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Por que a dor e a falta de prazer fazem parte da vida sexual de tantas mulheres?

O sexo pode ser uma experiência dolorosa para muitas mulheres - REBECCA HENDIN/BBC THREE
O sexo pode ser uma experiência dolorosa para muitas mulheres Imagem: REBECCA HENDIN/BBC THREE

05/04/2018 17h01

Nas aulas de educação sexual na minha escola, parecia clara a mensagem que tentavam passar: se você for mulher, vai sentir dor durante as relações sexuais.

Essa ideia de que nós deveríamos nos preparar para o desconforto nas relações sexuais fez com que muitas mulheres acreditassem que sentir alguma dor durante o sexo faz parte do pacote - não é algo que ocorre só na primeira vez.

Ninguém nos contou que havia a possibilidade de o sexo ser, na verdade, prazeroso e sem sofrimento.

'Simplesmente aceitei a dor'

"Eu não tinha ideia de que o sexo pudesse ser qualquer coisa que não sinônimo de dor", relatou Jess, de 24 anos.

"Eu estava tão tensa que dificilmente alguém conseguiria entrar em mim, e isso me deixava muito retraída. Eu achava que o clitóris era algo que você tocava por alguns segundos e aí já tinha um orgasmo. Mas isso não era suficiente para que eu chegasse ao clímax, então achava que eu tinha algum problema. Tinham me dito que uma relação sexual poderia ter dor, então eu simplesmente aceitei isso e todo esse desconforto", contou.

Mas no ano passado, graças a um namorado que Jess define como "generoso" e que gostava bastante das preliminares, a jovem britânica descobriu que a dor não era algo inerente a todas as relações sexuais.

"Eu vi que isso era uma mentira", disse à BBC.

Razões médicas, psicológicas ou sociais

A youtuber Hannah Wilton faz parte de um grupo de mulheres de vinte e poucos anos que está utilizando um canal na plataforma de vídeos para proporcionar uma conversa aberta sobre a sexualidade feminina.

"O motivo pelo qual muitas mulheres têm relações sexuais com dor é porque não nos ensinam a viver nossa sexualidade de outra forma", afirma.
Ela ressalta que, em certas circunstâncias, a dor durante o sexo pode ser sintoma de algo mais grave.

"A dor na vagina pode ser causada por problemas como candidíase (uma infecção provocada por um fungo), por alguma outra doença sexualmente transmissível ou por vaginismo, uma condição pela qual os músculos próximos à vagina se contraem com força, por irritação ou pelo contato com a borracha das camisinhas ou pelo sabão, explicou Swati Jha, porta-voz do Colégio de Obstetras e Ginecologistas do Reino Unido (RCGOC, na sigla em inglês).

Segundo ela, a dor que a mulher sente no sexo pode ser consequência de "uma doença inflamatória na pélvis, de endometriose, de algum mioma ou de síndrome do intestino irritável". Jha aconselha a qualquer mulher que se preocupe com dores durante ou depois das relações sexuais que consulte um médico especialista para entender o que pode estar acontecendo.

Mas não existem apenas razões médicas para a dor durante o sexo. Para Kirstin Mitchell, médica e pesquisadora da Universidade de Glasgow, na Escócia, existem diversas razões psicológicas e sociais para que esse momento seja dolorido para algumas mulheres.

Ela é responsável por um estudo em 2017 que identificou que quase 10% das mulheres sexualmente ativas do Reino Unido entre 16 e 24 anos sentiam dores "sistemáticas" durante as relações sexuais - os autores da pesquisa definiram "sistemáticas" como as dores "sentidas durante o sexo durante três meses ou mais".

Direito ao prazer

"Tinham me dito que uma relação sexual poderia ter dor, então eu simplesmente aceitei isso", disse Jess - REBECCA HENDIN/BBC THREE - REBECCA HENDIN/BBC THREE
"Tinham me dito que uma relação sexual poderia ter dor, então eu simplesmente aceitei isso", disse Jess
Imagem: REBECCA HENDIN/BBC THREE

"Se uma mulher não tem o tipo de relação sexual que gostaria de ter, se ela não está excitada, se não tem confiança em si mesma para falar do que gosta ou do que não gosta, então o sexo pode ser mesmo doloroso", explicou Mitchell.

