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'Achei que fosse amor, mas era dependência emocional'

Getty Images
Imagem: Getty Images

Daniela Carasco

Da Universa

15/03/2018 04h00

Uma busca rápida com o termo “relacionamento abusivo” no Facebook é capaz de trazer mais de 20 resultados de grupos de apoio e 50 páginas sobre o assunto. Entre as centenas de relatos de mulheres que vivem, em comum, uma relação permeada por agressões, uma pergunta é recorrente: é possível amar sem depender de alguém?

A psicóloga Talita*, 26, levou um ano e meio até conseguir responder afirmativamente a essa pergunta. Por isso, hoje, ela se dedica a atender mulheres que enfrentaram a dura experiência da dependência emocional. O mal, que pode evoluir para um transtorno psicológico, ainda é tratado como prova de amor. Aqui, ela relata o que viveu e joga luz para um tipo de violência ainda pouco legitimada, a psicológica.

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“A gente se conheceu pelo Tinder, em 2015. Ele estava trabalhando na cidade onde eu moro, no interior de São Paulo. Ficamos juntos 11 meses, até ele voltar para a capital. Ele dizia que não assumiria um relacionamento à distância. Até que, antes de se mudar definitivamente, surpreendeu-me com um pedido de namoro.

Envolvida, aceitei. Tinha 24 anos, e esse era o meu primeiro relacionamento mais sério, daqueles que a gente apresenta para a família e compartilha todas as experiências. A gente costumava discuti. Achava normal. Relacionamento abusivo para mim era aquele que tinha agressão física. Ele nunca me bateu. Mas, para ele, eu estava sempre errada.

‘Para discutir comigo, você precisa ter duas coisas em mente: a primeira, que estou sempre certo, e você, errada’, dizia. Nunca mais me esqueci.

Certa de que aquilo que sentia era amor, eu me doei ao máximo. Viajava a cada duas semanas para São Paulo. Comecei a procurar emprego na cidade dele, e fazia planos de me mudar definitivamente. Ele me ‘recompensava’ com frieza e inseguranças.

Para fazer um teste, decidi passar 15 dias morando com ele, depois de seis meses de namoro. Brigamos sem parar.

Ele 'flertou' com uma amiga, frequentou um prostíbulo com os amigos e me deu sermões inesgotáveis. Mas era eu ‘quem estava louca’. Por ele, eu me afastei de amigas, abandonei a minha essência e meus planos viraram os daquele que eu, perigosamente, apelidei de 'vida'. O que achava que fosse amor era, no fundo, dependência emocional.

E por que eu vivi um ano e meio nessa condição? Por não acreditar em mim mesma. Meu 'ex' era meu troféu. O cara que topou fazer o favor de estar ao meu lado. Muita gente enxerga a dependência emocional como prova de amor, eu também enxergava. Por diversas vezes, repeti frases como 'não vivo sem você', 'você é tudo para mim' e 'não sou nada sem você'.

Quando ele pediu um tempo, fiquei sem chão. Na terapia, afirmei sem titubear: falhei na missão de manter o meu relacionamento, a culpa era minha. Ele voltou a me procurar seis vezes seguidas. Insistiu em uma amizade que não tinha chances de acontecer. Por fim, decidiu terminar.

Passei a acompanhá-lo obsessivamente nas redes sociais. Construí um muro ao meu redor, com cerca elétrica e cão de guarda. Conhecer pessoas novas me dava pânico. O rompimento definitivo só aconteceu, cinco meses depois, graças a um sonho --um encontro com Iemanjá, que me pedia para entregar a ela os presentes que ele tinha me dado. Simbolicamente, molhei todos os pertences com água do mar e os descartei em uma lixeira. Coloquei ali o ponto final que precisava. Enfrentei e superei.

Dependência emocional é se anular enquanto pessoa. É ignorar as próprias vontades e colocar o outro em primeiro lugar. Tinha entregado de bandeja a minha felicidade a ele. Depois de me curar na terapia, entendi que se relacionar é encontrar alguém que te complemente e não que te complete. Preciso ser suficiente sozinha. Até porque, no final do dia, sou eu e a minha própria companhia.”

* O nome da entrevistada foi trocado para preservar sua identidade