A Bilheteira do Circo

Assim se define Paula Lavigne, produtora pulso firme, ativista política e, orgulhosamente, mulher do Caetano

Bárbara Tavares Da Universa
Bob Wolfenson/UOL

A liderança surgiu de maneira natural para Paula Lavigne. "Sabe na excursão quando tem aquela pessoa com a bandeirinha na frente? Sou eu". Neta de militar, a produtora carioca não minimiza a fama que carrega - de dura, mandona, hiperativa - mas admite sofrer as consequências, ainda que em silêncio: "Eu choro meio disfarçando, escondido".

Precoce, Paula diz que não foi jovem. "Sempre tive um temperamento responsável, chato. Esse frescor? Nunca tive, tava sempre na responsabilidade". Perdeu a virgindade aos 13 anos, foi morar junto com Caetano e abriu sua empresa dos 16 para os 17, e teve seu primeiro filho, Zeca, aos 22. "Eu não vivia esse mundo das drogas. Nem eu, nem Caetano. Reza a lenda que, nos anos 1980, todo mundo ia pros banheiros usar droga e a gente ficava sozinho, e por isso começamos a namorar".

Ela, que sempre falou abertamente de tudo, hoje se preocupa em virar meme. "Fui vítima de um ataque cibernético e sei o poder disso", diz, em referência à hashtag #CaetanoPedófilo, que foi trending topics do Twitter por 8 horas em outubro de 2017. Segundo ela, uma ação que custou, no mínimo, R$ 350 mil. "Essa realidade virtual é feita e financiada por grupos fundamentalistas. É uma maneira de amordaçar a gente, e eles estão conseguindo", lamenta.

Mas nem o temperamento, os privilégios e o fator "mulher do Caetano" - título do qual se orgulha - foram suficientes para proteger Paula, a mulher. Em 2005, quando estava na estrada divulgando o filme "Dois Filhos de Francisco", do qual foi produtora executiva, ela foi vítima de um assédio sexual em um voo com destino a Los Angeles, nos Estados Unidos. "Te perguntam como você tava vestida, o que você fez, se você olhou pro cara. Então, quer dizer, você é a primeira suspeita. Isso é muito estranho". A poucos dias de completar 49 anos, ela conta que enfim se acostumou a ser mulher. 

"Quando você passa por um assédio sexual, você é a primeira suspeita"

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Desde pequena, a personalidade forte - quase masculina - e o jeito explosivo foram usados por Paula como um escudo contras as mazelas que acometem a mulher brasileira. "Lembro que meu avô ficava brincando com a gente, ensinando a marchar, e minha mãe falava: 'papai, para de gritar com as meninas'. E ele respondia: 'não é grito, é voz de comando'. Então costumo dizer isso, eu não grito, dou voz de comando".

Isso não impediu que ela se tornasse parte da cruel estatística do país: segundo dados do Instituto Maria da Penha, a cada 1,4 segundo, uma brasileira é vítima de assédio sexual. "Eu não tinha essa dimensão. Eu tenho esse temperamento, então não espero".

Eu falei pro agente do FBI: 'deixa eu ligar pro meu advogado'. E ele respondeu: 'por que você precisa de advogado? Você é a vítima'

"Caetano seria incapaz de manter um casamento hipócrita"

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Vou ficar com o meu 'véio' pro resto da vida

A história de Paula Lavigne se entrelaça com a de Caetano Veloso desde a adolescência. Amor, cumplicidade, trabalho, família, escândalo, separação e dinheiro marcam o relacionamento, que entre idas e vindas, já dura mais de 30 anos.

Se por um lado ela leva a alcunha de "mulher do Caetano" antes das conquistas pessoais e profissionais, por outro há quem afirme que não existe Caetano - nem seu império - sem Paula. Desde que se casaram, ela é também empresária do cantor, responsável pela gestão de sua carreira, contratos e patrimônio. "Quando eu tinha 17 anos, a gente abriu uma empresa chamada UNS Produções, que é a base da nossa vida burocrática, financeira e tudo mais", explica ela. Juntos, o casal acaba de adquirir um novo apartamento em Nova York, vizinho ao que já possuem. "Digamos que é um anexo, uma continuidade. [Nesse prédio] são só amigos. Tentamos manter as unidades entre a gente", conta.

