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Elas foram perseguidas e assediadas no trabalho ao anunciarem a gravidez

Getty Images
Imagem: Getty Images

Letícia Rós e Marina Oliveira

Colaboração para Universa

05/04/2018 04h00

A discriminação contra profissionais gestantes ainda é um tema recorrente no mercado de trabalho: muitas são desrespeitadas a partir do momento que engravidam.

A lei impede que profissionais com registro na Carteira de Trabalho sejam demitidas sem justa causa durante a gravidez, mas não evita que algumas mulheres sejam humilhadas no dia a dia profissional. Veja histórias de quem passou por isso.

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“Ouvi do gerente: ‘Está andando devagar, por quê? Se não aguenta andar, pede demissão’”

“Eu trabalhava há um ano e meio em uma empresa terceirizada de vendas de serviço porta a porta. Fui demitida em 16 de setembro de 2014, por não bater as metas de vendas do mês, e no dia 20 de setembro do mesmo ano descobri que estava grávida de quatro semanas. Imediatamente, comuniquei a empresa da minha gestação [a demissão durante a gravidez só é legal se por justa causa] e fui recontratada. Aí começou o inferno. Logo soube que não voltaria a assumir a minha equipe.

Eu moro na zona norte e a minha equipe era da mesma região, já que era uma regra da empresa as equipes serem da mesma região de residência do supervisor. Apesar disso, fui encaminhada à equipe da zona sul. A partir de então, eu era acompanhada todos os dias pelo gerente da área, que me dizia coisas como ‘está andando devagar, por quê? Se não aguenta andar, pede demissão’. Por diversas vezes pedi que eles me deixassem assumir a equipe da zona norte novamente – que continuava sem supervisor – mas eles diziam que se eu não aguentava ir até a zona sul todos os dias, que pedisse demissão.

Quando cheguei ao quinto mês de gestação, eles me colocaram para trabalhar dentro do escritório, o que era de certa forma um alívio, mas aí veio outro descaso. Me deram um computador e disseram: ‘Faça o que quiser. Leia sites de notícias ou assista filmes, trabalho não vamos te passar’. E não passaram mesmo, eu mandava e-mails solicitando trabalho e diziam que não tinha, mas eu via o pessoal atolado. Confraternizações eu não era chamada, afinal, ‘grávida não podia’. Era nítido que a minha condição incomodava a eles.

Diziam que grávida não deveria nem ir trabalhar. A hostilidade vinha de todos. Uma funcionária que foi demitida, pouco antes de ir embora me contou que todos estavam sob ameaça: se falassem comigo, perderiam o emprego.

Cheguei a reclamar na matriz da empresa, que fica em outro estado, e também com os gestores da empresa contratante. Nada adiantou. O meu salário não podia ser alterado, mas eles me tiraram benefícios. Como supervisora eu deveria ganhar comissão das vendas da minha equipe, não ganhava mais. E também tiraram meu celular e minha ajuda de custo de gasolina, porque disseram que grávida não deveria dirigir – se eu quisesse que fosse de ônibus e eles dariam o vale-transporte.

Foram oitos meses em que eu saía de casa, todos os dias, chorando para ir trabalhar. Eu não curti tanto a minha gravidez por conta da empresa, mas eu precisava do salário. Tive quatro meses de licença maternidade e mais um mês de férias. Ao fim do quinto mês fora da empresa, decidi não voltar. E nem processar. A minha bebê ocupava demais o meu tempo e a vida seguiu. Faz um mês que voltei a trabalhar fora, em uma outra empresa do setor e ainda lembro deste sofrimento de três anos atrás.”
Milene, 33, supervisora de vendas.

“No sexto mês de gestação, me chamaram para uma reunião e me coagiram a pedir as contas”

"Quando engravidei, eu trabalhava em uma empresa de implantes odontológicos há dois anos, eu era assistente de vendas. Era um trabalho intenso, que exigia que eu ficasse no escritório, mas também saísse para serviços externos. Todos os dias saía de casa às 6h e voltava às 20h. Ao comunicar sobre a minha gravidez, começaram os comentários maldosos por eu ser mãe solteira. Para piorar, um ano antes eu tinha me envolvido com um funcionário da empresa e acharam que meu filho era ele.

As atividades do meu cargo começaram a ficar pesadas para mim, porque eu tinha que trabalhar na rua três dias da semana. Mas quando eu fui pedir a mudança de área, disseram que não me mudariam de setor – eles já me tratavam com bastante indiferença. Então, no meu sexto mês de gestação me chamaram para uma reunião e me coagiram a pedir as contas. Alegaram que se eu não pedisse, seria mandada embora por justa causa, pois tive um caso com um gestor da empresa, o que não era permitido. Eu nunca tinha sido repreendida por me envolver com um funcionário de lá, não existia essa regra. Na verdade, há casais lá dentro. Fora que meu envolvimento tinha sido um ano antes. Mas eu não consegui pensar em tudo isso na hora.

Completamente assustada, eu aceitei escrever uma carta de demissão. Perdi o convênio, perdi tudo! Foi horrível. Eu me senti um lixo e me culpei muito na época.

Eu chorava e pedia perdão para o meu filho todos os dias, por ter ‘perdido’ o convênio e não ter dado chances de ele nascer em um bom hospital – tive que recorrer ao sistema público de saúde. Eu ainda não tinha comprado todo o enxoval dele, foi o pai do meu filho quem terminou de comprar os itens necessários. Minha mãe e minha irmã também me ajudaram, mas eu me sentia impotente. Não podia mais comprar o que quisesse, tudo eu tinha que pedir para elas. Foi muito difícil.

Depois que saí, resolvi falar com uma amiga advogada e ela me instruiu a entrar com um processo judicial. A primeira audiência foi em fevereiro e eles fizeram uma proposta, que eu não aceitei. Haverá outra agora em maio. Mas a causa já está ganha. Ainda não voltei a trabalhar fora, meu bebê está com dois meses. Tenho feito ‘bicos’ em casa mesmo, ajudo uma amiga com a venda de planos de saúde. E tenho uma boa perspectiva de emprego para quando meu bebê fizer quatro meses. A partir de agora, as coisas devem dar certo."
Silvia, 24, auxiliar administrativo.

O seu direito

No Brasil, os direitos trabalhistas para as mulheres grávidas estão na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) na Seção V - “Da proteção à Maternidade”. São eles:

  • Garantia de emprego a contar da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto;
  • Licença maternidade por 120 dias, sem prejuízo do emprego ou do salário;
  • Transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem. Mas a função deve ser retomada logo após o retorno da licença maternidade;
  • Dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais exames complementares.

É considerado assédio moral à gestante rebaixamento de função, exclusão de reuniões ou atendimentos aos clientes, ameaças de demissão e questionamento sobre o porquê foi engravidar neste momento e qualquer outra exposição ao constrangimento. Como agir nestes casos? “Efetue a queixa, via e-mail, para o departamento de Recursos Humanos da empresa. Caso a área não exista, o e-mail pode ser enviado para o superior hierárquico – desde que ele não seja o ensejador do assédio. Se não houver solução para a queixa, a funcionária deverá buscar orientações de um advogado de sua confiança ou do Sindicato de sua categoria”, recomenda a advogada trabalhista Maria Julia Lacerda Servo, sócia do escritório Martins Cabeleira & Lacerda, em São Paulo.