Palmirinha a todo vapor

Cozinheira fatura R$ 85 mil por mês, quase foi vendida pela mãe, apanhava do marido e volta à TV em reality

Luiza Souto Da Universa
Lucas Lima/Universa

Palmira Nery da Silva Onofre é Palmirinha desde que apareceu no programa da apresentadora Ana Maria Braga, na TV Record, em 1993. Aos 87 anos, ela é a mais nova contratada do GNT, abrirá seu segundo café em dezembro --um ano após a primeira unidade inaugurada na disputada Avenida Paulista, em São Paulo--, e fatura com um site de receitas de bolos caseiros que faz com uma das netas.

Ela se emociona enquanto enumera as recentes atividades que lhe rendem, aproximadamente, R$ 85 mil mensais. “Passei por tanta coisa ruim na vida que não consigo enxergar o que o povo fala que eu sou”, diz, levando as mãos aos olhos para secar o choro.

Entre as receitas amargas da vida, Palmirinha foi adotada por uma francesa, aos 6 anos, escapando das agressões da mãe biológica; encarou o abandono do primeiro (e único) amor e sofreu com a brutalidade do marido. Mas, com o dinheiro que ganhou cozinhando, formou as três filhas e fez um pé de meia que lhe garante não precisar de ninguém. "Estou no auge", celebra, agarrando um pingente da Nossa Senhora Aparecida pendurado no pescoço.

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Veja a entrevista completa no Youtube

Nascida em Bauru, a terceira filha da imigrante italiana Anna e do comerciante baiano Felipe Nery, dono do primeiro hotel da cidade --o Hotel São Paulo-- subia em um banquinho para alcançar o fogão à lenha da mãe. “Ela fritava o lagarto nas panelas de ferro e eu ia mexendo”.

As agressões constantes sofridas pela mãe, no entanto, fizeram o pai de Palmirinha doá-la aos seis anos para uma francesa viúva, Georgette Deliè, dona de uma agência de domésticas. As duas foram para São Paulo, onde Palmirinha aprendeu as mais variadas receitas. “A cozinha te ajuda a esquecer uma tristeza”, diz.

O pai de Palmirinha morreu antes de a filha completar 14 anos. A mãe biológica foi atrás dela para pegar o dinheiro de uma poupança que a francesa depositava para a menina. A italiana denunciou a imigrante por rapto e condição ilegal no país. Para evitar mais problemas, Gorette devolveu Palmirinha à família de origem.

Um dia, encontrou um fazendeiro em sua cama: ela estava seminua, preparando-se para o banho. Foi socorrida por uma tia, após pedir ajuda aos gritos. O homem contou porque estava ali: a mãe havia vendido Palmirinha para ele, por cinco mil réis. A história está em sua autobiografia: "A Receita da Minha Vida" (ed. Benvirá). “Gostaria de não falar sobre isso”, diz, encolhendo-se na poltrona. “A raiva mata. Já perdoei".

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"Ganho razoavelmente bem"

Palmirinha chegou no estúdio da TV UOL com biscoitos amanteigados para presentear a equipe. Fez o mesmo gesto quando participou do programa da Silvia Poppovic, na TV Bandeirantes, em 1993. Naquela época, foi convidada para falar sobre criação solo das três filhas --levou uma cestinha de empadas. Dias depois, Ana Maria Braga a convidou para o programa “Note e Anote”, da TV Record.

Depois das primeiras aparições na TV, Palmirinha acabou contratada por uma: passou 11 anos na Gazeta e três no grupo Fox. Os trabalhos rendem a ela, hoje, um ganho mensal médio de R$ 85 mil, juntando com comerciais que faz.

"É mais ou menos isso que eu recebo. Não sou nenhuma Ana Maria Braga, mas ganho razoavelmente bem. Dá para sobreviver. Fiz meu pezinho de meia. Rica, não estou, mas tenho um dinheirinho para viver minha velhice bem, sem precisar das minhas filhas. Consegui comprar meu apartamento, pequenininho, mas meu". O imóvel fica na Chácara Klabin, zona Sul de São Paulo, e tem 194 m². Uma unidade no prédio é vendida por R$ 1,8 milhão.

