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"Adotei uma bebê abandonada no lixo e mudei de país para cuidar dela"

Elisa e sua filha Jéssica, hoje com três anos  - Arquivo pessoal
Elisa e sua filha Jéssica, hoje com três anos Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para Universa

14/06/2018 04h00

Ao voltar de férias, a angolana Elisa Tunguica, 35, teve sua vida transformada ao decidir adotar uma bebê encontrada no lixo, que estava internada no hospital onde ela trabalhava. “Ela foi achada sem roupa e com o corpo cheio de moscas e feridas”. Nesse depoimento, Elisa conta como se tornou mãe da noite para o dia e a mudança para o Brasil para conseguir as cirurgias e o tratamento para a filha, que nasceu sem o pé esquerdo e com deficiência nas mãos.

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“Alguns meninos estavam jogando bola perto de um lixão, nas proximidades do Rio Lucola, na Angola, quando encontraram a Jéssica abandonada. Eles chamaram a polícia e ela foi dada como morta. Pessoas curiosas foram ao local, um homem se aproximou dela e percebeu que ela estava viva. Ele a levou à maternidade onde eu trabalhava como oficial de imigração. O rapaz que a socorreu disse que ela estava sem roupa, com o corpo cheio de moscas, feridas e cheirava mal.

O pediatra que a atendeu calcula que, pelas feridas, ela tenha ficado dois dias no lixo. Ele disse que era um milagre ela estar viva. Ao darem banho nela, no hospital, vários bichinhos saíram do ouvido, do nariz, da boca e das partes íntimas dela. A equipe ficou em choque, ninguém acreditava que ela sobreviveria.

Eu estava de férias no Brasil e retornei à Angola duas semanas depois do ocorrido. Uma enfermeira me perguntou se eu tinha conhecido a ‘nenê Lucola’, que havia sido encontrada no lixo. Como não tinha nome, a Jéssica era identificada desse jeito, por ter sido achada próxima ao rio. 

A Jéssica tinha um olhar triste. Todos os dias eu a visitava, ela não saía da minha cabeça

Eu fui conhecê-la e, quando a vi, ela fixou o olhar em mim. Ela tinha um olhar triste, era como se me pedisse para ficar com ela. Aquilo mexeu comigo, fiquei pensativa. Perguntei à enfermeira se alguma família iria adotá-la. Ela disse que ninguém a queria por causa da deficiência dela. A Jéssica nasceu com malformação congênita. Ela não tinha o pé esquerdo, tinha um problema no pé direito, três dedos da mão direita eram pela metade e grudados, e um dedo da mão esquerda era pela metade.

Todos os dias eu a visitava, ela não saía da minha cabeça. Eu perguntava se já tinha aparecido alguma família, pois minha intenção era ajudar financeiramente, nunca tinha pensado em ficar com ela.

Até que um dia após terminar o expediente, eu encontrei o pediatra dela no corredor do hospital. Ele disse que a menina já estava de alta, mas que não tinha para onde ir. Ela estava desamparada. Eu tomei uma decisão por impulso e falei que iria adotá-la. O hospital providenciou a papelada e eu a levei comigo com dois meses e 15 dias de vida.

Menina  - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

A ficha que eu me tornei mãe só caiu quando eu cheguei em casa e a coloquei na cama. Eu trabalhava com confeitaria em casa e as moças que me ajudavam tomaram um susto ao vê-la, mas me apoiaram. Eu era solteira e cuidava de duas adolescentes.

Improvisei um enxoval de última hora e uma vizinha me ensinou a dar banho, mamadeira e todos os cuidados básicos que um bebê necessita. Escolhi o nome Jéssica porque significa 'abraçada pelo Senhor'. Ela sobreviveu porque Deus a envolveu em seus braços e a protegeu.

Eu me mudei para o Brasil em busca de tratamento. Meu sonho era ver minha filha andando

Passado um tempo, procurei um cirurgião plástico na Angola para me informar sobre a deficiência da Jéssica. Ele disse que ela só poderia operar com sete anos. Fiquei preocupada, pensando em como ela iria andar e ir à escola até essa idade. Tinha medo que ela fosse discriminada.

Vim ao Brasil porque queria ter a opinião de um segundo especialista. O médico falou que poderia operá-la quando ela fizesse um ano e que a cirurgia custaria R$ 30 mil. Eu tinha esse dinheiro guardado para comprar um carro. Juntei mais um pouco, alguns familiares e amigos fizeram doações e, quando a Jéssica completou um ano, viemos ao Brasil. Eu tinha R$ 45 mil.

Quando cheguei aqui, o médico esclareceu que R$ 30 mil era só o valor que eu pagaria a ele. Somando todos os gastos com hospital, equipamentos, cirurgia, tratamento e prótese, eu teria de desembolsar R$ 170 mil. Entrei em desespero. Meu sonho era ver minha filha andando e independente.

Procurei atendimento na AACD de São Paulo e no Hospital de Base de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, por indicação de algumas pessoas. Fiquei na fila de espera por alguns meses.  

Nesse período, um empresário soube da minha história por um jornal, entrou em contato comigo e me ofereceu auxílio. Ele viabilizou um encontro com um ortopedista e as coisas começaram a dar certo. A Jéssica fez três cirurgias, uma correção no pé direito, uma plástica para separar os dedos grudados da mão direita e amputou um pedaço da perna esquerda para colocar a prótese. As cirurgias e todo o tratamento foram feitos pelo SUS. Atualmente, ela faz fisioterapia e acompanhamento psicológico.

A Jéssica está se desenvolvendo muito bem. Minha missão foi cumprida

Hoje a Jéssica tem três anos e está se desenvolvendo muito bem. Ela é uma criança inteligente, agitada, comunicativa e feliz. É um sonho realizado vê-la andando, correndo, pulando e tendo uma vida normal. Valeu a pena cada esforço, eu faria tudo de novo. Minha maior recompensa é ver a alegria dela, ela não tem mais aquele olhar triste.

Em meio a essa luta, conheci um brasileiro, o Tiago, ficamos noivos e vamos nos casar daqui a três meses. Temos planos de ir à Angola em 2019 e dar um irmãozinho a Jéssica. A experiência que eu tiro de tudo isso é que na vida, às vezes, podemos tomar decisões impulsivas, mas se for por uma causa nobre, Deus proverá e tudo dará certo. Minha foi missão cumprida”.

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