreu é a rainha do agronegócio e venho exatamente combater esse setor. Já dei um prêmio fictício para ela, “A Motosserra de Ouro”, em 2010, por tudo que ela faz em defesa da destruição do meio ambiente. Ana Amélia é ruralista, conservadora e cai totalmente em contradição quando faz um discurso combativo à corrupção, mas está num partido que tem o maior número de investigados na Lava-Jato. A Manuela é lutadora. Precisa aprimorar as leituras sobre a agenda socioambiental, mas tem meu respeito. Não conheço a Suelene.

O setor ambiental parece estar dividido entre a candidata à presidência Marina Silva (Rede) e a chapa do PSOL. Por que deveriam votar em vocês?
A Marina foi a voz do meio ambiente por muito tempo e continua levantando a bandeira, mas no momento em que ela faz aliança com Aécio Neves (PSDB), mostra que também está no lado do agronegócio. Sempre fui muito combativa contra esse modelo, que desmata. Não tenho dúvidas de que nosso programa é o que mais se adequa à realidade de hoje. Fazer a reforma agrária, promover a demarcação de terras indígena e estabelecer tetos para a propriedade privada é um caminho para democratizar o uso da terra.