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Orgasmo durante o parto normal: é possível sentir prazer ao invés de dor?

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Imagem: Getty Images

Helena Bertho

da Universa

30/04/2018 04h00

Foi no parto de seu quarto filho que a homeopata Wilma Kuhllmann, 67, viveu uma experiência completamente inesperada. "Eu estava de cócoras e o neném saiu muito rápido. Conforme ele passou pela minha vagina, tive a felicidade de ter um orgasmo sem nem saber que isso existia", lembra ela.

Isso aconteceu em 1980, em sua primeira experiência de ter um filho em casa. Depois disso, ainda vieram mais três, mas a experiência de prazer nunca mais se repetiu.

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E não é de se estranhar: ter um orgasmo no parto, segundo ginecologistas entrevistados pela reportagem da Universa, é possível, mas algo bem raro de acontecer por muitos fatores.

"Do ponto de vista anatômico e fisiológico, são os mesmos órgãos, hormônios e mecanismos do orgasmo na relação sexual. Então, sim, é completamente possível acontecer", diz Carmen Simone Grilo Diniz, médica obstetra e professora da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo). Wagner Hernandes, também médico obstetra pela USP, concorda: "Possível, até é. Mas em 20 anos fazendo partos, eu nunca vi. A dor é muito intensa; é muito difícil a mulher conseguir ficar tranquila e relaxar para ter um orgasmo".

O parto deveria ser uma experiência positiva

Carmen Diniz, no entanto, discorda dele nesse ponto. Ela defende que a dor do parto pode ser grande ou pequena, dependendo da mulher, mas destaca que existe outra dor que é dada pelas condições em que a gestação e o parto acontecem e que influenciam diretamente a possibilidade de prazer no momento.

"A dor física do parto é diferente daquela provocada pelo uso de hormônios sintéticos, de ser imobilizada numa posição não fisiológica, de ter a vagina cortada, a barriga pressionada, sofrer abusos verbais... Então o grau de desconforto físico e emocional ao qual as mulheres são submetidas pode anular qualquer possibilidade de uma experiência positiva do parto", afirma. Sim, ela está falando de violência obstétrica. 

Já para Wagner Hernandes, falar de prazer no parto é complicado. "É uma coisa tão rara, tão difícil de mensurar, porque não é objetiva. Para nós, médicos, o importante é trazer a mãe e o bebê com saúde, se nesse ínterim ela conseguir aproveitar, melhor", diz.

Ponto do qual Carmen também discorda. "Tem que partir desse patamar, a segurança da mãe e do filho é um pressuposto. Considerando que a assistência segura é o ponto de partida, como você, profissional, pode fazer para que aquela experiência seja a melhor possível?".

Em acordo com esse raciocínio, a OMS lançou em fevereiro um manual de recomendações para cuidados durante o parto para uma experiência positiva de dar à luz, no qual oferece diretrizes para a atuação médica. O respeito à escolha materna é uma orientação recorrente do documento.

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Dar à luz é algo sexual

Ajudar no bem-estar da mulher durante a gestação e o parto é exatamente o papel das doulas. E para algumas delas, ter um orgasmo no momento do nascimento do filho é possível. "Eu não tive, mas sei de pessoas que tiveram. Não tenho motivos para duvidar dessas experiências", conta a doula e psicoterapeuta Bruna Morais, que vai ministrar um workshop sobre o assunto esta semana, em São Paulo. 

Para ela, o primeiro ponto para que o prazer tenha espaço nesse momento está em entender que a gravidez é parte da sexualidade feminina. "Foi todo um processo sexual que culminou na gestação e ela é algo sexual, não médico", diz.

Kalu Gonçalves, também doula, concorda com ela e acredita que "se preparar para um parto prazeroso deveria ser o foco de todas as gestantes e de todos os ambientes que acolhessem essas mulheres".

Ela própria viveu a experiência na sua primeira gravidez. "Quando o bebê deslizou, eu realmente senti um orgasmo muito profundo". Foi isso que fez com ela que decidisse estudar para ser doula e, assim, ajudar outras mulheres a melhorar suas experiências de parto.

O ponto essencial, segundo elas e também de acordo com Carmen, é que a mulher tenha uma gestação tranquila, mais consciente e ativa, e, no momento de dar à luz, conte com ambiente e assistência acolhedores, que ajudem a relaxar.

"Aqui no Brasil, você precisa sair do sistema para ter essa experiência. Infelizmente os profissionais são formados para achar que o parto é uma experiência insuportável, indigna, nojenta e perigosa", explica Carmen.

A especialista reforça, ainda, que a dor faz parte do parto, mas anatomicamente o prazer também pode fazer. Ela lembra que o clitóris não é só um ponto que se vê na parte externa da vagina, mas um órgão complexo que pode ser estimulado durante a passagem do bebê.

A busca pelo orgasmo não seria mais uma opressão?

Ambas as doulas e os ginecologistas relatam que foram poucas as vezes em que viram uma mulher ter um orgasmo durante o parto. Se isso é tão raro, por que então falar do assunto? Não seria apenas mais uma forma de criar frustração para as gestantes?

"Você vai para uma relação sexual e não sabe se vai gozar ou não. Mas é importante saber que a possibilidade do gozo existe", defende Bruna Morais.
A questão, segundo as profissionais, não é que a mulher tenha o orgasmo como objetivo, e sim como possibilidade. "Se o foco for a mulher buscar um parto prazeroso e encará-lo com toda a dinâmica necessária para um bom sexo, o nascimento se torna uma revolução. Porque a mulher assume o protagonismo do seu corpo, de sua autonomia. Ela escolhe o parceiro, que no caso é o médico, que a vê como o centro e a serve como ela deseja. O ambiente é tranquilo. Aí o prazer está em todo o processo. E o orgasmo é algo que pode acontecer", explica Kalu.