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O que faz alguns países aceitarem mais os gays que outros?

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Imagem: EPA

Amy Adamczyk - John Jay College de Justiça Criminal

10/07/2019 12h42

Enquanto na Europa e em várias nações desenvolvidas reconhecem casamentos entre pessoas do mesmo sexo, em muitos países, principalmente na Ásia, África e Oriente Médio, homossexualidade não é aceita e é até punida; o que cria essa diferença?

Quando Taiwan se tornou, em maio passado, o primeiro lugar da Ásia a legalizar uniões do mesmo sexo, centenas de casais gays celebraram a decisão se registrando para se casar.

Isso marcou uma mudança significativa na ilha, onde pesquisas indicam que apenas recentemente a maioria da população passou a aprovar relacionamentos de pessoas do mesmo sexo.

Em muitos outros países da região e do mundo também houve essa mudança - muitas vezes rápida - em direção a atitudes mais liberais por parte da população.

Em 2007, por exemplo, apenas um em cada cinco sul-coreanos diziam que a homossexualidade deveria ser aceita. Em 2013, a aceitação dobrou - já eram duas em cada cinco pessoas na Coreia do Sul.

Países como Argentina, Chile, Estados Unidos, Austrália e Índia também registraram uma maior aceitação no período entre 2007 e 2013, de acordo com levantamento feito pelo Centro de Pesquisa Pew, dos EUA.

Mas a igualdade conquistada não tem sido plena. Em Taiwan, o governo autorizou a união homoafetiva, mas não concedeu direitos plenos de adoção de pessoas do mesmo sexo.

Ao mesmo tempo, há países aprovando leis antigays mais duras.

Aceitação - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
Imagem: Reprodução/BBC

No final de maio deste ano, por exemplo, a Suprema Corte do Quênia confirmou uma lei que proíbe o sexo gay. Recentemente, Brunei, na Ásia, determinou que sexo entre homens deveria ser punido com morte por apedrejamento, embora tenha recuado da decisão.

Em Gana, onde sexo gay pode ser punido com prisão, a aceitação da homossexualidade é rejeitada por uma maioria absoluta da população, de acordo com o levantamento feito pelo Centro de Pesquisa Pew. Em 2013, 96% dos entrevistados em Gana diziam acreditar que a sociedade do país não deveria aceitar homossexualidade.

Outra questão é que embora leis e atitudes parecem ter se tornado mais relaxadas em alguns países, a realidade pode ser muito diferente para as comunidades LGBT locais. É o caso do Brasil. O Supremo Tribunal Federal votou em junho de 2019 a criminalização da homofobia e da transfobia, mas fez isto em resposta ao alto número de assassinatos de pessoas LGBT.

Mas por que o apoio a gays e lésbicas varia tanto em todo o mundo?

Estudos sugerem que as razões estão frequentemente ligadas a três fatores: desenvolvimento econômico, democracia e religião.

Uma teoria é que a economia de uma nação molda as atitudes de seu povo - incluindo como as pessoas se sentem em relação aos direitos LGBT.

Muitas vezes, os países mais pobres tendem a ser menos favoráveis, em parte porque os valores culturais tendem a se concentrar mais na sobrevivência básica.

Quando pessoas estão preocupadas com abastecimento de água, comida, moradia e segurança, elas podem ser mais dependentes de outras. Essa dependência tende a promover uma forte fidelidade do grupo - aumentando o apoio a suas normas, incluindo estruturas familiares heterossexuais "tradicionais".

As pessoas que vivem em nações mais ricas, por outro lado, tendem a ter muito mais segurança e acesso a serviços básicos. Como resultado, estão mais propensas a ter liberdade para tomar decisões que lhes convêm e a acreditar na expressão de ideias próprias.

Nem todo mundo em países mais desenvolvidos apoia relações do mesmo sexo, mas os dados indicam que a tendência majoritária é esta.

A democracia também desempenha um papel importante. Em nações democráticas, princípios como igualdade, justiça e direito de manifestação tendem a fazer parte das ações do governo e do dia a dia da população.

Como resultado, pessoas que às vezes são vistas como diferentes, como gays e lésbicas, têm mais chances de serem aceitas.

Mas as pessoas podem precisar de tempo para se adaptar à democracia.

