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"Assédio moral é mais perverso do que violência física", diz especialista

Getty Images
Imagem: Getty Images

Daniela Carasco

da Universa, em São Paulo

22/03/2018 04h00

Uma experiência traumática do passado serviu de combustível para que a advogada Ivanira Pancheri, 49, se debruçasse sobre um problema que atinge muita gente: o assédio moral ou laboral.

Uma pesquisa feita em 2015 pelo site Vagas.com, em todas as regiões brasileiras, conversou com 4.975 profissionais e constatou que 52% já foram vítimas de assédio no trabalho. Entre quem não passou pela situação, 34% já presenciaram algum episódio de abuso.

 Ivanira Pancheri - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Ivanira Pancheri, advogada e vítima de assédio laboral
Imagem: Arquivo Pessoal

Ivanira faz parte dessas estatísticas. “Sou uma sobrevivente, uma vítima que transformou o sofrimento em um estudo, numa tentativa de conscientização sobre a gravidade desse tipo de violência”, diz ela sem dar mais detalhes sobre seu caso, que está em segredo de Justiça. Ela é autora da tese de pós-doutorado pela Faculdade de Direito da USP “Assédio Laboral: Reflexões do Bio-Direito” 

Denunciar foi importante para o meu processo de cura.

Ao definir o que sofreu, a advogada não mede palavras: “Assédio moral é um homicídio da alma, chega a ser mais perverso do que uma violência física”. Assim como a maioria das vítimas, ela demorou a percebê-lo. “Levou um ano para eu me dar conta. É uma violência psicológica, sutil e dissimulada, o que dificulta a percepção.”

O problema parece atual, considerando a onda de denúncias públicas vindas principalmente de Hollywood, mas tem origem antiga. A palavra “assédio”, diz Ivanira, vem do cerco de exércitos a cidades medievais no passado, com o intuito de encurralar e atacar adversários. “Ele acontece da mesma maneira no local de trabalho. A ideia básica do assediador é aniquilar o assediado, não é uma humilhação pela humilhação”, explica.

Quem é o assediador e quais são suas motivações?

O perfil de um assediador do trabalho ainda divide opiniões. Alguns estudiosos, como a psiquiatra francesa Marie France Hirigoyen, o define como um narcisista psicopata. Já outros, como o médico alemão e especialista em psicologia no trabalho Heinz Leymann, acreditam ser sujeitos inseguros, não necessariamente doentes. “Mesmo que seja um psicopata, isso não tira a responsabilidade do ponto de vista jurídico”, diz a advogada.

E o assediado? Ivanira afirma que se trata normalmente de uma pessoa que se destaca de alguma maneira. Os casos se dão principalmente nos locais de serviço público, onde há estabilidade e “o chefe acaba fazendo da vida do funcionário um inferno até que ele peça demissão”. 

Já as motivações para o ataque são variadas. Ivanira cita ciúme, inveja, competição profissional e até ranço como as mais comuns. “É comum essa violência acontecer por meio de uma cantada, de insinuações de cunho sexual, convites reiterados para sair no final do expediente, piadas constrangedoras e até chantagens. Tudo que dê a entender que, se a vítima não ceder, poderá ter um abalo negativo na carreira”, conta.

Cobranças excessivas e críticas recorrentes também podem significar assédio moral. O assédio está ligado a uma relação de poder.

É sempre de chefe para funcionário?

Ainda que seja protagonizado com mais frequência por superiores, Ivanira diz que o assédio no trabalho, principalmente o de cunho sexual, pode partir de um subordinado homem para uma chefe mulher. “Na cultura machista em que vivemos, o homem aprende que de alguma maneira acossar, humilhar ou coisificar é uma forma de estabelecer uma relação de poder”, explica. 

Quais as consequências do assédio moral?

A advogada afirma que o abandono do trabalho costuma ser a consequência mais lógica. “Acontece em 99% dos casos”, diz. Mas não para por aí. De acordo com o seu estudo, as vítimas ainda enfrentam prejuízos à saúde física, mental e social. “Elas perdem completamente a qualidade de vida.” Isso sem citar o problema do descrédito da vítima, que acaba sem amparo.

Naturalmente, isso gera um custo social. “Afinal, ele leva bons profissionais a interromperem suas carreiras, sobrecarrega as previdências com auxílio doença e o sistema de aposentadoria quando o funcionário não apresenta mais condições de voltar ao trabalho. Isso sem contar na imagem da empresa que acaba sendo abalada.”

Assédio no trabalho é crime?

Em termos de tipificação, o termo assédio aparece no código penal somente na condição de “assédio sexual”, nada mais. No Art. 2016-A consta: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agende da sua condição superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena para este crime é detenção de um a dois anos.

Fora isso, o que existem são projetos de lei para estabelecer o assédio moral como acidente de trabalho, capaz de render indenização à vítima. Por hora, o que vale é reunir o máximo de provas testemunhais e documentais, que possam ao menos enquadrar atitudes abusivas no trabalho como injúria ou difamação. “Obter testemunhas é um pouco mais difícil, porque os colegas temem represálias, que possam transformá-los num novo alvo. Mas reunir bilhetes e e-mails é fundamental”, explica a especialista.

O que ela considera, porém, fundamental é que as empresas passem a adotar protocolos anti-assédio e, de fato, sejam responsabilizadas por atitudes indevidas dos funcionários. Políticas como essas, acredita Ivanira, podem ser mais efetivas no sentido da prevenção do que as próprias leis.

Outros tipos de assédio

Para além do moral e sexual, Ivanira mapeou também em seu estudo uma série de outros tipos assédios que ainda estão distantes da compreensão popular:

  • Assédio escolar ou bullying: Intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação.
  • Assédio ambiental: Ameaça àqueles que defendem o ecossistema ou reivindicam direitos relativos ao meio ambiente como o caso de ativistas ambientais.
  • Assédio imobiliário: Pressão relacionada à venda de imóveis e modificação de contratos com o objetivo de apoderar-se de uma área imobiliária. Como no filme Aquarius, de 2016.
  • Assédio midiático: Intromissão ilícita e abusiva na intimidade de uma pessoa feita por profissionais ou veículos de imprensa
  • Grooming: Domínio emocional estabelecido por um adulto na relação com uma criança com intenção de abuso sexual. Consta no artigo 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente.
  • Stalking: Perseguição decorrente de uma obsessão que invade a intimidade da vítima, incluindo contato insistente pelo telefone e pela internet. Como no filme Guarda-Costas, de 1992.
  • Straining: Estresse forçado imposto a trabalhadores por meio de comportamentos humilhantes e ameaçadores
  • Scratching: Pressão de um grupo de pessoas que se reúnem em frente ao domicílio da vítima com o objetivo de denunciar injustiças cometidas.
  • Spam: Insistente comunicação publicitária realizada por meio de telefonemas e e-mails.