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27 anos e duas doenças sem cura: "O futuro é incerto, mas sou grata"

Janaína Marin - Arquivo Pessoal
Janaína Marin Imagem: Arquivo Pessoal

Marina Oliveira

Colaboração para Universa

14/04/2018 04h00

Aos 24 anos, a analista de marketing Janaína Marin, hoje com 27 anos, recebeu o diagnóstico de uma doença sem cura. Dezoito meses depois, outro baque: ela tinha uma segunda doença crônica. A seguir, ela conta a transformação pessoal que viveu nesses últimos três anos e como ter chegado tão perto da morte, aos 20 e poucos anos, mudou seus valores e visão de vida.

“Em novembro de 2014, comecei a investigar com médicos a razão da fraqueza que sentia constantemente. Também sentia uma dor na sola do pé, que tinha manchas parecidas com picadas de borrachudo. Em fevereiro do ano seguinte veio o diagnóstico: Doença de Crohn, uma doença crônica do sistema imunológico que ataca todo o sistema digestivo, mas principalmente o intestino. Isso explicava as dores no abdômen que eu também sentia.

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Lembro da médica olhando nos meus olhos e me contando a história de que o professor da faculdade dizia que preferia dar a um paciente o diagnóstico de câncer do que o de Crohn. É porque, dependendo do estágio, câncer pode ser menos agressivo. E, claro, tem cura.
40 minutos para recuperar o fôlego e tomar banho

Na hora, a notícia me deu certo alívio, porque, pelo menos, eu sabia o que estava acontecendo com o meu corpo. Aquela busca angustiante por explicação para todos aqueles sintomas tinha chegado ao fim.

Contrariando as expectativas, eu fiquei de boa com o diagnóstico. Apesar da fala da médica e das minhas pesquisas no Google, eu tinha certeza que nunca chegaria no estágio crítico sobre o qual tanto lia. Era uma clara negação à doença, que foi desmoronada quando eu cheguei ao estágio crítico de Crohn.

Com o passar dos meses, fui perdendo peso, ficando mais fraca e com cada vez mais dor abdominal. Não tinha apetite e não absorvia os nutrientes que comia. Eu chegava em casa, após trabalhar horas sentada e sem fazer esforço físico, e precisava descansar por 40 minutos até conseguir adquirir fôlego para tomar banho.

Então, no começo de julho, cinco meses após o diagnóstico, eu acordei um dia com uma dor absurda no abdômen e não conseguia ficar em pé. Era o início de uma perfuração no intestino e eu precisava ser internada. Na época, superfraca, eu beirava os 38 quilos, seis a menos do que o meu peso normal.

Cinco meses chorando todos os dias

Os dias seguintes se resumiram em internações, procedimentos de emergência, cirurgia, médicos e mil enfermeiras. E em remédios, claro. Antibióticos, corticoides, suplementação alimentar intravenosa e vitaminas.

Também foram marcados por uma crise de ansiedade, que era uma sequência da depressão que vinha sentido desde que recebi o diagnóstico. Há cinco meses eu não tinha passado um dia sem chorar. Não queria trabalhar, ver a família ou amigos – todos eles passaram a me enxergar como doente, frágil e que necessitava de cuidados. Eles não estavam errados, mas é frustrante ter que dizer toda vez como eu estou, se estou bem, se fui no médico, o que ele disse, se estou tomando os remédios...

“Cheguei a pesar 33 quilos”

Era difícil aceitar que a vida que eu tinha antes, meus planos profissionais e pessoais tinham virado uma realidade distante. No hospital, eu chorava porque achava que eu nunca mais sairia de lá. Eu me olhava no espelho e não sabia quem era aquela no reflexo. Cheguei a pesar 33 quilos.
A recuperação pós-cirurgia demorou, mas depois de 1 mês internada, tive alta. Nos meses seguintes, praticamente voltei à ‘programação normal’, com os mesmos planos e os mesmos sonhos de antes, agora intensificados pela ânsia de recuperar o tempo perdido.

Até que em janeiro de 2017, 18 meses depois da minha alta, eu percebi que toda a minha perna e tronco direitos não conseguiam sentir a sensação térmica. Sabe quando você anda descalço ou toma um banho, e sente o calor ou o frio do chão e da água? Pois é, eu não sentia mais.

O segundo diagnóstico: esclerose múltipla

Mas, novamente em negação, eu me recusei a aceitar que agora que as coisas tinham melhorado, elas voltariam a piorar. Decidi desconsiderar os altos e baixos inevitáveis da vida e tratei a perda de sensibilidade como uma crise mais forte de ansiedade. Fiz isso por semanas, até que começou a afetar o lado esquerdo e foi inevitável: mais médicos, mais exames.

O diagnóstico veio: início de esclerose múltipla, outra doença crônica e autoimune, bastante rara, que provoca dificuldades motoras e sensitivas e tem sintomas imprevisíveis. Eu me lembro da expressão de desamparo e total desesperança no rosto dos meus pais e do meu namorado. E da minha raiva da vida.

Doenças autoimunes são totalmente relacionadas a problemas emocionais. Quanto pior estivermos emocionalmente, mais a doença se agrava (ou surgem outras, como foi o meu caso). E eu vinha me matando lentamente há anos.

Sempre fui muito ansiosa e controladora. Se as coisas não saíam do meu jeito eu surtava, arranjava briga por qualquer coisa. E ficava muito ressentida, acumulava mágoas e insatisfações. No diagnóstico de Crohn, eu senti a vida me dando um chacoalhão me mandando mudar. Eu não mudei. Então, veio a esclerose com uma plaquinha ‘eu avisei’.

“Tive que assumir a responsabilidade pela minha felicidade”

Iniciei um processo profundo de autoconhecimento. Nesse último ano, fiz terapia, coaching, um curso de autodesenvolvimento, meditação, ayahuasca, li livros, assisti palestras e documentários. Um processo cansativo e longo (não termina, na verdade) que me levou a entender que o caminho para uma vida melhor e mais feliz está na gente apenas, não na carreira, no parceiro ou na família. Eu tinha que assumir a minha responsabilidade pela própria felicidade.

O dia 1º de março, agora, é meu segundo aniversário. Por que eu morri quando descobri a esclerose. Mas foi uma morte necessária para eu renascer. Morreu aquela menina para nascer a mulher que eu sou hoje. Me percebo mais forte, capaz de aguentar as coisas que a vida traz e que tem domínio de pensamentos e emoções.

E esta história toda tem uma moral, sim: vai rolar muita merda durante a nossa vida, mas temos de decidir como vamos lidar com elas, com negação e sofrimento ou com aceitação e responsabilidade. Vai por mim, quanto mais a gente nega, mais a gente sofre.

Se em 2015 me falassem que eu estaria feliz como eu estou hoje, eu não acreditaria. Eu tenho uma ótima qualidade de vida, me alimento muito melhor e cuido do meu corpo como nunca. Sou grata pelo que eu passei. E sobre o futuro, bem, o futuro é incerto. E como estou trabalhando a minha ansiedade, não tenho pensando tanto nele.”