Topo

"Perdi a mama aos 24 anos, mas o câncer me ensinou muitas lições"

Amanda Serra

Da Universa

19/06/2018 04h00

A paraibana Cíntia Caroline, 26, tinha 24 anos e estava no último ano de direito na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) quando descobriu um câncer na mama direita. Agressivo, o tumor precisava ser retirado com urgência, mas, por conta do tamanho, a jovem precisaria se submeter a quimioterapia e radioterapia. Em seis meses, ela perdeu o cabelo, iniciou o tratamento e retirou o seio. 

"Sempre tive muitos tabus relacionados ao meu corpo, principalmente, em relação aos meus seios. Eles eram pequenos e isso impedia que eu me sentisse mulher. Desde os 13 anos dizia que colocaria silicone. Em 2013, quando coloquei as próteses, me tornei outra pessoa, superconfiante, feliz... tudo por conta dos seios", conta ela para Universa.

Veja também

No entanto, quatro anos depois, a jovem descobriu o tumor em estágio avançado. "Foi como um grande tapa na minha cara. Perdi uma das mamas e nunca mais terei aquele seio perfeito que sempre sonhei. Isso fez com que eu passasse para olhar meu corpo de uma outra maneira. Fez eu ver que não sou menos mulher por não ter seios", afirma a jovem, que desde então resolveu compartilhar sua história de superação, assim como fotos de ensaios sensuais com outras mulheres nas redes sociais. Leia o depoimento de Cíntia:

Estresse, má alimentação, pressão profissional e a "sentença de morte"

"Costumava fazer o autoexame em casa para ver se estava tudo bem com as próteses de silicone quando notei um nódulo e fui ao médico. Assim como a maioria das pessoas, recebi a notícia como uma sentença de morte. Tive medo, fiquei triste, aterrorizada. Afinal de contas, o câncer de mama costuma aparecer em mulheres acima dos 40 anos e eu tinha 24.

Já tinha feito exame genético para ver se poderia ter câncer, já que minha família paterna tem histórico, e tinha dado negativo. O médico disse que, provavelmente, o meu surgiu por conta do estilo de vida que eu levava: sedentarismo, má alimentação, estresse.

Tinha um cabelo gigante e, quando ele começou a cair, 12 dias após a primeira sessão de quimio, pedi para o meu irmão e para a minha mãe rasparem. Naquele momento, chorei tudo que não tinha chorado desde a descoberta da doença. Ver minha mãe chorando, sofrendo, me doeu ainda mais. 

O meu câncer é um dos mais agressivos e tive que passar por três etapas do tratamento. A parte difícil, sem dúvida, foi a mastectomia, muito mais do que a quiomio. Logo depois da cirurgia, quando olhei para meu corpo, chorei horrores. Passei 15 dias em choque, sem me reconhecer, odiando tudo aquilo. Foi horrível. 

Sou muito mais do que seios!

Fazer os ensaios sensuais ajudaram Cíntia a ter sua primeira relação sexual depois da retirada da mama - Joana Darc/Divulgação - Joana Darc/Divulgação
Imagem: Joana Darc/Divulgação

Conforme o tempo passou, aprendi que o câncer não é uma sentença de morte, mas, sim, uma sentença de vida. Você desperta para o que realmente importa na vida. Os problemas do dia a dia se tornam pequenos quando você está diante de um câncer. Minha visão mudou acerca da doença e da minha vida como um todo. O câncer serve como uma lupa para enxergar o que precisa ser mudado. Hoje, posso dizer que sou grata ao câncer e por ele ter feito eu enxergar muita coisa boa. Consigo encarar os problemas do cotidiano de uma maneira muito mais fácil.

Durante toda a minha adolescência questionei o fato de ser muito magra, do corpo das minhas colegas desenvolver e o meu não. O fato de não conseguir engordar sempre incomodou também, mas não tanto como a falta de seio. Com a doença, passei a olhar para mim como um todo, tomando cuidado com a alimentação, comecei a praticar exercícios físicos, além de cuidar da parte psicológica, por meio de sessões de terapia. Os cuidados com a mente e corpo de maneira equilibrada foram e são essenciais.

Estou me aceitando e me reconhecendo nesse novo corpo que tenho. A terapia me ajuda a ver que um seio não me descaracteriza como mulher, muito pelo contrário. Perder esse seio é algo muito pequeno diante do que a vida tem para me oferecer. E, mais nova, tinha certeza de que ganhar aqueles seios [colocar as próteses de silicone] significava virar mulher por completo. 

A primeira vez

Os seios sempre foram uma questão para Cíntia até ela perder a mama direita - Thayse Gomes/Divulgação - Thayse Gomes/Divulgação
Imagem: Thayse Gomes/Divulgação

Minha primeira relação sexual depois da retirada da mama ocorreu depois da radioterapia, cerca de seis meses depois. O cara não era meu namorado, mas já ficávamos e fiquei muito à vontade. Meses antes, fiz alguns ensaios fotográficos e as fotos me deram força, autoconfiança para me despir na frente de alguém. Fazer sexo era um dos grandes questionamentos, achava que ninguém iria me querer, tinha medo da reação. Ainda não comecei o processo para reconstituir a mama, mas sei que não será a mesma coisa.

Se não fosse o câncer, continuaria enxergando o meu corpo como um tabu, os problemas como os maiores do mundo e me cobrando, me comparando com os outros. Foi um período curto para mudanças, apenas dois anos, mas profundo. Consegui concluir minha faculdade com dois anos de atraso -- um de greve e outro por conta da doença -- e tenho prestado concurso público. Mas confesso que a rotina de estudos mudou, preciso pegar o jeito novamente.

Mas hoje, sei que a beleza tem a ver com o interior, com as boas atitudes e não com o exterior. E é por meio da minha história que ajudo outras pessoas --inclusive, uma menina do Egito que está com câncer e começou a perder o cabelo. Todos os dias recebo mensagens de pessoas dizendo que sou uma inspiração, que as ajudei a enxergar a doença de outra maneira.

Redes sociais para causas

Compartilhar minha história nas redes sociais é algo que me ajuda muito. Quando iniciei o tratamento, só encontrava na internet coisas muitas tristes, do tipo: 'você vai morrer', ou histórias de pessoas mais velhas. Não encontrava gente jovem para conversar, trocar experiências.

Foi aí que fiz um texto dizendo como gostaria que me tratassem e como estava levando o tratamento. Não queria que as pessoas encarassem com olhar de pena. Tive poucos olhares, mas foram suficientes para me sentir incomodada. Também não queria ouvir sobre morte. Nisso, pessoas da mesma idade, sem filhos, como eu, começaram a compartilhar suas histórias comigo. 

Ainda tenho muito medo de ficar estéril por conta do tratamento. Desde muito nova sonho em ser mãe. Logo depois de ir ao oncologista, fui até um médico especialista em reprodução humana para ver a possibilidade de congelar meus óvulos. Por conta do curto espaço entre a quimioterapia e a cirurgia, não consegui. Mas, para proteger meus ovários, um dos médicos recomendou que eu induzisse uma menopausa. E fiquei sem menstruar por um ano. Acho que deu certo, mas ainda não tem como saber se conseguirei ou não." 

Você também tem uma história para contar? Ela pode aparecer aqui na Universa. Mande um resumo do seu depoimento, nome e telefone para minhahistoria@bol.com.br. Sua identidade só será revelada se você quiser.