Na opinião da especialista, é comum as mulheres não sentirem que têm "direito ao prazer" como os homens têm. Às vezes, elas sentem dor nas relações sexuais e acreditam que simplesmente "é assim para as mulheres".

Em outro estudo sobre o tema chamado A Critical Analysis of Sexual Satisfaction (Uma análise crítica sobre satisfação sexual, em tradução literal), a pesquisadora Sara McClelland, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, pediu a homens e mulheres que descrevessem o que significava para eles uma "baixa satisfação sexual".

Enquanto os homens falaram sobre aspectos como "tédio ou indiferença" de suas parceiras sexuais, as mulheres com frequência mencionavam a "dor".

Um problema de comunicação?

Kim Loliya passou a vida sentindo dor durante o sexo. Agora, porém, ela lidera uma campanha para reivindicar o direito das mulheres ao prazer e trabalha como editora da revista online Sex+zine, além de ter sido fundadora de um serviço de educação sexual em Londres.

Loliya acredita que o incômodo das mulheres durante a relação sexual não é necessariamente consequência de um problema físico, mas sim de um problema verbal.

"As mulheres sentem que não podem dizer quando sentem dor durante o sexo. Elas aprendem na sociedade que as mulheres são para serem 'olhadas', não 'ouvidas'", afirmou Loliya.

"Quando sentem dor, muitas vezes as mulheres acreditam que são elas que estão com algum problema e elas têm medo de que isso possa afetar seus parceiros. Elas se sentem culpadas e com vergonha dessa dor. E não se dão conta de que o que causa essa dor é a insegurança sobre seu corpo", explicou.

Para reconstruir essa sensação de conforto e segurança, a especialista Mitchell aconselha as mulheres a voltarem um passo para trás.
"As relações sexuais não precisam ser só com penetração. Se você sente prazer estimulando o clitóris com os dedos, faça isso. No sexo, é preciso ir devagar, passo a passo, gradualmente, um escutando o outro".

Desinformação nos filmes

"A única representação que muita gente tem sobre sexo é o que se vê nos filmes pornôs ou nas obras de Hollywood", disse Hannah Witton - REBECCA HENDIN/BBC THREE - REBECCA HENDIN/BBC THREE
Imagem: REBECCA HENDIN/BBC THREE

Outro problema apontado pelas especialistas são as informações que chegam até as mulheres sobre como o sexo deve ser. Os filmes, por exemplo, mostram um tipo de relação sexual que não mostra exatamente essa "evolução gradual" nos carinhos.

"A única representação que muita gente tem sobre a lógica do sexo é o que se vê nos filmes pornôs ou nas obras de Hollywood", disse Hannah Witton, a youtuber que fala abertamente sobre sexo nas redes sociais.

"Nos dois casos, as mulheres estão sempre prontas (para a penetração), desde o primeiro momento. A realidade das relações sexuais não está ali: a troca de carícias, as preliminares, como é algo que começa suave para depois ficar intenso. E não mostram também os lubrificantes - o que, inclusive, pode ser algo muito erótico", comentou Witton.

Segundo Lydia, uma britânica de 21 anos, existe um estigma de que o lubrificante serve apenas para o sexo anal, mas utilizá-lo pode mudar completamente sua vida sexual.

"Antes, eu sentia dor nas relações sexuais, sentia tensão, irritação e só queria que elas acabassem logo. O lubrificante mudou completamente essa percepção", contou.

Claire, de 24 anos, disse à BBC que começou a sentir menos dor quando assumiu mais o controle em suas relações sexuais.

"Agora nos beijamos mais, brincamos mais antes da penetração para garantir que eu esteja super relaxada. Depois, sou eu que dito o ritmo da penetração. Isso funciona melhor do que pedir para meu parceiro ir mais devagar, porque ele faz isso três vezes, depois se esquece", disse.
Segundo Kim Loliya, uma das coisas que é preciso deixar de lado é a ideia de que a excitação feminina é mais "complicada" ou que "dá muito trabalho". "São ideias que ainda persistem em nossa cultura".

"Ainda se tem o pensamento de que aquilo que é prazeroso para o homem deve ser também prazeroso para a mulher. Mas não é necessariamente assim que acontece, como muitas mulheres podem falar. E já está na hora de aceitarmos isso", afirmou a editora e educadora do Instituto do Prazer, em Londres.