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Desafio é não ficar louco, diz brasileiro que cavalgou do Canadá ao Brasil

Filipe Masetti, na viagem pela Patagônia Argentina, com o cavalo, Pablo Picasso - Arquivo Pessoal
Filipe Masetti, na viagem pela Patagônia Argentina, com o cavalo, Pablo Picasso Imagem: Arquivo Pessoal

Marina Oliveira

Colaboração para Universa

08/03/2018 04h00

Filipe Masetti, 31, tem no seu currículo de viajante dois grandes marcos: percorrer 16 mil quilômetros entre Calgary, no Canadá, e Barretos, no interior de São Paulo, e 7.500 quilômetros, passando por Brasil, Uruguai, Argentina e Chile. As extensas distâncias não são o único dado impressionante, mas também o meio de transporte utilizado por ele: cavalos.

Em 2019, Filipe se prepara para mais um desafio. “Vou fechar as Américas de norte a sul”, diz. Os planejamentos estão no início, mas ele pretende sair do Alasca e cavalgar até o Canadá.

“Serão quatro mil quilômetros, que devo percorrer em um ano, por causa do inverno rigoroso”, diz o cavaleiro.

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A primeira viagem

Em julho de 2012, Filipe deixou, no Canadá –país onde morava--, os pais e a namorada e saiu com três cavalos (que se revezavam para transportar cavaleiro e bagagem) para percorrer, sozinho, dez países.

“Em uma viagem como essa, o primeiro desafio é não ficar louco. Chegou uma época em que a voz não saía. Parecia que eu tinha esquecido como falar”, conta.

A aventura durou dois anos e 45 dias. “A solidão é como um elefante em cima do seu peito. Tem horas que não te deixa nem respirar. Mas também ensina, porque você passa a ter conversas internas.”

Cada noite em um lugar

Filipe Masetti, que, em 2019, quer cavalgar pelas Américas de norte a sul, personagem de matéria de Universa - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Em 2019, Filipe quer ir do Alasca até o Canadá
Imagem: Arquivo Pessoal
Filipe cavalgava, em média, 30 quilômetros por dia. Ao chegar em um local com estrutura, ele contava sobre a viagem para algum local à espera de conseguir onde dormir.

“Às vezes, elas precisavam de alguns minutos para pensar se abririam a casa para mim e os cavalos, mas sempre dava certo.”

Nessa primeira viagem, Filipe recebeu US$ 2.500 mensais de uma produtora de TV, que se interessou em fazer um seriado com as imagens por ele captadas.

“Não era suficiente para sustentar três cavalos, que comem por dia de quatro a sete quilos de ração. Muitas vezes, faltavam ainda dez dias para o fim do mês, e o dinheiro já tinha acabado. Aí eu comia macarrão instantâneo.”

Solidariedade pelo caminho

Quando estava na Guatemala, o cavaleiro se emocionou com uma família de baixa renda que o recebeu para passar a noite.

“Eles sacrificaram a única galinha que tinham em casa para eu comer”, lembra. No mesmo país, também achou que morreria.

“O dono de uma pousada onde me hospedei chegou bêbado e começou a atirar no meio da noite. Eu era o único hóspede e, sem sair do quarto, liguei para a polícia. Os oficiais chegaram, receberem um maço de dinheiro do cara e foram embora. Passei o resto da noite achando que ele viria me matar”, conta.

Em Honduras, ele se hospedou por três dias na casa de um narcotraficante.

“Vivi aquelas cenas do seriado ‘Narcos’ [sobre a vida de Pablo Escobar], com todo mundo armado dentro de uma mansão”, fala.

Filipe Masetti, que cavaldou do Canadá até o Brasil; personagem de matéria de Universa - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Sentimentos à flor da pele

A solidão durante quase 800 dias deixou sequelas em Masetti. “Quando voltei, sofri de ansiedade e tive depressão. Também tive problemas para me ressocializar.”

Diante da bagunça emocional, Filipe decidiu que não repetiria a experiência. Mas, em 2015, ele conheceu o Hospital do Câncer de Barretos, referência no tratamento da doença. Decidiu se aventurar novamente para ajudar crianças internadas na instituição.

Segunda viagem

Em abril de 2016, saiu da cidade do interior de São Paulo com destino a Ushuaia, na Patagônia Argentina. Com os cavalos da primeira viagem aposentados, resolveu que arranjaria animais locais para fazer o percurso.

Mas o emocional dele continuava abalado. “Tinha um pressentimento de que morreria durante a viagem”, fala. Dos 12 meses de viagem, sete foram na Patagônia argentina. “É o lugar mais lindo que já vi, mas o mais difícil de sobreviver. Os ventos eram de 120 km por hora. Tinha de me agarrar no pescoço do cavalo para não voar”, diz.

Com a fama conquistada na primeira viagem, Filipe conseguiu patrocínio e apoio logístico, com três motoristas voluntários se revezando na direção de um carro, que acompanhava o trajeto. A viagem rendeu R$ 60 mil para o hospital de Barretos.

Enquanto se prepara para a próxima expedição, Filipe reflete sobre o aprendizado adquirido. “A primeira viagem foi sobre persistir nos sonhos. A segunda, sobre enfrentar medos. E a terceira, sou eu assumindo que esse é o meu estilo de vida.”