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Caminhoneiras youtubers ganham 'mimos' e fazem sucesso: 'sem rebite'

Caminhoneira - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
A caminhoneira Sheila, famosa no Facebook e YouTube
Imagem: Reprodução/Facebook

Marcos Candido

Da Universa, em São Paulo

19/03/2018 04h00

A caminhoneira Anailê Goulart dirige um Scania L110, ano 1973, que ela apelidou carinhosamente de “Jacaré”, alcunha que é comum na estrada para esse modelo. Há três anos, ela, Jacaré e o marido transportam toneladas de carga rumo ao porto de Vila Velha, no Espírito Santo. Mesmo que ela tenha apenas três anos como caminhoneira oficial, seu veículo já "viu" muito nessa vida.

“Meu caminhão não é desses caminhões modernos, sabe? Não é nada automático. É um caminhão muito antigo, de dez marchas. A embreagem dele é bastante pesada”.

Era evidente que Jacaré precisava de uma reforma. “Eu tentei inscrever meu caminhão no ‘Lata Velha’, do programa do Luciano Huck, mas foi tentativa frustrada”, relembra. Apesar disso, o vídeo feito há cerca de dois anos para o programa começou a fazer sucesso na rede. Ela, então, abriu um canal no YouTube. Hoje, a publicação mais assistida (título: “Anailê passando as marchas”) já passa dos 5 milhões de visualizações.

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Anailê não está sozinha no gênero. No YouTube e nas redes sociais há uma rede influente de mulheres caminhoneiras, com milhares de seguidores. Elas contam sobre o cotidiano, dão dicas de mecânica, técnicas para manobrar uma carreta e de vida pessoal.

Anailê - Caminhoneira - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Anailê e o Jacaré antes da pintura na cor rosa
Imagem: Reprodução/Facebook

Com a fama, Anailê não precisou da ajuda de um programa de televisão. “As portas do Jacaré estavam muito velhas, enferrujadas. Mas tenho um seguidor lá do Japão que comprou as portas novinhas para mim. Foram 2,100 reais --só de porta”, conta

“Como gravo vídeo, eu tenho que usar câmera. Daí eles falam: se eu te dar um iPhone você vai gostar? Eu falo: claro que eu vou gostar, quem não iria? Então um seguidor lá de Amsterdã comprou e me deu”.

Mundo masculino

O número de caminhoneiras rodando pelo país --em transporte de longa ou curta distância --  é baixo. Segundo o “Perfil do Caminhoneiro”, publicado em 2016 pela Companhia Nacional de Transportes (CNT), em 2016, elas representam apenas 0,2% dos pofissionais no país.

A youtuber Sheila Bellaver (325 mil inscritos) sempre sonhou em ser caminhoneira e há oito anos é contratada por uma companhia de transportes de Farroupilhas, Rio Grande do Sul. 

“É um meio masculino e ainda tem esse tabu, né?”,diz ela, com o sotaque gaúcho carregado. “O homem não admite que a mulher consiga chegar numa profissão como essa”.

Nascida em Lagoa Vermelha, cidade com 28 mil moradores no interior do Rio Grande do Sul, ela diz já ter dirigido até 4.000 quilômetros com seu Scania Highline R420, modelo 2010. “Já carreguei fruta de Farroupilhas (RS) até o Ceasa de Fortaleza (CE) e por aí vai”. Há cerca de três publica vídeos no YouTube.

Enquanto dá entrevista por telefone à Universa, de Curitiba, Sheila é abordada por um fã. “É um seguidor do canal, mas tu pode falar daí que depois eu tiro foto com ele”. No Facebook há mais de uma página que se autodenomina fã clube da caminhoneira; a maior delas tem mais de 45 mil curtidas. 

O custo da fama

O sonho de viajar pelo país tem um custo. “Não existe pausa para o caminhão. Não existe feriado, não existe Natal”, diz. Foi só no mundo virtual que ela conseguiu parar para entrevistas, fotos e até para conhecer o atual marido, também caminhoneiro. Ela diz nunca ter sofrido assédio de outros motoristas.

“Ou você conhece na estrada, como meu atual marido me conheceu, ou o homem não aceita você começar nessa vida de caminhoneira depois do relacionamento, entendeu?”

Em dezembro do ano passado, Sheila sofreu um acidente com a carreta, com cinco toneladas de carga, no município gaúcho de Caxias do Sul. Ela pensou que morreria. “Deus segurou essa ‘carretona’ que eu dirijo e me deu uma chance”, diz. Com o episódio, acabou por desenvolver síndrome do pânico.

Para ela, o sucesso nas redes é o propósito que recebeu para sua segunda chance. “Hoje, no YouTube. No Facebook, nas minhas redes sociais, o que eu mais sinto orgulho é ser para as pessoas alguém que trabalha com amor, com paixão… E alguém que não usa droga... Sem rebite”, conclui.