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Estudantes de medicina sofrem com assédio sexual na faculdade

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Imagem: Getty Images

Margaret Cronin Fisk

Da Bloomberg

30/04/2019 18h01

Para estudantes de medicina, o caminho para se tornar um médico licenciado é repleto de obstáculos - aulas extenuantes, horas insanas e dívidas de seis dígitos que podem levar décadas para serem quitadas.

Para as mulheres, muitas vezes há mais um desafio: o risco de se tornarem vítimas de assédio sexual. Embora tais problemas possam ocorrer em qualquer ambiente educacional ou profissional, o perigo é significativamente maior quando se trata da formação de médicos nos Estados Unidos. Grande parte disso se deve ao que está em jogo - quase uma década de estudos, oportunidades essenciais de carreira e até mesmo sobrevivência financeira.

A formação médica de pós-graduação segue um modelo de aprendizagem. Os jovens médicos passarão anos trabalhando em estreita colaboração com profissionais médicos experientes - supervisores que exercem enorme influência sobre seu futuro. Um estudo recente da Academia Nacional de Ciências (NAS) revelou que essa dinâmica de ensino deixa os alunos vulneráveis ??ao que a médica Janis Orlowski, diretora de saúde da Associação de Faculdades de Medicina dos EUA (AAMC), chamou de "discrepância de poder".

Essa discrepância, em um campo conhecido por seu isolamento e opacidade, é espelhada em índices de assédio sexual, agressão e represálias que superam de longe outras disciplinas profissionais.

No entanto, algo está mudando. As denúncias de conduta sexual inapropriada no local de trabalho trincaram o baluarte médico. Médicas até adotaram sua própria hashtag, #MeTooMedicine, para compartilhar suas histórias de horror. E em fevereiro, a AAMC, que inclui 152 faculdades de medicina e 400 hospitais para residentes, juntou-se a 50 outros grupos acadêmicos e profissionais para formar o Consórcio de Sociedades sobre Assédio Sexual na STEMM (ciência, tecnologia, engenharia, matemática e medicina). A organização se compromete em desenvolver políticas-modelo que possam ser usadas para prevenir conduta sexual inapropriada.

Mas as vítimas, especialmente aquelas cujas vidas foram afetadas, são menos otimistas em relação a tais promessas. Algumas que apresentaram queixas ou moveram processos por maus-tratos, tanto na faculdade de medicina quanto na residência de pós-graduação, argumentam que há muito mais a ser feito antes que as mulheres possam seguir uma carreira médica livre de medo.

Nos EUA, há mais de 91 mil estudantes de medicina, sendo que 49,5% são mulheres. O custo dos estudos de medicina deixa o estudante médio com uma dívida de cerca de US$ 150 mil depois da graduação.

Pesquisas recentes, incluindo uma realizada pela NAS, citam índices "perturbadoramente" altos de assédio nas faculdades de medicina - para homens e mulheres. O relatório afirma que "entre 20% e 50% das estudantes" disseram ter sofrido "comportamentos de assédio sexual perpetrados por funcionários ou professores". Em um estudo, cerca de metade das estudantes de medicina da Universidade de Penn State relataram ter sofrido assédio sexual por parte de funcionários ou professores. Uma investigação na Universidade do Texas revelou que 47% das estudantes de medicina foram assediadas, contra 22% das estudantes em toda a universidade.

Ambos os estudos foram conduzidos como parte dos esforços de universidades para avaliar a taxa de má conduta sexual, de acordo com as escolas. Citando uma pesquisa nacional de estudantes de medicina em 2018, Orlowski disse que aproximadamente 35% dos entrevistados "experimentaram um comportamento pelo menos uma vez classificado como assédio sexual/de gênero".

Pesquisadores e advogados disseram que a má conduta sexual se intensifica no cenário de pós-graduação. Em fevereiro, uma pesquisa da Universidade da Carolina do Norte com mais de 1.000 cirurgiões descobriu que 58% das mulheres entrevistadas sofreram assédio sexual no ano anterior. As mulheres que estavam em programas de residência tinham duas vezes mais chances de serem vítimas.

Há cerca de 130.000 médicos residentes nos EUA. Seus supervisores são médicos licenciados, professores de medicina com pouca supervisão, que desempenham um papel decisivo no futuro dos residentes, disse a Dra. Reshma Jagsi, professor da Universidade de Michigan. Em seu estudo de 2016 sobre mulheres médicas, cuja maioria trabalhou em pesquisa clínica, ela descobriu que 30% disseram ter sido assediadas sexualmente.

A Associação Médica Americana disse que tem uma "política e prática de longa data de condenação ao assédio sexual, discriminação e má conduta médica", com "tolerância zero para qualquer tipo de assédio". Mas Jagsi afirma que os hospitais não protegem suficientemente as mulheres. Os departamentos de recursos humanos, explicou ela, lidam com os residentes como funcionários, em vez de estudantes. Mesmo os advogados que representam escolas de medicina foram criticados por falta de capacidade de resposta.

Mesmo antes do #MeToo, parte da academia médica começou a lidar com a má conduta sexual. Na Faculdade de Medicina da Universidade de Wisconsin, em Madison, os administradores criaram uma estrutura sem conexão com a escola, onde estudantes ou funcionários podem denunciar irregularidades. Um representante independente trabalha com o aluno sobre como lidar com a alegação, incluindo se deve ir à polícia ou aos administradores, disse a reitora associada Elizabeth Petty.