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Marroquina é retida na Síria ao tentar resgatar netos com Estado Islâmico

Durante a entrevista, Latifa e um dos netos não se desgrudavam -
Durante a entrevista, Latifa e um dos netos não se desgrudavam

Isaac J. Martín

Da EFe, no Acampamento de Roj, na Síria

04/04/2019 08h58

Com 60 anos, Latifa decidiu ir à Síria para tentar resgatar os cinco netos depois que o filho, um combatente do grupo jihadista Estado Islâmico (EI), morreu em um bombardeio. Três anos depois, ela continua retida no país.

"Meu filho e a mulher dele vieram à Síria sem minha permissão. Depois de sete ou oito meses, ela me telefonou para dizer que ele tinha morrido e pedir que eu buscasse ela as crianças ", relatou à Agência Efe essa senhora marroquina, sentada em um quarto do acampamento de Roj, localizado no extremo nordeste da Síria e que abriga mães e filhos que, na maioria dos casos, se vincularam ao EI de alguma forma.

Hussein al Guili tinha 42 anos e tinha nascido na cidade de Fez, região central do Marrocos, de onde saiu para ir à Síria. Ele morreu em um bombardeio, em 2015, junto com o filho mais velho, na cidade de Raqqa, que durante anos foi "capital" do Estado Islâmico na Síria.

Com o marido doente e os demais filhos se desentendendo sobre o destino dos sobrinhos, Latifa preparou tudo e foi sozinha tentar resgatar as crianças do domínio do EI. Para isso, ela encontrou um jeito de falar com os jihadistas e preparou o que era preciso para a entrega uma vez que chegasse a Raqqa.

A primeira parada foi na Turquia. Lá, ela ficou por dois dias em um hotel.

"Então, eles me telefonaram e disseram: 'Fique preparada. Já iremos te buscar'. Fui com eles em um carro, mas não pude ver nada do caminho até que me disseram que tínhamos chegado à residência dos hóspedes de Raqqa", contou.

O caminho pareceu muito simples, mas depois de um tempo ela começou a perguntar sobre os netos aos responsáveis do local e recebeu como resposta que as crianças "não tinha nada a ver com eles". Depois, um desses responsáveis disse que aquilo era "um Estado Islâmico" e que ela poderia ter casa, dinheiro e o que mais quisesse. Latifa disse que não aceitou.

Durante a entrevista, ela e um dos netos não se desgrudam. Com um olhar forte, mas de aparência levemente abatida, ele só levanta a cabeça para observar quando a avó chora.

Latifa contou que começou a ficar desesperada por não conseguir ver os netos, como tinha sido prometido. A menor, de dois anos, nascera no autoproclamado "califado" do EI.

"Eu gritava com eles e dizia que só queria os meus netos. Aí me tiraram o telefone, o passaporte e a carteira de identidade. Fiquei sem nada. Passei um mês em péssimas condições até que perdi a cabeça. Comecei a chorar e berrar sem parar. Aí eles me trouxeram as crianças", narrou.

Depois de se reunir com os cinco, o passo seguinte era voltar para a Turquia, conforme o acordo fechado com os jihadistas. Mas então os radicais começaram a dizer que ela deveria esperar.

"Não entendia por que era tão difícil sair quando foi tão fácil entrar", destacou.

As cinco crianças e a avó permaneceram em Raqqa até que as forças curdas tomaram o controle da cidade, em outubro de 2017. Os extremistas, porém, levaram com eles os netos, a nora e outros civis para Mayadin, um dos redutos que o EI ainda dominava no leste da Síria.

Lá eles conheceram um contrabandista que, seis meses depois, os levou para Al-Shaddadah, na província de Al Hasakah, pondo fim ao calvário nas mãos do EI.

Começava então a vida em um campo de refugiados administrados pelas autoridades curdo-sírias. Latifa passou de uma casa em Fez a um acampamento em Al Hasakah, onde toda a família precisa conviver em uma mesma barraca.

"As condições do acampamento não são boas para as crianças. Elas são muito pequenas para entender. Somos sete pessoas morando na mesma tenda, mas graças a Deus temos um fogão", relativizou.

Aos 63 anos, ela disse que apenas deseja que o Marrocos providencie sua repatriação e a dos netos. Com as restrições impostas pela administração do acampamento, ela disse não ter contato com as autoridades do seu país nem com os filhos.

O Marrocos é um dos poucos países que deram início ao processo de repatriação dos seus cidadãos que se uniram ao EI ou que estavam em território controlado pelo grupo na Síria, após a derrota territorial que sofreram no último dia 23 de março.

"Se Deus quiser, as coisas vão correr bem e nós voltaremos ao Marrocos. Se não, ficaremos aqui", ponderou.

Uma ponta de desesperança, no entanto, não deixou de aparecer.

"As crianças já não têm futuro. O pai morreu e eu já sou uma mulher mais velha. Não tenho esperança no futuro, o futuro já está arruinado", lamentou.

Ainda era possível, ao menos, fazer um apelo.

"Cuidem muito dos seus filhos para que não aconteça com eles o mesmo. E peço: não esqueçam de mim em suas orações, por favor", concluiu.