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Será que estamos diante do fim do terno?

Cameron Laux - BBC Culture

10/05/2019 08h22

Do 'vestido de smoking' ao terno de pijama de seda, a roupa formal masculina está se transformando - assim como os homens que a vestem.

Recentemente, o banco de investimentos Goldman Sachs tornou-se mais uma das muitas empresas a flexibilizar seu código de vestimenta. Os funcionários do gênero masculino passaram a poder trocar o terno por calça chino e a afrouxar a gravata, desde que "exercitem o bom senso". Será este o começo do fim do tradicional terno e gravata? E, em caso afirmativo, o que isso diz sobre a identidade masculina?

Há muito tempo que o terno é sinônimo de um padrão masculino cavalheiresco, elegante e bem-educado. Historicamente, o cavalheiro era um tipo acima de todos os outros. Mas hoje a palavra "cavalheiro" é tão antiquada quanto o que ela traz a rebote: sapatos de couro brilhante, ternos de três peças e códigos de honra.

O presidente John F. Kennedy, a personificação do cavalheiro e símbolo de "Camelot", usava ternos alinhados, camisas brancas bem passadas e gravatas discretas. Seu penteado curto e para o lado nunca mudou. O visual era inteligente e estereotipado; dava a ideia de que ele prestava atenção aos detalhes. Sim, JFK brilhou. Mas para a maioria dos homens, o terno tem sido apenas um uniforme.

John F Kennedy, de terno impecável, era a personificação de um certo tipo de masculinidade - Getty Images - Getty Images
John F Kennedy, de terno impecável, era a personificação de um certo tipo de masculinidade
Imagem: Getty Images

Em 1957, o desgaste do padrão já dava seus sinais: a revista de moda masculina Gentleman's Quarterly, mudou seu nome para GQ em meio aos constantes ataques à tradição masculina.

Na década de 1960, as pressões se intensificaram. Pense na cor, no padrão e na disposição em camadas anárquicas do visual hippie - representações da liberdade de expressão do momento e um desafio ao terno cinza e a tudo o que ele significava. A calça jeans tornou-se popular e, a partir do conforto, estilo fácil e preço acessível dos jeans foi um pulo para a revolução do streetwear atual.

Ternos do Oscar

Corta para o Oscar no final de fevereiro de 2019. Muitos homens aparecem em ternos, mas há variações ousadas na cor e no corte. Chadwick Boseman, uma das estrelas do filme de super-heróis Pantera Negra, apareceu com uma roupa chamativa (de alta costura da Givenchy) que lembrava mais um vestido do que um terno.

O mais impressionante, Billy Porter, o astro da série de TV Pose que trata da cena polissexual de Nova York nos anos 1980, usava uma peça de Christian Siriano na qual um vestido volumoso fundia-se em uma jaqueta de smoking da cintura para cima. Como passamos do terno de negócio multiuso para o homem multiuso e, agora, para isso?

Pare de discutir o que é ser um cavalheiro: estamos agora no momento de debater o que é ser um homem, e talvez mais importante, que tipo de pessoa é um homem. "Ele" está se tornando uma consideração menos importante do que "eu" e "nós": as muitas comunidades às quais pertencemos definem quem somos e "o homem" é apenas uma delas.

O que nos leva à mais recente transformação da revista americana GQ. No início de 2019, Will Welch, ex-diretor de criação da GQ, foi nomeado seu editor-chefe com o objetivo de modernizar a publicação.

No Oscar de 2019, o ator Chadwick Boseman usou um smoking muito adornado com uma longa cauda de alta costura da Givenchy - Getty Images - Getty Images
No Oscar de 2019, o ator Chadwick Boseman usou um smoking muito adornado com uma longa cauda de alta costura da Givenchy
Imagem: Getty Images

Há algum tempo, a mídia impressa vem lutando contra a explosão da mídia online. Os problemas da GQ foram agravados pelo fato de que seu público-alvo é agora as gerações millenial e pós-millenial (ou seja, pessoas com menos de 40 anos). Este é um grupo difícil de atingir e que odeia ser público-alvo; e cuja definição de "homem" está borrada (a revista "de cavalheiros" para a revista "masculina" para... o quê?). Welch parece ter uma tarefa impossível em suas mãos.

A "Carta do Editor" de seu primeiro número (publicado em fevereiro de 2019) veio acompanhada por uma foto na qual ele está sentado de pernas cruzadas no chão, usando tênis desamarrados e uma camisa casual desabotoada com uma camiseta por baixo. Seu cabelo está partido para o lado, mas sua mão tem duas tatuagens. Algo me diz que não estamos mais em Camelot.

