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Empreendedora, cozinheira e com síndrome de Down

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Marina Oliveira

Colaboração para Universa

27/04/2018 04h00

Uma semana antes da abertura do Bellatucci Café, uma cafeteria bistrô no bairro do Cambuci, em São Paulo, que abriu as portas em julho de 2017, Jéssica treinava persistentemente a própria assinatura, para não errar a mão ao firmar o contrato de abertura do negócio. Naquele dia ela se tornou uma das primeiras empreendedoras com síndrome de Down do país.

“Desde criança eu gosto de cozinhar. Comecei ajudando a minha mãe. Eu não sabia mexer com faca, né? Mas colocava a mesa, fazia saladas e sucos”, conta. Hoje, em compensação, é a responsável, com muito orgulho, pelo carro-chefe do estabelecimento: nhoque de mandioquinha. “A gente serve com molho e bastante queijo no prato”, conta.

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Jéssica já vinha se preparando para se tornar uma mulher de negócios há anos. Ela estudou em colégio de formação de pessoas com Down e também escolas convencionais. Fez curso de cabeleireira, com duração de seis meses. “Me ofereceram emprego, mas eu já queria cozinhar”. Também estudou fotografia e trabalhou por um mês em uma farmácia, para pagar por uma máquina fotográfica. “Eu não gostava do trabalho, era muito parado, eu só arrumava prateleiras”, lembra.

No Bellatucci, contudo, não há monotonia. Ela passa a maior parte do tempo na cozinha fazendo não só nhoque, mas também omeletes, quiches e bolos. A mãe auxilia na hora de levar os preparos ao fogo. Quando os quitutes não precisam mais de sua atenção, Jéssica vai para o salão. Ela adora recepcionar os clientes e tirar fotos com eles, que vão direto para o Facebook da empresa. “Eu fico muito feliz quando vão me ver”, fala.

Jéssica prepara pedido - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Investimento familiar

Para realizar o sonho de ter seu próprio restaurante, a cozinheira usou as próprias economias. O dinheiro ela ganhou em apresentações de teatro e participações em eventos realizados pelo Instituto Chefs Especiais, uma ONG que promove a autonomia de pessoas com síndrome de Down.

Mas a maior parte do investimento veio da família, que apostou no sonho da caçula. A irmã, Priscila Della Bella, 33, e o marido Douglas Batetucci, 30, são sócios de Jéssica, investiram no negócio o montante que usariam para comprar um apartamento. O imóvel onde funciona o comércio foi adaptado para ser cafeteria embaixo e a moradia do casal no andar de cima, para minimizar os custos com aluguel.

Os pais Carlos e Ivania assumiram toda a mão de obra da reforma, compras e pesquisas de equipamentos e fornecedores. Já a ideia de decoração do local, em tons pastéis e com ares de casa de boneca, veio da própria Jéssica, que meses antes já reunia referências de revistas e visitava cafeterias por São Paulo.

Jéssica emprega no café amigos com síndrome de down - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Emprego para colegas

A jornada diária de Jéssica é de cerca de cinco horas. Às 14 horas ela deixa o local (que funciona até às 18h) para estudar. O plano é terminar o Ensino Médio em cerca de três anos e iniciar a faculdade de Gastronomia.

Ao lado dela, no dia a dia da cafeteria, estão outros quatro colegas com Down, contratados em regime de freelancer. Philippe, amigo de infância de Jéssica, se orgulha de fazer um cappuccino bem espumado. Já Bárbara, é quem recebe os clientes e os convence a provar “a torta que a amiga Jéssica fez” quando entram pedindo apenas um cafezinho. Assim como a empreendedora, eles não passam o dia todo lá, fazem um rodízio de acordo com a própria agenda, que não costuma ser vazia. Além de cozinhar e estudar, Jéssica também faz aulas de zumba, muay thay e frequenta fonoaudióloga.

Em dezembro de 2017, Jéssica foi eleita pelo Governo do Estado de São Paulo a Empreendedora com Deficiência do ano, recebendo o IV Prêmio Melhores Empresas para Trabalhadores com Deficiência. Desde então, ela precisou abrir mais espaço em sua agenda para palestrar em empresas e universidades sobre empreendedorismo. Quando perguntada o que fala, responde rapidamente:
“Não faça bullying com portadores de síndrome de Down, porque nós somos capazes de fazer tudo.”