Topo

Mulheres contam preconceito sofrido com maquiagem e esmaltes no trabalho

Cecília Pabst

Colaboração para o UOL, de São Paulo

31/03/2016 07h00

Não são raros os casos de mulheres que já sofreram preconceito por causa de uma produção mais caprichada no trabalho. Infelizmente, maquiagem e cores de esmaltes nada básicos incomodam chefes e até outros colegas de profissão, principalmente nas áreas consideradas mais conservadoras. A seguir, conheça a história de cinco mulheres. 

"Recebi regras de maquiagem por e-mail"
"Logo que comecei a trabalhar em um escritório de advocacia ainda não sabia que teria de seguir regras impostas de última hora. Sempre gostei de me maquiar, usar batom e unhas pintadas, mas quando ia bem produzida eu recebia e-mails endereçados apenas para as mulheres da empresa sobre não usar esmalte preto ou cores na maquiagem que eles consideravam chamativas. Pediam também para tomar cuidado com roupas que podem ‘desviar a atenção’. Para reforçar as regras por lá, o escritório ainda dava aulas de como as funcionárias deviam se vestir. Blusas com qualquer estampa foram vetadas, assim como saias, colares e saltos finos. Os esmaltes deveriam ser claros e para a maquiagem nada de batom vermelho e sombras escuras e brilhantes. Ensinaram até que o ideal era uma sombra marrom clara e um batom cor de boca". R.B.*, 21 anos, estudante de Direito.

Mayara Castro, 26 anos, é jornalista e locutora - Rodrigo Niemeyer/UOL - Rodrigo Niemeyer/UOL
Mayara Castro, 26 anos
Imagem: Rodrigo Niemeyer/UOL
"Tirei o batom vermelho para não perder o cliente" 
"Comecei a trabalhar aos 17 anos como promotora de eventos, bartender e figurante para comerciais de tevê. Amo maquiagem e não me envergonho de usar um batom vermelho em pleno dia. Quando estou inspirada, misturo estampas, batons coloridos e geralmente a receptividade é boa. Comentários como: 'você vai assim?' fazem parte do meu dia a dia. 'Vou, e daí?', costuma ser minha resposta padrão. Ter de usar mais maquiagem porque o cliente vai gostar era uma recomendação feita pelas agências. No ambiente onde todas as mulheres estavam exageradamente maquiadas, quem não estivesse era praticamente invisível. Ter que tirar o batom vermelho pelo anseio do que vão pensar não faz parte das minhas preocupações, mas aconteceu atualmente quando fui apresentar uma proposta para um cliente da área da saúde. Em um ambiente todo branco, eu me destacava e, a pedidos, troquei o batom para um tom mais leve. Nenhum dos casos me agradou, afinal, não é a maquiagem ou a roupa que define quem sou. Ter liberdade para expressar nossa autenticidade é o mínimo que precisamos para viver em harmonia com as diferenças". Mayara Castro, 26 anos, dá consultoria para pessoas que querem criar sua reputação online.

"Tirei o esmalte para não perder o emprego"
"Trabalhei como vendedora para uma marca de luxo com loja em shopping. A maquiagem permitida era batom vermelho por uma questão internacional que a rede segue como regra, mas quem não pegasse leve no make geral e na cor de esmalte recebia uma carta de advertência e, em último caso, demissão por insubordinação. Em algum momento a empresa alertou que unhas claras eram ideais, pois não competiam com as cores das bolsas que estavam à venda. Na hora de manuseá-las, elas [as bolsas] precisavam ser o destaque. Mas quando voltei de uma folga de dois dias seguidos com as unhas pintadas de rosa, a gerente olhou para a minha unha com reprovação e eu não me senti bem com aquilo. Imediatamente peguei o removedor e comecei a tirar tudo. O kit de primeiro socorros da loja que tem remédios para dor de cabeça e cólicas, também tem um frasco de removedor de esmaltes. E desde quando removedor ajuda alguém que está passando mal? Escutei ainda que não importava como eu era bonita, a cliente da loja precisa sempre se sentir mais bonita do que eu", diz L.A.*, é vendedora no Rio de Janeiro.

"Não aceito desaforos, beijei a testa dela com batom 24h"

Carrô Schamall - Rodrigo Niemeyer/UOL - Rodrigo Niemeyer/UOL
Carrô Schamall maquiada pela amiga e maquiadora Claudia Riston
Imagem: Rodrigo Niemeyer/UOL
"Trabalho com direção de arte, tenho 37 anos e uma carreira sólida. Como também faço campanhas e outros trabalhos públicos na TV, vez ou outra preciso sair de alguma sessão de fotos super maquiada e corro direto para o trabalho, sem tempo para desmontar tudo. Uma vez fiz fotos bem cedo e ainda pela manhã já estava trabalhando. No set de filmagem escutei o comentário de outra mulher da equipe, algo como 'que mulher cafona, parece um travesti'. O que mais me incomodou é que ela era uma maquiadora da equipe, que me julgou por eu estar, na verdade, só muito bem maquiada para o horário. Fiquei admirada com a atitude venenosa dela, mas mesmo assim dei um jeito de deixar claro que eu não aceito desaforos. Pedi um batom 24h e passei por cima do meu batom vermelho. Na hora de me despedir da equipe, dei um beijo bem na testa dela, como forma de agradecimento, mas sei que ela deve ter ficado com um terceiro olho no meio da testa por um tempão". Carrô Schamall, na foto, maquiada pela amiga e maquiadora Claudia Riston.

"Tirei as unhas postiças uma a uma, discretamente"
"Estava curtindo uma moda de drag queen na época e fiquei superinfluenciada no quesito montação, mesmo que para o dia a dia. Resolvi me arrumar para o trabalho e escolhi também unhas postiças douradas. O pessoal da equipe já sabia que eu passava boa parte do meu tempo livre assistindo vídeos e indo a shows de drag, mas mesmo assim foi um choque eu ter aparecido para trabalhar com as postiças douradas. Por mais que eu não tivesse feito alarde quando cheguei, notei as pessoas me julgando muito, cochichando. Me senti constrangida com o passar das horas e fui descolando as unhas uma a uma, discretamente. Acredito que se tivesse insistido teria sido motivo de piada permanente". V.K*, 30 anos*, designer.

*A pedido das entrevistadas alguns nomes e idades reais foram preservadas