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Depressão pós-parto não é óbvia para todas as mulheres: veja relatos

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Beatriz Santos e Marina Oliveira

Colaboração para Universa

08/07/2018 04h00

Nem sempre a chegada do bebê resulta em uma mãe feliz da vida, sorrindo em meio a fraldas, roupinhas e bichos de pelúcia. Algumas mulheres, nesse mesmo contexto, sentem uma mistura de sensações ruins, que resulta em uma infelicidade difícil de explicar e agravada com o decorrer do tempo. Estamos falando de depressão pós-parto, uma doença que nem sempre é notada e precisa de tratamento. Leia os depoimentos abaixo:

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"Eu ouvia vozes me dizendo que morreria"

"Eu descobri a depressão quando minha filha estava com três meses, depois do Dia das Mães. Eu entrei numa espécie de transe, achava que ia morrer. Eu ouvia vozes me dizendo que morreria. Foi um surto psicótico. Fiquei quatro dias internada em um hospital especializado em transtornos mentais. Eu sentia uma angústia muito grande, um transtorno de variações bruscas de humor. A minha psiquiatra disse que meu quadro é totalmente vinculado ao pós-parto, a depressão severa resultou na bipolaridade e psicose. Mas eu não tive repulsa a minha filha, pelo contrário, era superprotetora. Inclusive. Fiquei muito chateada com a internação, porque teria de parar de amamentar. Foi muito importante contar com todos da minha família buscando alternativas para mim, conforme eles viam como eu estava me sentindo, procuravam mais ajuda. Pedir auxílio é muito importante." Tatiane Silva da Conceição Vergueiro, 36, jornalista. Mãe de Aline, de 5 meses.

"A minha depressão teve a ver com a falta de rotina"

"'Mas ele é o bem mais precioso da sua vida... Você tem que cuidar dele... Você tem que estar feliz, porque seu filho tem saúde...', me diziam. Mas 'ter que' é diferente de 'der vontade de'. Eu não tinha vontade de cuidar, por me achar incapaz. Então, eu só chorava. A minha depressão teve a ver com a falta de rotina, além do fato de ter sido 'abandonada' pelos amigos. Eu não saía mais para jantar, não ia ao shopping, não ia ao salão me cuidar. A minha rotina era a rotina da Valentina e eu me sentia muito presa. Eu tinha medo de sair com ela na rua e ela chorar e incomodar os outros, de dar show, dar escândalo, de eu não dar conta... Tinha uma cobrança muito grande de mim mesma. Eu não me sentia confortável e segura estando sozinha com ela. Quando ela tinha sete meses, mudei de país. Fui para Madri, porque meu marido recebeu uma oferta de trabalho. E a DPP intensificou. Eu tinha ainda mais medo de ficar sozinha com a minha filha e não conseguir atender as necessidades dela. Eu ainda tomo antidepressivo e faço terapia semanalmente. Felizmente, comecei a trabalhar e tenho uma rotina, o que me ajuda muito. Em breve, a medicação será reduzida." Natália Elias, 34, gerente comercial. Mãe de Valentina, 1 ano e 7 meses.

"Vomitei, minhas pernas tremiam e sentia medo de morrer"

"Eu descobri ao voltar para casa, após o parto. Foi muito rápido para desencadear. Cheguei com a minha filha na sexta e no sábado voltei à maternidade, porque estava muito mal: vomitei, minhas pernas tremiam, sentia medo, insegurança e medo de morrer. Não era a mesma Isabelle de um dia anterior. Eu sentia uma queimação no peito, além de insônia e angústia. Eu estava morando na casa dos pais do meu namorado e eles diziam que eram demônios grudados em mim. Mas a minha mãe sabia que era algo mental. Voltei ao hospital e a médica passou antidepressivo, parei de amamentar no mesmo dia, comprei fórmula para a minha filha. Quando ela fez dois meses, eu comecei a fazer terapia com uma psicóloga. Foi a pior experiência da minha vida, achei que estava enlouquecendo. Sentia medo de tudo, principalmente de ficar sozinha com ela. Eu a via como uma pessoa estranha, como não se não fosse minha filha. E por acreditar que não era minha, não queria cuidar. Até pensei em dar ela para alguém, mas aí vinha a culpa. Ainda estou fazendo terapia e tomando remédio tarja preta controlado. Não estou 100%, mas já amo muito minha filha." Isabelle de Godoy Ferreira, 18, manicure. Mãe de Ana Gabriela, 3 meses.

