Topo

"Eu me divorciei aos 27 anos e os homens da minha religião me rejeitam"

BBC
Imagem: BBC

Minreet Kaur

Da BBC

19/03/2019 14h29

Ao 27 anos de idade, Minreet Kaur se casou com um homem que conheceu por meio do serviço matromonial de um templo da religião sikh em Londres. A relação transformou-se em um pesadelo e, após um ano, ela se divorciou e voltou para a casa dos pais. Passada uma década, ela tem a esperança de encontrar um novo marido, mas, em sua busca por um relacionamento, chegou a uma conclusão: a maioria dos homens sikh não querem se casar com uma mulher divorciada. Esta é sua história.

"Se você se divorciar de mim, nunca mais se casará", gritou meu marido antes de eu abandoná-lo.

Ele disse isso para me ferir, mas sabia que poderia se tornar verdade - e eu também. O divórcio é algo vergonhoso na comunidade sikh, especialmente para as mulheres.

Eu mesma pensei desta forma. Eu me sentia suja e usada. Como poderia olhar para outro homem quando sabia que ele me consideraria um "produto gasto"?

E outras pessoas reforçavam esse sentimento. Minha avó em Londres me disse que eu deveria ter me esforçado mais em meu casamento, mesmo depois de saber o que havia acontecido.

A família de meu pai na Índia também deixou bem clara sua decepção. Eu havia voltado para a casa dos meus pais, e isso era uma desonra para eles. Meus pais me apoiaram 100%, mas eu senti que os havia decepcionado.

Durante cinco anos, eu praticamente não saí de casa, mas, em 2013, comecei a buscar um novo relacionamento. Quando perguntava às pessoas se elas podiam me ajudar a encontrar um homem adequado para mim, as respostas eram sempre positivas.

Primeiro, vinham as perguntas habituais sobre minha idade, onde vivia e com o que havia trabalhado, mas, no momento em que comentava que era divorciada, a expressão em seus rostos mudava. Era um olhar que dizia "não podemos te ajudar". "Nós te avisaremos se soubermos de alguma coisa", falavam.

'Os homens divorciados são os únicos adequados para você'

Meu casamento foi de certa forma arranjado. As pessoas me diziam que estava ficando velha demais e me pressionavam a casar, por isso, pedi a um templo em Londres que me apresentasse a alguém.

Depois de meu divórcio, quando comecei a buscar um novo marido, fui a outro templo para me registrar em seu livro matrimonial. Sabia que só me apresentariam a pessoas da mesma casta, ainda que isso não fosse importante para mim.

O que eu não sabia é que, por ser divorciada, só me apresentariam a homens que também haviam se divorciado. Quando o voluntário olhou o formulário que eu havia preenchido, ele me disse: "Aqui há dois homens divorciados, eles são os únicos adequados para você".

Mas, em ao menos dois templos, eu havia visto homens divorciados serem apresentados a mulheres que não haviam se casado antes.

Por que, então, mulheres divorciadas não podiam ser apresentadas a homens que nunca haviam se casado? É como se os homens nunca fossem responsáveis por um divórcio. A culpa é sempre das mulheres.

E, quando pedi ao responsável pelo serviço matrimonial que me explicasse isso, ele disse que não havia sido uma decisão sua - eram os homens em busca de uma noiva e seus pais que diziam não querer uma divorciada.

"Eles não vão aceitar uma divorciada, porque isso não deveria acontecer na comunidade sikh entre quem segue a religião", disse.

Divórcio não é uma questão tão importante para os jovens

Mas é um fato que os sikh se divorciam, sim. Segundo os registros de 2018, 4% dos sikh do Reino Unido são divorciados e 1% são separados. Mas tenho certeza de que muitos divorciados dizem que são solteiros por causa deste tabu.

Isso mudará conforme ocorrerem mais divórcios. Há jovens que me disseram que não é uma questão importante para eles, mas, em minha geração, há pessoas que têm uma irmã ou filha divorciada e, mesmo assim, seguem julgando quem não é da sua família.

Este é o mesmo tipo de gente que me diz hoje que sou muito velha para ter filhos e que será muito difícil encontrar alguém com quem me relacionar agora, porque é tarde mais para isso.

"Deveria encontrar uma pessoa qualquer e se casar", me dizem.

Com 38 anos de idade, não sou velha demais para ter filhos. Isso é apenas mais um preconceito.

Quando minha mãe perguntou a um dos filhos de uma amiga se ele conhecia alguém para mim, ele nos disse que eu sou como um "carro batido".

Sei que facilito minha vida ao buscar não apenas um homem sikh, mas um que use turbante. Há mais de 22 mil sikhs na região do meu templo, então, provavelmente 11 mil são homens. Apenas uma pequena parte deles está na faixa etária adequada e não estão casados - e muitos destes não usam turbante.

Mas, para mim, usar um turbante é importante, assim como a fé sikh, que diz que homens e mulheres são iguais e não deveriam julgar uns aos outros.

Não me interessam homens que só estão em busca de diversão, mas também não quero aqueles que buscam uma empregada e não uma esposa e perguntam "você sabe cozinhar?" no primeiro encontro. Sou uma pessoa independente que deseja ter um parceiro.

No mês passado, fui apresentada a um homem por um amigo. E a história se repetiu. Ele disse que não estava interessado em uma divorciada. Estava na casa dos 40 anos e esperava encontrar uma mulher que não tivesse um passado amoroso.

Depois de conhecer cerca de 40 homens diferentes nos últimos dez anos, comecei a considerar a possibilidade de que meu parceiro venha a ser um homem sikh que não use turbante ou mesmo um que não seja sikh. Algumas amigas deram esse passo.

Ao contar minha história, espero que ajude a acabar de vez com esse estigma que existe sobre as mulheres divorciadas e anime outras a falar sobre o assunto.

Se há mulheres presas em casamentos abusivos só pelo tabu do divórcio, insisto que elas devem deixar seus maridos. Somos seres humanos e merecemos ser tratadas como tais.