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"Não sou nenhuma Ana Maria Braga, mas ganho razoavelmente bem"

Palmirinha

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"Perdoei meu marido"

Palmirinha casou-se aos 19 anos com Carlos Onofre, dono de uma oficina mecânica, na Igreja Nossa Senhora Aparecida, em Bauru (SP). A santa enfeita o cordão que ela usa no pescoço e que beija quando agradece suas conquistas. Tiveram Tânia, Sandra e Nancy. O combinado era: ela cuidar da casa e bancar a comida e ele pagar o aluguel. Soube que a promessa não foi cumprida quando veio a ação de despejo. "Cortavam a luz, a água, passei muita fome". 

Por anos, sofreu agressões físicas. Carlos bebia e tinha amantes. No dia em que casaram, três delas apareceram na porta da casa de Palmirinha. Ela também foi agredida na rua: enquanto trabalhava, foi agarrada por um oficial de Justiça. Fugiu e acabou na delegacia, acusada de roubo, mas conseguiu comprovar sua inocência em seguida.

“É uma covardia do homem que bate em uma mulher, principalmente quando se tem filho. Elas sabiam das agressões, mas nunca presenciaram. Aguentei muito tempo, mas, quando a minha segunda filha casou, pus ele para fora. Ele já tinha outra mulher. Mesmo assim, me perseguia”.

Carlos foi diagnosticado com câncer na boca anos mais tarde. Foi abandonado pela amante, na época. Palmirinha preparava a comida para ele, que era levada pelas filhas. A cozinheira lavava a roupa dele e pagava uma cuidadora. Carlos morreu em 1986, após pedir desculpas. “Perdoei. Ele foi em paz”.

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Fica! Tem bolo, café e dicas

No menu de Palmirinha faltava uma casa de chá, onde ela pudesse vender seus bolos e salgados. Há três anos, os sócios Gustavo Quattrone e Sérgio Chamma digeriram bem a ideia, investiram R$ 250 mil em um espaço de 40 m² na Av. Paulista e, em dezembro de 2017, inauguraram a primeira unidade da “Casa Vovó Palmirinha”, ao lado do Masp --endereço cobiçado de São Paulo.

O sucesso do público, de 7,5 mil pessoas por mês, faturamento de R$ 115 mil e lucro de 22% mensais --quando a média no mercado é de 15%-- são indícios de que a segunda unidade, no Shopping Center 3, na mesma avenida, pode render bons frutos. A ideia é ter dez casas em três anos. "Pesquisas já nos mostraram que a Palmirinha não tem rejeição", diz Quattrone. 

Outra novidade: em setembro, Palmirinha estreou o curso on-line “Fica, vai ter bolo!”, ao lado da neta, Adriana. É ela, aliás, quem fornece os bolos para o café da Paulista. Por 12 parcelas de R$ 19,78, o internauta tem direito a dez aulas, e-book com as receitas, livro e um avental. "Não aprende quem não tem vontade”, diz Palmirinha. Desde o lançamento, foram mais de 500 inscrições e 200 mil acessos.

Ano que vem, Palmirinha voltará à TV no reality culinário “Chef ao Pé do Ouvido”, do GNT. O programa já está gravado e ela entrará por videoconferência comentando pratos e dando dicas. A cozinheira está longe dos estúdios desde a demissão da Fox  Life, em 2015. “Quando me chamaram, perguntei: ‘O quê? GNT? Não estão enganados?".

Meus chefs favoritos

As referências na cozinha para Palmirinha foram sua mãe, que lhe ensinou a fazer pão, leite condensado, queijo, entre outras receitas, além de sua cuidadora francesa e o padeiro Benjamin Abrahão. "Ele me deu todas as receitas dos pães dele. Até o francês. Todos os que faço lá em casa são dele", conta.

Das pessoas que lhe ajudaram na vida, Palmirinha lembra-se da única amiga, a cabeleireira Hilda, que a acompanha há 40 anos.

"Eu não tenho amiga, sabe? Só tenho uma pessoa que sabe da minha vida desde que comecei a trabalhar. Como não tinha telefone, passava no salão dela com salgadinhos para vender. Ela também anotava minhas encomendas. Já fui convidada para fazer meu cabelo no salão de Jacques Janine (tradicional em São Paulo), mas não deixo a Hilda. Fazia meu cabelo e unha quando não tinha dinheiro, e agora que posso pagar vou a outro salão?".

Referência para muitos chefs que vieram depois, ela lista seus ídolos na cozinha:

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Felipe Bronze

Adoro ver o Felipe Bronze naquela churrasqueira. A comida dele tem brilho.