"Foram dois meses sofrendo até procurar ajuda, por sugestão do meu marido"

"Alguns dias após o nascimento da Heloísa, eu comecei a sentir uma melancolia muito estranha. De alguma forma, eu não me sentia feliz com aquela situação, no entanto, pensei que fosse por conta da nova rotina. Achei que o sentimento iria embora com o passar dos dias, mas a verdade é que ele ficou mais difícil de suportar a cada dia. Eu tinha crises de choro e ataques de pânico quando ficava sozinha com ela. Foram dois meses sofrendo até procurar ajuda, por sugestão do meu marido. Passei por uma consulta com um psicólogo e um psiquiatra. Ambos me diagnosticaram com a depressão pós-parto. Eu já suspeitava, mas estava relutante em aceitar. Não é moleza assumir para si mesma que está infeliz com aquele momento tão almejado por boa parte das mulheres. Toda vez que eu olhava para a minha filha o meu mundo desabava. Eu me sentia uma péssima mãe para um ser tão inocente e puro. Era o fim para mim. Só consegui melhorar com tratamento medicamentoso. Minha recuperação é visível, mas ainda tenho quatro meses de tratamento pela frente. Já me sinto conectada com a minha filha, contudo." Aline Rodrigues Paiva, 24, redatora. Mãe de Heloísa, 4 meses.

"A dificuldade me fazia só querer dormir e só querer que ela ficasse dormindo"

"Eu só percebi que estava depressiva quando eu fui levar minha bebê no pediatra dela. Era o retorno após ela ter tido icterícia. Entrei na sala para falar sobre isso, mas quando me dei conta já estava chorando, desesperada, pedindo que ele me ajudasse a ter mais leite. Até então, achava que depressão era doença de rico, que pobre não tinha isso, não. A minha depressão teve a ver com a amamentação, eu tinha dificuldade de amamentar a minha filha. Mas logo que ela nasceu, percebi algo errado, porque eu não tive sentimento algum por ela, inclusive, achei ela bem feia. Pensei, 'nasceu, agora tem que cuidar'. Eu sabia que eu tinha que cuidar dela, mas eu não queria, achava tudo muito difícil. A dificuldade me fazia só querer dormir e só querer que ela ficasse dormindo. Só que por eu não acordar ela para comer, ela perdeu peso. Foi quando o pediatra me deu bronca e eu procurei um psicólogo. Levei um ano para me recuperar e, nesse período, me tornei feminista. Acredito que, em muitos casos, a depressão pós-parto é desencadeada por toda essa cobrança que colocam sobre as mães. A gente não percebe, mas pode entrar em um processo muito destrutivo". Nerie Bento da Silva, 33, assessora de imprensa. Mãe de Maria Luiza, 6 anos.

Palavra da especialista

A ginecologista e obstetra especialista em reprodução humana, Renata de Camargo Menezes, explica que não é possível apontar uma causa para a depressão pós-parto, mas existem fatores de risco.

"Na categoria psicossocial há, por exemplo, a gravidez indesejada, depressão anterior, ausência de suporte social e problemas conjugais. Há também fatores biológicos, como a deficiência de algumas vitaminas que são indispensáveis na comunicação celular, como as vitaminas B12 e D6, além de zinco, ferro, ácido fólico e selênio", explica.

Já os sintomas mais comuns são tristeza, irritabilidade, perda de interesse pelas atividades rotineiras, sentimento de culpa, insônia, falta de fome, dificuldade para cuidar do bebê e dificuldade de estabelecer vínculo com bebê.

"Via de regra, uma paciente com depressão pós-parto vai diminuir os cuidados consigo mesma, aumentar as horas de sono, mostrar desinteresse no cuidado com bebê e vai chorar bastante", explica.

E, diferente do baby blues, que é um período melancólico após o parto, a depressão não melhora com o tempo, apenas se agrava. "A depressão, inclusive, pode aparecer tardiamente, até 3 meses após o parto", diz a ginecologista.

O tratamento vai envolver medicamentos, sessões de psicoterapia, adoção de atividade física e, em alguns casos, reposição hormonal e de vitaminas.