Qualquer coisa serve

A foto introdutória é a declaração de intenções em uma revista que costumava dedicar espaços generosos à largura da gravata e a lenços de bolso. "Eu não sinto nenhuma pressão para viver submetido à ideia de alguém sobre como o editor da GQ deve se vestir", disse Welch.

"Minha versão da GQ tem relação com se conhecer e confiar em si próprio e com aprender a ser o seu melhor em vez de aspirar a um ideal imaginário, ou a usar um estilo específico de camisa".

Em toda a edição da revista, há poucos ternos, e o mais conservador deles é usado sem meias. O resto é de pessoas criando o próprio estilo - Frank Ocean, St Vincent, John Mayer e James Baldwin entre eles.

Parece que um novo percurso está sendo trilhado. Como Welch comenta: "A erosão de binários homem-mulher, feminino-masculino, preto-branco e assim por diante é boa para a cultura e a sociedade. Isso significa que podemos manter nossos cérebros funcionando e nossos corações abertos. Significa que reconhecemos e respeitamos a dignidade e a singularidade do indivíduo".

Outra boa referência é o varejista online de roupas masculinas Mr Porter. Um efeito óbvio de os homens pensarem com mais profundidade sobre quem são, e como querem ser, é o crescimento do mercado de roupas masculinas. Uma rápida pesquisa em sites como o do Mr Porter dá uma noção da vasta gama de roupas e acessórios disponíveis - e apenas uma minoria dos itens são ternos.

Ainda assim, a costura de marcas de luxo como Tom Ford e Ermenegildo Zegna permanece central no Mr Porter, de acordo com sua diretora de compras, Fiona Firth: "Sem dúvida, em uma época em que o streetwear se torna mainstream e homens se vestem mais casualmente, a costura tradicional perde relevância. Dito isto, a alfaiataria sempre manterá sua importância, pois sempre haverá uma ocasião na vida de um homem para um terno - seja um casamento, um evento corporativo e, para muitos ainda, o escritório".

Ezra Koenig, veste Maverick no prêmio GQ Homem do Ano - Getty Images - Getty Images
Ezra Koenig, veste Maverick no prêmio GQ Homem do Ano
Imagem: Getty Images

Mas Firth comenta que isto vem mudando: "O terno adota uma abordagem casual e descontraída à medida que os homens o usam para aderir a estilos mais modernos. O terno sempre terá um futuro, ele simplesmente vai se adaptar ao estilo de vida em constante mudança do homem".

Na lista dos oito homens mais bem vestidos do prêmio Mr Porter do ano passado, três usaram ternos. Apenas um deles, o príncipe Charles, vestia uma versão tradicional, como se poderia esperar. Além disso, os agraciados eram de etnias variadas e tinham um estilo próprio.

Na edição deste ano, os homens mais bem vestidos da temporada foram mais discretos, mas ficou claro que eles pensam bastante em como se vestem. Quatro dos oito usavam terno. De novo, Chadwick Boseman chamou atenção com seu terno rosa.

Na Semana da Moda de Londres, o jogador de futebol Héctor Bellerínis vestiu pijamas de seda e pantufas felpudas da Gucci. E pareceu totalmente blasé sobre isso.

Na Semana da Moda de Londres, o jogador de futebol Héctor Bellerín vestiu pijamas de seda e pantufas peludas da Gucci - Getty Images - Getty Images
Na Semana da Moda de Londres, o jogador de futebol Héctor Bellerín vestiu pijamas de seda e pantufas peludas da Gucci
Imagem: Getty Images

Pode-se dizer também que, assim como os homens que o usam, o terno está mudando. Vestir um terno significava obedecer a protocolos rígidos, mas agora parece que tudo é possível. Ternos são combinados com tênis, por exemplo, e têm uma variedade de tons, incluindo roxo e rosa pastel. Ele estão sendo absorvidos por uma linguagem da moda mais ampla e complexa.

Como observa Welch, "quando estou em Los Angeles, Nova York, Londres ou Paris, o que vejo é que tudo é relevante ao mesmo tempo. Você pode usar um terno ou tênis de edição limitada. Você pode usar um estilo dos anos 1960, 1970, 1980 ou 1990. A mesma pessoa pode se vestir um pouco formal, punk, mod, disco, hip-hop ou meio hippie em uma semana. Isso é o que torna o momento atual realmente único".

Em relação ao está acontecendo com a identidade humana, vivemos momentos emocionantes. A cultura masculina que deu origem à disciplina rigorosa do terno pode estar morrendo, mas algo está tomando forma. O terno cinza ou preto sempre será um clássico. Estou ansiosa para o momento em que o "vestido de smoking" seja um clássico também.