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Na contramão da UE, Polônia mantém posição firme contra o aborto

Polonesas protestaram contra endurecimento das leis de aborto na Polônia em março - Wojtek RADWANSKI / AFP PHOTO
Polonesas protestaram contra endurecimento das leis de aborto na Polônia em março
Imagem: Wojtek RADWANSKI / AFP PHOTO

Nacho Temiño

da EFE, em Varsóvia

30/05/2018 09h46

Após o referendo da última sexta-feira, no qual a Irlanda optou por legalizar o aborto, a Polônia ficou ainda mais em evidência na União Europeia pela restrição a abortar, com um governo suscetível à opinião da Igreja Católica e que resiste a sucumbir à secularização.

Entre os eleitores do referendo irlandês, 66% votaram favor da legalização do aborto, confirmando assim a perda de influência católica no país. Já o governo polonês, liderado pelo partido conservador Lei e Justiça, estuda endurecer ainda mais a legislação nacional sobre o tema.

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"Gostaríamos que a Polônia seguisse o exemplo da Irlanda, mas enquanto o país for governado pelo Lei e Justiça, isso parece muito distante", afirmou à Agência Efe a advogada e ativista pró-aborto Karolina Wiekiewicz.

Na Polônia, o processo de secularização vivido no Velho Continente ocorre com menor intensidade, e a Igreja Católica está muito presente na vida diária e na política, especialmente após a vitória por maioria absoluta do Lei e Justiça nas eleições de 2015.

A legenda, que se define como guardiã dos valores católicos, propôs mudar a legislação para restringir os casos em que atualmente a interrupção da gravidez é permitida, seguindo uma iniciativa popular que coletou cerca de um milhão de assinaturas.

O objetivo desta proposta, que é analisada agora por uma comissão parlamentar, é proibir o aborto eugenésico, ligado a más-formações ou doenças no feto.

"O elevado número de assinaturas e o apoio popular que conseguimos reunir evidenciam que a sociedade polonesa é contrária ao aborto", afirmou à Efe a diretora da organização pró-vida Fundação da Vida e a Família, Kaja Godek.

As leis polonesas só permitem o aborto em três casos: estupro ou incesto, quando houver risco para a saúde da mãe ou quando o feto tiver deformações ou doenças.

Os ativistas pró-vida querem eliminar esta última exceção e lembram que os casos de deformações no feto são a razão de 96% de todos os abortos legais realizados na Polônia.

Entretanto, segundo denúncias de ativistas a favor da ampliação do direito ao aborto, na prática nem sempre se permite a interrupção da gravidez sob estes requisitos, porque em algumas ocasiões os médicos se negam ou tentam persuadir as mulheres para que não o façam.

Dados oficiais mostram que na Polônia são feitos cerca de 1 mil abortos por ano, embora organizações como a Federação para a Mulher e o Planejamento Familiar, que visam ajudar mulheres a interromper a gravidez dentro da lei, acreditem que o número real seja de mais de 150 mil.

Uma recente pesquisa do instituto IBiR revelou que 56% dos poloneses acreditam que a legislação sobre o aborto não deveria ser modificada, e 9% são favoráveis ao endurecimento.

Em meio a este debate, o líder do Lei e Justiça, Jaroslaw Kaczynski, defendeu meses atrás a necessidade de impedir o aborto nos casos de grave má-formação do feto, inclusive quando se sabe que o bebê morrerá ao nascer - "de forma que a criança possa ser batizada, enterrada e ter um nome", afirmou.

Declarações como esta e as tentativas parlamentares do partido governista de tornar a legislação mais rígida geraram protestos de milhares de mulheres na Polônia, como os de outubro de 2017, e conseguiram travar as primeiras tentativas de endurecer as leis sobre o aborto.