Na comparação com democracias mais antigas, ex-nações comunistas como Eslovênia e Rússia, por exemplo, parecem ser mais lentas em desenvolver atitudes mais tolerantes.

Há ainda o papel da religião.

A Europa Ocidental, com seus níveis relativamente baixos de crença religiosa, tem estado na vanguarda da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Dinamarca, Bélgica, Noruega, Espanha e Suécia estão entre os primeiros países a fazê-lo.

Algumas nações do Oriente Médio e da África, onde o islamismo ou as religiões protestantes conservadoras são mais praticadas, apresentam níveis altos de intolerância a relacionamentos de pessoas do mesmo sexo.

O sexo gay é ilegal em quase metade dos países da África e da Ásia, onde de 60% a 98% das pessoas dizem que a religião é "sempre importante". Esse índice é muito maior do que na Europa, onde o sexo gay é legal em todos os países.

Ainda que nações mais ricas e menos religiosas tendam a ser mais tolerantes, há exceções.

A China, por exemplo, tem baixos níveis de crenças religiosas, mas as pesquisas sugerem que seu povo apoia menos os direitos gays do que seus vizinhos taiuaneses.

Mudança de atitudes

As nações sempre se diferenciaram em termos de desenvolvimento econômico, democracia e religião. Então, por que as atitudes e políticas têm mudado tanto nos últimos 20 anos?

Uma hipótese é que as atitudes mudam à medida que as gerações mais velhas desaparecem e são substituídas por pessoas mais jovens e liberais. Outra possibilidade é pensar que pessoas de faixas etárias diferentes podem mudar seus pontos de vista e algumas pesquisas sugerem que isso está acontecendo.

Nos EUA e em muitos outros países, a cultura popular e a mídia parecem ter desempenhado um papel na rápida liberalização das atitudes.

A partir da década de 1990, começaram a aparecer personagens na televisão gays altamente empáticos - como Will de Will & Grace - ou personalidades como a atriz e apresentadora Ellen DeGeneres.

Ellen e Portia - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Pessoas que não necessariamente conhecem um indivíduo abertamente gay podem ter contato em um sentido virtual, a partir do acesso à cultura popular.

O contato na vida real também é importante, uma vez que é mais difícil não gostar de uma pessoa gay ou lésbica que seja amiga ou parente.

Nos EUA, 22% das pessoas em 1993 disseram que tinham um amigo ou membro da família que era gay ou lésbica. Em 2013, 65% afirmaram o mesmo.

Dessa forma, o movimento de "sair do armário", que encoraja as pessoas a revelarem sua identidade ou orientação sexual ou de gênero, tem sido altamente bem-sucedido.

No entanto, não se pode presumir que todos os países irão, mais cedo ou mais tarde, introduzir leis que sejam mais amigáveis aos gays.

Alguns países ainda encaram ser gay como uma importação ocidental e acreditam que EUA e a Europa estão usando o poder econômico para impor sua vontade sobre eles.

Por exemplo, em 2009, Uganda considerou um projeto de lei que tornaria o sexo gay punível com pena de morte em algumas circunstâncias. Em resposta, várias nações ameaçaram cortar financiamento ao país africano, e o Banco Mundial adiou um empréstimo de US$ 90 milhões.

A Turquia, por sua vez, tem se equilibrado sobre uma linha tênue entre apoiar visões islâmicas conservadoras e adotar políticas apoiadas pela União Europeia (uma vez que o país pleiteia fazer parte do bloco).

Há também o argumento de que a decisão inicial de Brunei de introduzir a pena de morte para o sexo gay seja uma tentativa de atrair turistas e investidores muçulmanos.

Em outros lugares, políticos apoiam leis que restringem direitos de homossexuais para gerar publicidade ou obter apoio público.

Atitudes e políticas de muitas nações mudaram ou estão mudando rumo à aceitação de relacionamentos de pessoas do mesmo sexo. No entanto, simplesmente não dá para dizer que essa é uma tendência que será seguida no mundo inteiro.

Sobre este artigo

Este texto analítico foi encomendado pela BBC News a uma especialista. Amy Adamczyk é professora de Sociologia na Universidade John Jay de Justiça Criminal e dos programas de doutorado em Sociologia e Justiça Criminal do Centro de Pós-Graduação da Universidade da Cidade de Nova York.

Editado por Eleanor Lawrie