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Gravidez de homem trans é contada em filme: 'Não pensem que me 'curei''

Jason Barker grávido no filme "A Deal With the Universe" - Divulgação
Jason Barker grávido no filme "A Deal With the Universe" Imagem: Divulgação

da Universa

23/03/2018 13h03

Engravidar já não é um processo tão incomum entre homens trans. Esse foi o caso, por exemplo, do britânico Jason Barker, que decidiu gravar um documentário sobre sua experiência de sete anos atrás e lançá-lo este ano no festival BFI Flare, dedicado a filmes LGBT, que acontece em Londres. A gestação, transmitida em “A Deal With the Universe”, mudou completamente sua vida.

Barker fez a transição há 20 anos, ele tinha 26 na época. Foi logo depois de conhecer sua esposa Tracey. O processo, segundo ele, foi gradual e “sem grandes problemas”. Até que o casal decidiu que era a hora de começar uma família. Depois de alguns anos em que Tracey tentou engravidar com seus próprios óvulos, em 2003, eles decidiram recorrer a um plano B: Barker engravidaria de seu primeiro filho, que completa seis anos este ano.

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Assim que a decisão foi tomada, eles compraram uma câmera para documentar todos os momentos dessa experiência, que geraria um bebê e um filme.

Barker interrompeu a reposição de testosterona e começou a viver uma história bastante diferente da que tinha planejado. A gravidez de homens transgêneros no Reino Unido tem sido cada vez mais comum. Segundo Sally Hines, professora da Universidade de Leeds, em entrevista ao The Guardian, cada vez mais o assunto tem sido debatido em fóruns de discussões online, blogs e grupos de apoio. E o tema vem ganhando o mundo. Na Austrália, 54 pessoas que se identificam como homens já deram à luz. Por aqui, o assunto já foi abordado na novela “A Força do Querer”.

Logo no início do documentário, Barker expõe seu desejo por ter “um pênis e testículos” diante da dificuldade de sua esposa em engravidar. Mas, à medida que o filme avança, seus pensamentos mudam. “Eu tinha uma imagem meio fantasiosa da gravidez”, diz. “Pensava que teria o bebê e, naquela noite, tomaria uma cerveja. Duas semanas depois, começaria novamente com a testosterona. E pronto.” Para ele, a gravidez era um estado transitório, quase como “uma parte estranha da sua vida”. E, logo após ela, “a normalidade seria restaurada”.

Mas a experiência foi muito além disso. Primeiro, Barker se deu conta que o mercado de produtos para gestante não está preparado para homens grávidos. Por isso, precisou recorrer a calças femininas, conhecidas como “mom jeans”, e a camisolas floridas – cujos bordados foram desfeitos por ele à mão. “Você fica tão grande, que nada mais serve”, recorda.

tracey e barker - Divulgação - Divulgação
Tracey e Barker
Imagem: Divulgação
Durante toda a gravidez, Barker foi visto apenas como “um cara gordo”. Ele passou despercebido. Ninguém, por exemplo, lhe ofereceu um assento no ônibus. Em uma aula de pré-natal, enquanto a professora instruía as grávidas a sentirem seus quadris e ele obedeceu, um rapaz ao seu lado lhe deu uma cotovelada e disse: “Não temos com o que nos preocupar, companheiro”.

E, depois de assistir às 25 horas de gravações para montar o filme, teve uma preocupação. Para ele, a “história apropriada seria a de alguém que mantém sua identidade de gênero de maneira independente”. “Queria pensar que era um homem e estava grávido, mas continuava sendo um homem. Só que acabei me sentindo muito diferente.”

Ao ser questionado por um jornalista do The Guardian se tinha se sentido menos homem na época, se restringiu a dizer:

Honestamente, vivi uma fase adorável. Nenhum de nós gosta de pensar que somos governados por nossos hormônios.

Sobre os “passos em falsos” com as quais se deparou durante a gravidez, se recorda apenas de as enfermeiras terem insistido por um tempo em chamá-lo de “mãe”. E registrar o nascimento do filho talvez tenha sido a parte mais difícil. Ele não teve escolha e, no documento, teve que ser definido como a mãe do garoto.

A paternidade, agora, segue livre de desafios. “Ser o responsável pelo cuidado dos filhos enquanto pai, na verdade, tem atraído mais atenção do que o fato de ter sido um homem grávido”, diz se referindo ao estereótipo que sempre e continua sendo atribuído às mulheres. “Choquei algumas pessoas ao dizer que minha mulher voltou ao trabalho duas semanas depois do nascimento do bebê.”

A preocupação de Barker depois de tudo o que viveu sempre foi a de acharem que “estaria curado”. “Esse é um pensamento horrível”, diz. “Engravidar foi um momento alegre, surpreendente e brilhante.”