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Banqueira aos 24, ela empresta milhões a comunidades carentes

Banqueira aos 24 anos, fundadora do Banco Pérola empresta milhões a empreendedores de comunidades carentes  - Mariana Romani
Banqueira aos 24 anos, fundadora do Banco Pérola empresta milhões a empreendedores de comunidades carentes Imagem: Mariana Romani

Léo Marques

Colaboração para Universa

27/07/2018 04h01

"Um livro, uma caneta, uma criança e um professor podem mudar o mundo", já dizia a ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, Malala Yousafzai. Foi exatamente o primeiro item que inspirou Alessandra França a mudar a realidade de milhares de micro e pequenos empreendedores de regiões carentes de Sorocaba, interior de São Paulo.

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Aos 16 anos, ela leu "O Banqueiro dos Pobres", que conta a trajetória do economista bengalês Muhammad Yunus. Ele é conhecido como pai do microcrédito, fundador do Grameen Bank e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006. "O que mais me inspirou nele foi o fato de fazer muito com pouco recurso, e ajudar as pessoas a melhorarem de vida", revela.

Foi quando tinha 24 anos, depois de ganhar um prêmio de uma ONG (Organização Não Governamental) voltada à disseminação e ao fomento de negócios de impacto social, que ela fundou o Banco Pérola. A instituição já emprestou mais de R$ 8 milhões desde a sua abertura, em 2010.

"Sou fruto do trabalho social"

Filha de um caminhoneiro com uma costureira, Alessandra nasceu em Guaraniaçu, no interior do Paraná. Quando ainda era criança, viu a família, então humildes agricultores, perder tudo depois de um longo período de seca. Diante das dificuldades, seus pais decidiram partir para a cidade grande em busca de oportunidades. Foram parar na periferia de Sorocaba, município com mais de 600 mil habitantes e a quase 100 km da capital paulista.

Apesar de não ter experiência no setor, Alessandra não se intimidou e aos 24 anos, já formada em marketing e com MBA em gestão de pessoas, inaugurou o Banco Pérola - Divulgação - Divulgação
Apesar de não ter experiência no setor, Alessandra não se intimidou e aos 24 anos, já formada em marketing e com MBA em gestão de pessoas, inaugurou o Banco Pérola
Imagem: Divulgação

A sorte de Alessandra começou a mudar aos 15 anos, quando ela passou a fazer parte do Projeto Pérola, uma ONG de Sorocaba voltada a inclusão digital e difusão da cidadania nas comunidades. Nos sete anos em que esteve envolvida com a entidade, ela passou de jovem atendida pela instituição a coordenadora em quatro anos. Nessa trajetória, sua dedicação e desempenho lhe renderam bolsa de estudos em colégio particular e convite para ser educadora da ONG antes de assumir a coordenadoria. "Foi vivendo esse processo que percebi a importância de estimular a autonomia e o protagonismo do público jovem. Sou fruto do trabalho social", conta orgulhosa.

A experiência no Pérola levou Alessandra a pensar numa escola de talentos para jovens que pudesse complementar o processo de desenvolvimento oferecido pela ONG. "Percebi que esse público tinha dois desafios permanentes: estabilidade financeira e formação do jovem como agente de mudança da comunidade. Por isso, passei a buscar ambientes que me dessem ferramentas que pudessem tirar essa ideia do papel. Foi nesse processo que conheci a Artemisia, aceleradora de negócios sociais", diz.

Acredito que somos um novo modelo de capitalismo, um capitalismo social

Mesmo sem um modelo de negócio rentável, a entidade decidiu selecioná-la pelo seu perfil empreendedor. Nos primeiros meses de formação na Artemisia, Alessandra passou por um processo intenso de autoconhecimento e resgate de sua história de vida. Foi depois desse período que ela e os outros participantes foram convidados a desconstruir seus projetos inicialmente inscritos.

"Durante o processo de desconstrução da escola de talentos, tive a ideia de direcionar minha proposta de solução social para algo que me encantara em 2002. Decidi, então, montar uma microfinanciadora que teria jovens pobres das classes C, D e E como clientes", relembra.

Mudanças de rumo para se manter firme em seu propósito

Apesar de não ter experiência no setor, Alessandra não se intimidou e, aos 24 anos, já formada em marketing e com MBA em gestão de pessoas, inaugurou o Banco Pérola. A pouca idade na época e o fato de ser mulher trouxeram algumas dificuldades. "Não tem sido fácil até hoje, mas me manter firme em um local em que muitos não acreditam e muitas vezes acham que não é para mim, se tornou também um propósito", afirma.

O dinheiro para dar início ao negócio veio do prêmio que recebeu da Artemisia: R$ 40 mil. A partir daí, ela começou a correr atrás de parceiros para contribuir com a ideia. Grande parte dos recursos nesse começo veio de prêmios que a organização e a própria Alessandra receberam. "Depois de três anos, percebi que esse modelo de negócio se mostrava cada vez mais limitado. Ficou claro que para manter a estrutura sustentável era preciso encontrar uma ferramenta de mercado", conta.

Alessandra queria emprestar mais, chegar a mais empreendedores. Foi então que em 2014 ela decidiu criar o Pérola FIDC (Fundo de Investimentos em Direitos Creditório). Essa ação permitiu que pessoas físicas e jurídicas interessadas em aplicações financeiras rentáveis, mas também em incentivar o empreendedorismo e crédito orientado, colocassem dinheiro na instituição. Isso permitiu em três anos triplicar o valor disponível para empréstimos, passando de cerca de R$ 2 milhões entre 2010 e 2013 para mais de R$ 6 milhões entre 2013 e 2016. Só em 2017 foram emprestados mais de R$ 1,2 milhão.

Um novo modelo de capitalismo

Atualmente com 32 anos e uma nova especialização em finanças bancárias, Alessandra comanda uma instituição que já ajudou empreendedores de várias vertentes a transformarem seus negócios, principalmente aqueles ligados ao comércio, como lojas de roupa e salões de beleza, por exemplo. Ela não enquadra seu banco exatamente como uma ONG, mas uma operadora de crédito sem fins lucrativos. "Acredito que somos um novo modelo de capitalismo, um capitalismo social", diz.

Apesar disso, Alessandra conseguiu mudar a própria realidade, também. Ela conquistou muitos prêmios com o projeto e esses prêmios renderam milhões, que ela reinvestiu no banco, mas, também, nela. "Tenho minha casa, em um bairro bom de Sorocaba, meu carro, fiz dois MBA (gestão de pessoas e finanças com foco em banking) e já conheci mais de 12 países".

Além de permitir crédito a quem muitas vezes tem empréstimos negados em grandes instituições financeiras, o Banco Pérola oferece ainda uma espécie de orientação para que o pequeno empreendedor possa gerir melhor o seu negócio. "Chamamos de microcrédito produtivo orientado. A partir do momento que o cliente recebe o crédito, ele tem mais contato com a equipe e, com isso, passamos a auxiliá-los em eventuais dificuldades", explica.

Mesmo diante de grandes desafios enfrentados ao longo de quase uma década, Alessandra prefere focar nas lições. "A principal que tiro desses oito anos é que junto com um trabalho sério, comprometido e eficaz não dá para descartar os valores humanos, a esperança e o propósito. Todas as vezes que me distanciei do meu propósito parece que a vontade e a força que fazem a diferença em tudo, se enfraqueceu. Para alguns pode parecer romantismo ou papo de sonhador, mas o propósito em ajudar os jovens carentes é o que me move", finaliza.