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Henrique Fogaça

É uma pessoa linda. Gosto da comida que ele prepara, só que é muito pouco.

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Alex Atala

Ele faz a comida que eu faço. Comi um frango maravilhoso dele.

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Rita Lobo

Adoro a Rita. Ela reaproveita muito a comida, como eu.

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Não queria chegar aos 100

A cozinheira acha “muito bonito” os pratos sofisticados criados pelos chefs atuais, “com temperos que não tinham na minha época”. Mas gosta, mesmo, da comida do dia a dia, do arroz, feijão, carne assada, galinhada, frango com polenta, bife acebolado. E nada light: “Gosto de muito tempero. Sou filha de italiana. Minha geriatra pediu para comer uma comidinha mais leve por causa da idade. Mas não gosto muito, não”.

Aos 87 anos, Palmirinha é presença constante na médica. “Ela está me cobrando fazer um pouco de ginástica. Quer que eu faça massagem nas pernas. Mas meu exercício é na cozinha, lavando louça. Mexo nas panelas, tomo uns remédios para a pressão e para as pernas”, conta ela, que venceu um câncer no útero no início da década de 1990. “Faço controle de seis em seis meses, me dão um calmante, porque a pressão às vezes fica alta, e estou em pé”.

“Não queria chegar aos 100 anos. Peço a Deus para me levar na hora em que eu estiver deitada ou sentada. Acho que já fiz tudo que tinha que fazer. Não tenho medo da morte. Só não quero ser cremada”.

As manias de Palmirinha na cozinha

  • Separar as panelas

    "Tem uma para o arroz, outra de pressão só para o feijão e a de carne assada. Fixa o sabor. Estou começando a usar as antiaderentes. Mas gosto mesmo das de ferro, mais grossas".

  • Brigadeiro é na de alumínio

    "Uso uma só para brigadeiro e cocada, de alumínio, porque, se usar uma de ferro, vai esquentar demais e queimar. Mas me ajeito com qualquer uma que tiver na minha cozinha".

  • Tomate no feijão

    "Quando faço feijão, ponho pedacinhos de tomate, cebola, folha de hortelã ou manjericão. Engrossa o caldo e não precisa amassar. Depois é só colocar azeite, alho e sal".

  • Tudo se reaproveita

    "Toda sobra pode ser reaproveitada, como o arroz, que pode virar bolinho ou fazer no forno, ou à grega. A berinjela e a abobrinha, misturadas, viram belo de omelete. Nada se joga fora".

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"Meus namorados são meus netos"

Palmirinha está sem namorado “faz bastante tempo”. Conta que dedica seu tempo aos seis netos, cinco bisnetos, genros e filhas. “E aos jovens que sempre me cercam”. Há seis anos, numa entrevista para Marília Gabriela, disse que foi "mulher de um homem só”. À Universa, entregou que teve um único amor. "Não foi meu marido, mas meu primeiro namorado, e não deu certo. Eu que fui culpada". 

Aos 14, conheceu Oswaldo, filho do dono de um frigorífico em Bauru. Perto de ficar noiva, três anos depois, ele fez uma viagem e a pediu que não saísse de casa. Já tinha até costurado uma roupa que usaria na noite do noivado. Por incentivo de uma amiga, estreou a peça e foi a uma lanchonete, em segredo. Mas deu de cara com o amado na porta.

“Ele só balançou a cabeça e sumiu. Mandou entregar o correio elegante que eu mandava, fotos, tudo. Sofri muito, porque o amava de paixão. Até hoje lembro a cara dele. Eu me casei e, quando estava entrando na igreja, ele estava me vendo entrar. Foi o último dia que o vi. As lágrimas escorriam no rosto dele”.

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Já cozinhei para muitos famosos, mas cozinharia para o William Bonner o dia inteiro. Não tive o prazer de conhecê-lo. Acho ele maravilhoso, uma simpatia. Ele me cativa, é humilde. Gosto muito do jornal que ele faz.

Alessandro Bianchi/Reuters Alessandro Bianchi/Reuters

O Neymar é uma pessoa simples, boa e que simpatizo. Vejo jogo quando ele está e não perco. Quando ele se machucou, antes da Copa, me ajoelhei e pedi muito a Deus que olhasse por ele. Chorei muito.

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"Não queria chegar aos 100 anos. Não tenho medo da morte"

Palmirinha

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