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O STF pode descriminalizar o aborto no mês que vem?

Mulher pede legalização do aborto em manifestação em São Paulo - Gabriela Dibella/ UOL
Mulher pede legalização do aborto em manifestação em São Paulo Imagem: Gabriela Dibella/ UOL

Helena Bertho

da Universa

18/07/2018 04h01

A descriminalização do aborto será tema de uma audiência pública do Supremo Tribunal Federal nos dias 3 e 6 de agosto e tem gerado grande movimentação nos grupos pró e contra o aborto. A audiência é parte do processo que julga uma ação que pede a exclusão do Código Penal dos artigos que definem como crime a interrupção da gravidez, tanto para a mulher, quanto para quem a ajuda a abortar.

No final de semana da audiência, grupos de mulheres estão organizando um festival em Brasília para chamar mais atenção para o evento. Mas qual é, realmente, a importância dessa audiência? O aborto pode ser descriminalizado em agosto? Universa conversou com especialistas em Direito Público e Constitucional para esclarecer pontos importantes. 

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Ação pede fim da criminalização do aborto

O que deu início a toda essa movimentação foi uma ação encaminhada pelo PSOL ao Supremo Tribunal Federal. Essa ação é nomeada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442. Ela pede que sejam excluídos do Código Penal Brasileiro os artigos 124 e 126, que criminalizam a mulher que realiza aborto e quem a ajuda. "Então a argumentação é que a nossa Constituição assegura a mulher o direito sobre o próprio corpo, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, que está disposto no nosso texto constitucional", diz a advogada Adriana Cecílio, da Rede Feminista de Juristas. 

"Se o Supremo afastar a incidência desses artigos, a mulheres que praticam aborto não serão presas", explica a advogada Fabiana Severi, professora do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP)

A professora ressalta o fato de o Código Penal ser de 1940, anterior à Constituição, que é de 1988; o que significa que ele pode ser revisado para se adequar à Carta. 

Descriminalização não vai ser votada em agosto

A audiência se presta exclusivamente como um lugar para debates e apresentação de ideias a favor e contrárias à descriminalização. Nada será votado nessa ocasião. 

"É um evento dentro do processo que está em curso. No geral, as audiências públicas são solicitadas pelo STF quando o assunto é muito complexo e foge, em certa medida, da alçada de formação dos membros da Corte", explica Fabiana Severi.

Especialistas de áreas ligadas ao aborto, a favor e contra a ação, convidados formalmente pelo STF, serão ouvidos, de maneira que os ministros possam embasar sua decisão futura. Nos dois dias previstos, representantes de ONGs, grupos de direitos humanos, religiosos, partidos políticos e médicos apresentarão seus argumentos.

Além dessas falas, o Supremo também tem recebido o que o direito chama de "amicus  curiae", argumentações por escrito de outros grupos especializados, que não estarão na audiência; caso da International Women´s Health, entidade de saúde feminina ligada a ONU e que se coloca a favor da liberação. 

"Esse momento é importante porque a o debate serve não apenas ao STF, mas para toda a sociedade", analisa a professora. 

Depois da audiência, o que acontece? 

O STF agendará audiências de votação para decidir se os dois artigos do Código Penal são ou não constitucionais. O processo pode levar meses e até anos. "A escolha de quando será votado depende do Presidente do Supremo que é a pessoa que decide qual processo será pautado para votação", explica Gabriela Biazi, mestranda em direito constitucional pela Universidade de São Paulo. 

"O Supremo tem a palavra final. Esse mesmo caminho, o de decidir judicialmente a descriminalização do aborto, foi traçado na Alemanha, por exemplo", diz Fabiana Severi. O outro caminho seria pela via legislativa, o que acontece nesse momento, na Argentina. A descriminalização já passou na Câmara dos Deputados e, no próximo mês, será votada no Senado. 

Especialistas garantem que a liberação possibilita a criação de políticas públicas de saúde e de assistência social que ajudem na prevenção do aborto.

Na prática, o que muda se o STF descriminalizar o aborto?

O aborto, em até 12 semanas da gravidez, deixa de ser crime no momento da decisão. Nenhuma mulher será indiciada criminalmente se decidir interromper a gestação. A advogada Tainã Góis, da Rede Feminista de Juristas, explica que descriminalizar, no entanto, não é o mesmo que legalizar. "A legalização acontece quando há a criação de uma política de Estado, que garanta equipamentos públicos que realizem esse serviço. O STF pode descriminalizar o aborto, mas não legalizar", afirma.

Para que políticas públicas - tanto para prevenção do aborto, quanto para realização do procedimento na rede pública - existam, elas precisarão ser criadas pelo Legislativo -- Câmara e Senado -- através de uma lei, ou pelo poder Executivo -- por meio de programas do Ministério da Saúde ou de medidas provisórias, por exemplo.

A defensora pública do Estado de São Paulo, Ana Rita Souza Prata destaca que já existe uma política pública para aborto; ela necessita, no entanto, de ampliação. "O aborto legal para os casos permitidos em lei já é praticado. Seria necessária a expedição de normas técnicas para referências de como os equipamentos de saúde iriam proceder nos novos casos contemplados pela lei".

E se o Supremo não descriminalizar?  

Os artigos do Código Penal continuam valendo e o aborto segue sendo crime. Outras ações podem ser movidas, no entanto, para que sejam analisadas pelo STF, elas precisam propor novos questionamentos.

Um outro caminho possível é a criação e a aprovação de uma lei pelo Congresso Nacional. Esse é um cenário que dependeria exclusivamente dos políticos - na sua maioria, homens - e que não contaria com a participação direta da sociedade civil. 

Decisões como essa já foram tomadas pelo Supremo?

Sim. Em 2012, o tribunal liberou a interrupção da gravidez em caso de anencefalia do feto. A ADPF 54 foi proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, e julgada oito anos depois.