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'Wax': tecido colorido cheio de atitude que conquista as passarelas

Mulheres visitam exposição sobre o tecido wax, em Abdijan (Costa do Marfim) - AFP
Mulheres visitam exposição sobre o tecido wax, em Abdijan (Costa do Marfim) Imagem: AFP

04/06/2019 14h11

Inspirado no batique indonésio, industrializado na Europa, adotado na África e transformado no símbolo de um mundo misturado, o tecido wax, colorido e estampado com mensagens e muito humor conquista até a Alta-costura.

"É um tecido comprometido. Usar wax é sempre uma mensagem. A história social da África é contada através do desenho [...], é uma maneira de entender as sociedades", explica em entrevista à AFP a antropóloga Anne Grosfilley, que acaba de publicar na França o livro "Wax. 500 tissus" e de colaborar com um desfile da maison Dior.

Usando o desenho do alfabeto, por exemplo, esse tecido colorido conta a história colonial. "Naquela época se usava o alfabeto para demostrar que faziam parte da nova geração de pessoas letradas. Hoje isso pode ser também uma forma de reivindicação: com a influência do Boko Haram as meninas não têm acesso à escola", diz Anne Grosfilley, que estuda há 25 anos a moda africana e a história do wax.

Unhas e bolsa

As mulheres africanas utilizam os desenhos estampados no tecido wax "como meio de comunicação não verbal". A estampa "As unhas de Madame Thérèse" presta homenagem à esposa do primeiro presidente da Costa do Marfim, que teria prometido desfigurar com suas próprias mãos a suposta amante de seu marido.

A estampa "desvalorização", com cédulas de francos CFA, teve um apelo particular a partir de 1994, após a decisão do Banco da França de dividir por dois o valor dessa moeda de câmbio vigente em 14 países da África. As mulheres africanas usavam tecidos com essas estampas para mostrar que se sentiam depreciadas e desvalorizadas como pessoas.

Entre o último sucesso de vendas está o wax "Bolsa de Michelle Obama" que reproduz uma peça de luxo em couro utilizada pela admirada ex-Primeira-Dama dos Estados Unidos.

O tecido através do qual as mulheres expressam suas esperanças e sua raiva interessou a diretora artística da Dior, a italiana Maria Grazia Chiuri, uma feminista comprometida que incluiu as peças em abril no desfile da coleção cruzeiro da Dior em Marrakech (Marrocos).

Dior e ateliê de refugiados

A estampa de pássaros em pelo voo, inspirada nos tecidos usados pela cantora e militante política sul-africana Miriam Makeba, foi uma das desfiladas na passarela da Dior.

"A ideia era não trabalhar com desenhos pré-existentes", explica Anne Grosfilley, que visitou junto com Maria Grazia Chiuri a fábrica Uniwax em Abidjan, "a única que tem perfeita rastreabilidade africana: algodão cultivado na África, fiado e tecido em Benin e impresso na Costa do Marfim".

Ainda que os estilistas franceses Jean Paul Gaultier e Agnès B, além da marca britânica Burberry, terem utilizado wax em suas coleções, a aproximação da Dior "é única".

"É a primeira vez que se trabalha com o wax feito na África, com os africanos criando novos desenhos reinterpretando os códigos Dior", diz a antropóloga. "Um tecido considerado africano é tão luxuoso quanto outros materiais de luxo italianos ou franceses utilizados pela maison Dior".

Preocupada em evitar cair na armadilha da apropriação cultural, Maria Grazia Chiuri abriu seu desfile nas ruínas de um antigo palácio de Marrakech com uma criação assinada pelo estilista africano Pathé'O, que voltou a colocar o wax na moda na África no final dos anos 1980.

Como não é originário da África e não está ancorado em nenhum país em particular, o wax tem "uma força pan-africana. Todos os africanos, os afrodescendentes e as diásporas se reconhecem nele" e estrelas como Beyoncé e Rihanna já o usaram.

O verdadeiro tecido wax, estampado com cera, com "suas perfeitas imperfeições, que não tem lado direito ou avesso" representa apenas 5% de um mercado inundado de cópias fabricadas na Ásia.

"Verdadeiro ou falso, as pessoas sempre querem dizer algo com o wax", diz a antropóloga, usando um casaco com forro de wax confeccionado por imigrantes à espera de regularização no ateliê "Talking Hands", na cidade italiana de Treviso.