Topo

Ser tatuadora é coisa de menina, sim!

Talyta Vespa

Da Universa

04/08/2018 04h00

Elas são talentosas, poderosas, cheias de estilo e dominam a arte das tattoos. De traços finos a grossos, do desenho delicado ao realismo, as garotas no universo da tatuagem enfrentaram diversas formas de machismo até abrirem os próprios estúdios. E hoje, quem manda são elas!

“Tenho três estúdios e dois deles são só de mulheres”

Samantha exercendo seu ofício: hoje ela tem três estúdios - Amanda Perobelli/ Uol - Amanda Perobelli/ Uol
Samantha exercendo seu ofício: hoje ela tem três estúdios
Imagem: Amanda Perobelli/ Uol

Ao perceber que tatuadoras aprendizes não conseguiam crescer na profissão por falta de espaço, a paulistana Samantha Sam, de 26 anos, decidiu que o casting para o estúdio que abriria, em 2012, seria apenas feminino. Em parceria com o dono do espaço onde tatuava, fundou o primeiro Sampa Tattoo, na Rua Augusta, em São Paulo, e levou cinco mulheres com ela. 

Veja também

“Participava de um grupo nas redes sociais só de mulheres tatuadoras. As reclamações eram sempre as mesmas, a falta de oportunidade. Elas passavam pelo aprendizado, mas só conseguiam tatuar em casa ou indo até a casa do cliente. Os estúdios não davam espaço”, afirma.

“A gente até atende homens, mas nosso público é 70% feminino. Rola uma vontade por parte das minas de apoiar outras mulheres. Por isso, não pretendo mudar o estilo de estúdio contratando tatuadores homens, funcionamos muito bem assim. Apoiamos, ajudamos e somos amigas umas das outras”.

O sucesso do Sampa Tattoo foi tanto que Samantha abriu mais um estúdio, o Hostel Tattoo, onde convida tatuadores para tatuarem periodicamente. Além disso, abriu uma escola só para mulheres. “As melhores alunas da temporada são convidadas para trabalhar no Sampa por um período”.

Só tem mulher de perna peluda

A tatuadora Dafne Christinne, de 27 anos, trabalha no Sampa e é professora da escola de tatuadoras. Apesar de ser reconhecida no meio, ainda tem contato com os machismos do dia a dia. “Já ouvi de um colega que aqui só tem mulher de perna peluda. Ele está certo. Estou cuidando da minha carreira, não tenho tempo de depilar a perna", ri.

Nem parece que foi uma mulher que fez

Com agenda lotada, Samantha garante que, hoje, o machismo não entra no estúdio. “A gente já passou por muita coisa, mas, agora, somos nós quem ditamos as regras. Quando eu trabalhava em outro espaço, tatuei um cliente que, quando viu o resultado, não se segurou e disse: ‘Ficou muito foda, nem parece que foi uma mulher que fez’. Na hora, eu não sabia se chorava, se gritava com ele ou se fingia que nada tinha acontecido. Perdi o chão”, conta.

“O machismo vinha inclusive de colegas. Quando comecei a tatuar, um deles disse que meu lugar era limpando o chão. Depois que abri o Sampa e o Hostel, ele me pediu emprego. Pena que não tinha vaga”, se diverte.

Para a caçula da turma, Marina, o cenário tem melhorado. “Eu fico feliz em saber que nunca passei por situações como essas. Tenho 24 anos e, desde que comecei a tatuar, sempre fui muito valorizada tanto pelos clientes como pelos colegas. Estamos conquistando nosso espaço e isso só vai crescer”, afirma. 

Um ano e meio de espera para fazer tattoo

Tatiana Alves tatua Viviane Garcia no Blush Tattoo, estudio de tatuagem em Santos - Amanda Perobelli/UOL - Amanda Perobelli/UOL
Tatiana Alves tatua Viviane Garcia no Blush Tattoo, estudio de tatuagem em Santos
Imagem: Amanda Perobelli/UOL

O sucesso do Blush Tattoo foi tanto que mexeu com todos os planos da tatuadora Tatiana Alves, de 36 anos. Ela abriu o estúdio em setembro de 2017, com o intuito de facilitar a aprovação do visto americano. No entanto, a demanda por parte dos clientes foi tão grande que ela decidiu investir. O estúdio é feito só de mulheres, só para mulheres. “E para alguns homens que surgem meio perdidos”, brinca Tatiana. Para tatuar com ela aos sábados, é preciso esperar um ano e meio.

O estilo clean do Blush atrai, inclusive, pessoas que não gostam muito de tatuagem. “A gente tira aquela imagem obscura das tattoos, por isso, atraímos os mais diversos perfis de mulheres”. O rosa das paredes combina com o azul do mar que dá para ver da sacada da sala, que fica no 23º andar em uma das principais avenidas de Santos, no litoral paulista.

