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Pedófilos se passam por Larissa Manoela e Neymar nas redes, alerta delegada

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Natacha Cortêz

da Universa, em São Paulo

23/03/2018 04h00

Este março fecha um ciclo para a delegada carioca Daniela Terra: o término de sua temporada como responsável pela Delegacia de Repressão a Crimes de Informática da cidade do Rio de Janeiro. Foram dois anos respondendo pela instituição que recebe denúncias de crimes de pedofilia que começam, se dão ou acabam na internet. Só na DRCI, a capital fluminense registra ao menos sete desses casos por semana.

“Antes, o ‘carro chefe’ da delegacia eram os crimes contra honra: calúnia, difamação, injúria. Hoje, é abuso sexual contra meninas e meninos. Houve um aumento de 50% nos registros desde que assumi, e a culpa é justamente dos crimes de pedofilia”, diz a delegada, que tem em sua passagem pela repartição uma operação que, em 2017, prendeu 14 integrantes de uma rede de pedófilos que agia na web. Os acusados de chantagem e abuso sexual contra crianças e adolescentes estão sendo processados.

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No Brasil, consumir, produzir, agenciar, vender, disponibilizar, adquirir ou armazenar pornografia infantil é crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O artigo 241 (A, B, C e D) mostra os pormenores do delito mais denunciado no país quando falamos de crimes virtuais. Em matéria de pornografia infantil, somos o líder absoluto da internet.

Daniela Terra - Fernando Frazão/Agência Brasil - Fernando Frazão/Agência Brasil
Daniela Terra foi delegada titular na DRCI por dois anos
Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

Qualquer criança pode ser vítima de pedofilia na internet

Aos 41 anos, Daniela, além de servidora pública, é mãe de uma garota de oito anos e um garoto de 12. Por isso, para ela, falar de pedofilia é também olhar para dentro de casa e questionar seu papel como mãe. “Qualquer criança pode ser vítima de um abuso desses. Qualquer uma. Aliás, quanto maior o poder aquisitivo da família, mais cedo a criança vai ter acesso a um celular com internet. Precisamos repensar a relação dos nossos filhos com a tecnologia. Quando e como eles devem ter acesso ao infinito mundo virtual?”, questiona.

Precisamos repensar a relação dos nossos filhos com a tecnologia. Quando e como eles devem ter acesso ao infinito mundo virtual?

A experiência de Daniela com as denúncias na DRCI mexeu tanto com seu lado materno que fez a delegada levar o assunto do trabalho para escolas do Rio de Janeiro. Ela passou 2017 palestrando para pais, alunos e educadores sobre como crianças “comuns” acabam vítimas de pedofilia na internet. “As pessoas acham que nunca vai acontecer com os filhos delas, até que acontece.”

Nas palestras, o tom costuma ser este aqui: “Como delegada, vendo tudo que vi, não aconselho de forma alguma que uma criança tenha acesso ilimitado e não supervisionado à internet. Claro que a tecnologia faz parte das nossas vidas cada vez mais, mas precisamos saber usá-la. Antes de presentearem seus filhos com celulares, tabletes e computadores, os pais precisam conhecer os riscos disso. Por isso, vá até à internet e pesquise sobre pedofilia e sobre como a própria internet tem fortalecido e ido em prol desse crime”.

Larissa Manoela e Neymar Jr.

Daniela conta que, para atrair crianças, é comum que pedófilos criem perfis falsos nas redes sociais usando imagens de personagens infantis e artistas. Com A., de 8 anos, foi assim. A vítima foi convencida por um pedófilo que se passou por Larissa Manoela para, a princípio, conseguir fotos da genitália da criança. A conversa foi algo como "Me manda uma foto da sua parte íntima e te mando uma da minha para gente comparar", diz a delegada. “A criança não olha se aquele perfil na rede é verificado, ela acha de fato que está conversando com a artista e que agora é amiga dela.”

As pessoas acham que nunca vai acontecer com os filhos delas, até que acontece.

A. fez as fotos pedidas com o próprio celular. Em um segundo momento, passou a enviar vídeos “dirigidos” pelo pedófilo --também filmados pela menina com o próprio celular. Nesse meio tempo, o criminoso, além do material pornográfico, conseguiu informações como endereço da casa e da escola da menina, a profissão de seus pais e onde trabalham. Com a recusa da criança em continuar enviando as fotos e vídeos, vieram as ameaças e chantagens: "Se você não me enviar novas fotos, conto para sua mãe. Se você não me enviar mais fotos, mato sua família”. A criança, desesperada, não consegue se livrar da violência nem parar de produzir a pornografia.

As conversas entre A. e o pedófilo que se passava por Larissa Manoela aconteceram em um chat no Facebook. Mas há ainda registros de casos que se deram em grupos de WhatsApp, salas de bate-papo de portais e no inbox do Instagram. Neste último, uma perfil falso do jogador Neymar coagiu um garoto a produzir e enviar fotos de cunho pornográfico.

Quando perguntamos se essas redes colaboram com as investigações da polícia, Daniela é certeira: “Sim, sempre”. 

A idade mínima para criar uma conta no Facebook ou no Instagram é de 13 anos, mas não é raro que adolescentes e crianças burlem a regra.

Chega ao ponto das crianças se encontrarem com os pedófilos?

Na DRCI, Daniela se lembra de um caso em que uma adolescente de 16 anos que chegou a se encontrar com o pedófilo porque era ameaçada constantemente. “A garota foi até a casa do criminoso e fez sexo oral com ele sob ameaça. No encontro, foi filmada e depois chantageada com ameaças de divulgação das imagens. Ela acabou aceitando voltar à casa do agressor para uma nova sessão de abuso. Também chamamos esse episódio de pornô de vingança.” 

Os registros de pedofilia aumentaram porque se fala mais nisso ou por que a internet facilitou o crime? “A internet facilitou, sem sombra de dúvida”, responde Daniela. “Antes, um pedófilo precisava se infiltrar nos grupos de crianças do bairro, nas saídas das escolas. A ação exigia presença real, não existia isso de agir virtualmente. Agora, o pedófilo pode fazer tudo de casa, do seu celular”, completa.

Qual é a cara do pedófilo que age na internet?

Nesses dois anos que esteve a frente da DRCI, todos os acusados de pedofilia que passaram pela gestão de Daniela foram homens. Na operação realizada no ano passado, entre os presos havia um professor, um controlador de voo e um comerciante, por exemplo. Todos eram homens adultos, maiores de idade. “Eu diria que, pela idade, eles poderiam ser pais das vítimas”, diz Daniela, que insiste na importância da denúncia: “Tem que vir na delegacia, tem que fazer o registro. Garanto que nenhuma criança será exposta. Quanto antes a pessoa vir até a delegacia, mais fácil de pegarmos o pedófilo e menores as chances dele abusar de outras crianças.”