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"Gregoriana", a universidade que forma um batalhão contra abusos sexuais

Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma - Pontifícia Universidade Gregoriana/Divulgação
Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma Imagem: Pontifícia Universidade Gregoriana/Divulgação

Da AFP, em Roma

14/02/2019 10h19

"Existem tantas crianças que sofreram abusos sexuais", reconhece Vincent Moba, sacerdote da Zâmbia que recebeu, nesta quarta-feira (13), em Roma, o diploma de "protetor da infância" da renomada Pontifícia Universidade Gregoriana, o ateneu dos jesuítas.

Depois de ter participado durante cinco meses de um curso interdisciplinar no Centro para a Proteção de Menores, o sacerdote africano, de 47 anos, começou a fazer parte de uma rede internacional de especialistas na luta contra no abuso sexual em todo os estratos da sociedade, incluindo a Igreja.

O ciclo de estudos foi coordenado pelo padre jesuíta alemão Hans Zollner, psicólogo e psicoterapeuta, um dos maiores especialistas no tema, que formou nos últimos quatro anos 80 estudantes, entre sacerdotes, freiras e leigos.

Os graduados nesta quarta-feira provêm de 13 países, entre eles África do Sul, Quênia, Índia e Tailândia.

Seis deles aplicarão para obter um mestrado que combina Psicologia, Psiquiatria, Direito, Sociologia e Teologia.

A experiência de Zollner é fundamental porque aparece entre os principais relatores da cúpula que será realizada no final de fevereiro no Vaticano, a pedido do papa Francisco, com todos os presidentes das conferências episcopais do mundo.

Uma reunião inédita para refletir abertamente sobre a proteção dos menores no seio da Igreja.

"Aprendi coisas muito importantes neste curso que compartilharei com os outros", explicou padre Moba, decidido a falar sobre esse delicado tema com seus compatriotas.

"Acabar com isso"

"Algumas pessoas acham que se dormirem com um menor de idade vão se curar da aids, ou que se tornarão ricas. São crenças que estão destruindo nossa cultura", explicou o sacerdote africano, enviado a Roma por sua congregação religiosa para participar da cruzada mundial da Igreja contra o abuso de menores.

Outra diplomada ouve atentamente as apresentações de seus companheiros de classe, em particular as das asiáticas e dos africanos.

Trata-se da freira tcheca Martina Vintrova, especializada em Direito Canônico, que trabalha em um tribunal eclesiástico.

"Várias vítimas de abuso sexual por religiosos me procuraram, talvez por eu ser mulher e por minha graduação em Direito Canônico. Quando comecei a ajudá-las, percebi que precisava de uma formação mais completa", confessou.

"Dez vítimas já me contactaram. Depois de ouvi-las, entendi que há muitas mais. As pessoas, os padres e bispos acham que não é um grande problema, mas acredito que um novo escândalo está prestes a explodir", afirma.

Após o curso garante que aprendeu a "conversar mais facilmente com as vítimas e a escolher as palavras certas", afirma.

"É que devemos fazer de tudo para deter isso!", clama.

"Tabu"

O curso combina teoria e prática, segundo explicou o padre Hans Zollner e inclui aulas de Psicologia para identificar as condutas que revelam que uma pessoa foi vítima no passado de abuso sexual.

"Sabemos que ocorreram abusos em todo o mundo e por isso precisamos de especialistas nesse campo. De maneira que africanos falem com africanos, asiáticos com asiáticos, e assim por diante. Que saibamos falar com todos das condutas sexuais repreensíveis", explicou.

O padre Zollner costuma ser convidado em todo o mundo para falar sobre o fenômeno. "As coisas estão mudando, visitei 60 países em todos os continentes para falar sobre isso", reconheceu.

"Estive na Malásia, um destino impensável há dois anos", afirmou satisfeito.

Apesar disso, trata-se sempre de uma tarefa difícil e dolorosa.

"Em uma cultura budista como a de Mianmar ou em uma sociedade confucionista como a da Coreia do Sul, falar sobre sexualidade ainda é um tabu. Assim como em alguns setores da Igreja Católica", admitiu.