Apoio da mãe foi determinante

“Tatuei sozinha por dez anos. Era eu quem fazia tudo, desde limpar o banheiro até agendar as tatuagens com os clientes. No ano passado, expandi o estúdio e contratei duas tatuadoras e uma especialista em micropigmentação. Minha vida virou de cabeça para baixo. Decidi que, em vez de abandonar as coisas por aqui, abriria uma unidade do Blush em Miami. Pretendo passar breves períodos lá, outros aqui”, afirma.

Tatiana contratou Julia Oliveira, sua principal concorrente, e Cláudia Christol. O estúdio é conhecido pelos desenhos delicados. “Meu público é quase 100% feminino. Se atendo seis homens por ano, é muito. E eu prefiro assim. Me sinto mais à vontade com  mulheres. A gente conversa, se abre... Quando chega homem, fico mais retraída”, ri.

Tatiana trabalhou no cabeleireiro da mãe desde a infância até os 20 anos. Teve seu primeiro contato com tatuagem quando fez um curso de micropigmentação para atrair mais clientes para o salão. Dito e feito. “Bombou tanto que precisei abrir meu próprio estúdio de micro. Minha mãe, que odeia tatuagem, insistia para que eu me tornasse tatuadora. Resolvi testar em uma amiga e pensei: ‘É isso que quero para mim’. Lugar de mulher é na tatuagem e onde mais elas quiserem que seja”, diz.

Tatiana Alves, proprietaria do Blush Tattoo, estúdio de tatuagem em Santos - Amanda Perobelli/UOL - Amanda Perobelli/UOL
Tatiana Alves, proprietaria do Blush Tattoo, estúdio de tatuagem em Santos
Imagem: Amanda Perobelli/UOL

Tattoo e empreendedorismo

Luiza Peccin e Helena Obersteiner, de 24 e 25 anos, abriram o Voltz Tattoo há duas semanas. Com pouco dinheiro guardado e uma bagagem de sete anos tatuando, a jovem procurou a antiga colega de faculdade, que tatuava desenhos livres há um ano.Alugamos a sala, reformamos tudo, compramos móveis e estamos aqui”, conta Helena, que já empreendia uma marca de roupas independente.

Helena Obersteiner e Luiza Peccini, tatuadoras no Voltz Tattoo, estúdio de tatuagem do qual são sócias em São Paulo - Amanda Perobelli/UOL - Amanda Perobelli/UOL
Imagem: Amanda Perobelli/UOL

Foram R$ 13 mil de investimento, além do aluguel, que custa R$ 1.500, mais condomínio. A dupla juntou as economias e contou com a ajuda da família. “Minha mãe deu o sofá e a madrasta da Luiza, a impressora. Ajudaram com um pouco de dinheiro também”, conta. 

Estava em dúvida entre fazer medicina e tatuar

Segundo Luiza, foi a mãe dela que a incentivou a ser tatuadora. “Em 2012, eu ainda estava no Ensino Médio e estava na dúvida se queria tatuar ou fazer medicina”, ri. “Quem desempatou foi minha mãe, que sabia que eu seria mais feliz tatuando. O apoio dela foi fundamental para que eu chegasse até aqui”, afirma.

A tatuadora garante que, há seis anos, ter mulher no universo das tattoos era uma realidade gringa. “Eu trabalhava em um estúdio grande e era a única mulher. Mesmo bem relacionada, não conhecia mais de cinco tatuadoras. Era um universo masculino e foi bastante sofrido ter que provar a minha capacidade o tempo todo”, conta Luiza. “Minha sorte é que meu chefe me defendia e respeitava. Quando um cliente se recusava a tatuar comigo, ele dizia que se não fosse comigo, não tatuaria com ninguém. Muitos já foram embora, mas alguns me deram uma chance. O problema é que, para isso, era necessário que um homem o assegurasse que meu trabalho era bom”.

Helena Obersteiner, mostra tatuagem pronta de Luka Brandi no Voltz Tattoo - Amanda Perobelli/UOL - Amanda Perobelli/UOL
Helena Obersteiner, mostra tatuagem pronta de Luka Brandi no Voltz Tattoo
Imagem: Amanda Perobelli/UOL

Helena já sofreu um ataque de homens tatuadores. “Seis homens divulgaram meu trabalho nas redes sociais e criticaram, dizendo que aquilo era rabisco e que eu não tinha técnica”, diz a jovem. “Por sorte, centenas de seguidores meus entraram nas publicações para defender meu trabalho. Fácil não é, mas a gente cresce a cada dia. E é assim que mostramos nossa força”, conta.

Apesar de tatuar um público majoritariamente feminino, os clientes da dupla na noite em que Universa esteve no estúdio eram dois homens. “A gente também atende homem, mas sabemos que as minas se sentem muito mais à vontade tatuando com mulher. Muitas se sentem mais seguras e à vontade”, explica Luiza.

No primeiro sábado em que atendeu ainda em soft opening, a dupla faturou R$ 1.150. Enquanto tatuava em casa, o faturamento de Helena variava entre R$ 3 e R$ 4 mil por mês. A ideia é triplicar o valor. “É bom demais poder trabalhar com o que amo. Viver isso é a realização de um sonho”.