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Ativista paquistanesa denuncia violência contra a comunidade trans no país

A população trans paquistanesa frequentemente é submetida a todo tipo de violência - Getty Images
A população trans paquistanesa frequentemente é submetida a todo tipo de violência Imagem: Getty Images

Jaime León

da EFE, em Peshawar

18/03/2018 12h52

Assassinatos, estupros, surras, insultos e discriminações no ambiente de trabalho fazem parte da vida dos transexuais paquistaneses, relegados a uma escuridão tão arrasadora que os legisladores do país islâmico querem colocar um fim na situação.

Na cidade de Peshawar, no noroeste do Paquistão, próxima às zonas tribais do país, sentada na cama, em um dormitório sem janelas e rodeada pelos discípulos, a guru khawajasira (transexual) Farzana Khan enumera os problemas enfrentados na conservadora sociedade paquistanesa.

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"Desde 2015, 54 transexuais foram assassinadas e 400 sofreram agressões em Khyber Pakhtunkhwa (província da qual Peshawar é a capital) e a polícia não faz nada a respeito", relatou Jan, presidente da ONG Transaction Alliance, vestida com um sari verde e com o cabelo preso.

"Não nos deixam usar o ônibus. As pessoas nos insultam na rua. Os taxistas cobram mais para nos levar, assim como os proprietários de imóveis", lamentou a ativista de 35 anos.

Khan denuncia que os transexuais recebem este tipo de tratamento porque não têm apoio da família e são frágeis, já que ninguém os defende. Ela saiu de casa aos seis anos por causa da rejeição dos pais e foi viver em uma comunidade de transexuais, onde um guru exerce a função de pai e mãe, e outras transexuais de irmãs, um tipo de família similar à que comanda hoje.

Essa primeira rejeição familiar se expande depois ao resto das vidas e coloca as pessoas em cantos "obscuros" e se tornam pedintes, dançarinas ou prostitutas.

No caso do povo Pashtun, mais conservador que o restante do país, nem sequer podem mendigar porque não são bem-vindas nas ruas e são limitadas a trabalhar como prostitutas ou dançarinas, um papel reservado para elas dada a estrita separação de gêneros que impede que mulheres dancem em festas ou casamentos.

Junto com essa discriminação trabalhista e social, as pessoas transexuais sofrem uma continua violência física e sexual. Lovely Khan, dançarina pertencente à comunidade de Jan, foi estuprada por um grupo de 17 homens quando voltava após dançar em um casamento quando tinha 12 anos.

"Primeiro me torturaram, depois rasgaram a minha roupa, tiraram a minha peruca, me jogaram no chão e 17 homens me estupraram", contou a jovem loira de cabelo comprido, hoje com 17 anos.

Para fazer tentar mudar essa situação, o Senado paquistanês aprovou por unanimidade no dia 7 de março a primeira lei do país que busca garantir os direitos dos transexuais. A norma estabelece a possibilidade de herdar propriedades e proíbe a discriminação em instituições de ensino e no emprego.

A legislação, que ainda precisa ser aprovada pelo Congresso, decreta também que o governo deve oferecer empréstimos para que os transexuais possam iniciar negócios e garantir oportunidades de trabalho. No entanto, Khan põe em dúvida a efetividade da lei.

"Aprovar uma lei não é importante, o importante é que seja implementada. Há leis para a proteção de mulheres e, mesmo assim, não elas não têm direitos", afirmou a ex-dançarina, hoje ativista.

Khan diz que embora o Tribunal Supremo tenha reconhecido em 2009 a existência do "terceiro sexo" para os documentos oficiais e, três anos mais tarde, sentenciado a igualdade de direitos com os demais cidadãos, a realidade não mudou muito.

De fato, a ativista foi a primeira transexual a obter um passaporte com a letra X para definir o gênero em junho do ano passado e, no mesmo mês, recebeu uma carteira de habilitação do mesmo tipo.

No ano passado, os transexuais foram incluídos no censo nacional em uma categoria à parte pela primeira vez, com 10.418 registros de um total de 207 milhões de paquistaneses, um número que Khan rejeita. Segundo ela, só em Khyber existem 50 mil transexuais.

O professor de Sociologia da Universidade de Peshawar, Jamil Ahmad, concorda com a ativista e não acredita que a nova legislação tire as pessoas trans da "escuridão onde têm que sobreviver" devido à discriminação.

"A lei é um sinal encorajador, mas não mudará muito", comentou o acadêmico, que acrescentou que os transexuais ganharão certa aceitação, mas não oportunidades econômicas ou educativas.

"É um primeiro passo na aceitação de que existem seres humanos diferentes a nós", expressou Ahmad.