Da história de amor com o Leãozinho, nasceram Zeca e Tom, hoje com 26 e 21 anos. Na contramão dos pais, os meninos converteram-se evangélicos, fiéis da Igreja Universal. Para Paula, a notícia veio num bom momento. "Se eu não fosse ateia, diria que fui abençoada".

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Muito melhor ser mulher do Caetano do que de um idiota

Paula Lavigne

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"Foram três anos infernais, dependente de tarja preta"

Paula nunca fez parte da turma das drogas. "Entre os meus amigos, eu era tida como a que não fumava maconha, não bebia". Mas acabou sofrendo com os efeitos de remédios legais.

"Quando eu caí nessas drogas legais, que são Rivotril, Frontal, tomei um susto muito grande. Eu sou muito agitada, hiperativa, então quando eu passei uma semana sem dormir, me levaram num psiquiatra. Diziam: 'A Paula tá doida, tá sem dormir há uma semana, só trabalha'. Eu sou workaholic sim, tenho essa tendência obsessiva. E aí parece que o médico me deu alguma coisa errada. Foram três anos infernais, totalmente dependente de tarja preta".

"Quer dizer, eu, que nunca tinha tido contato com droga nenhuma, acabei dependente de remédios que médicos me prescreveram. Drogas legais". Paula se consultou então com um médico que a receitou cannabis medicinal e, aos poucos, foi se estabilizando. 

Hoje em dia sou totalmente a favor da liberação da maconha

"O Caetano fala que é a favor da descriminalização de todas as drogas. Eu, às vezes acho que sim, às vezes acho que não. Mas tendo a achar que resolveria. Se a pessoa quiser cheirar cocaína, ela vai cheirar cocaína, então deixa ela comprar e pagar os impostos, entendeu? Descriminaliza, cobra imposto, investe na saúde, investe no tratamento de dependentes químicos".

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"Eu sou muito ateia"

"Isso é um problema, porque quando você diz que é ateia, a pessoa acha que você é insensível, sabe? Uma coisa é você acreditar em Deus, outra coisa é ser espiritualizada, sensível. Eu sou ultragenerosa e solidária". [Para quem pede num momento de desespero?] "Pro Frontal, pro Rivotril". "Mas acredito em energia. Às vezes, você tá num lugar, entram certas pessoas e a energia pesa. Isso não é religião, é física". "Eu tô muito fascinada pelo pastor Henrique Vieira. Quando ele fala da Bíblia, eu entendo tudo o que ele diz. Ele é formado em História, Teologia, e quando ele fala, eu me encanto, e eu sou ateia... Como é que você explica?". [Fé?] "Não é fé. É energia, sensibilidade. Sabe quando você ouve uma música, vê um filme, e aquilo te emociona? Ele me emociona. Mas pode ser que seja fé e eu nem saiba".

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"É cansativo ser mulher"

"Ninguém é a favor de aborto. A gente é contra aquilo ser criminalizado, é diferente. Falta a turma deixar de ser hipócrita, né? A gente vive num país hipócrita. E agora vai ter um ano de eleição e essas coisas dão voto. Realmente o brasileiro tá tão desesperado que tá achando que as soluções são violência, confronto, punição... Qualquer pessoa mais esclarecida sabe que esse não é o caminho. Falta um Congresso novo, uma renovação". [Ela diz que não gostava de ser mulher. Agora gosta?] "Me acostumei. Não sei dizer se eu gosto. Mas hoje em dia a luta do feminismo vai ajudando. Envelhecer não é nada agradável, você deixa de ter saúde, exuberância, colágeno. Tem que saber lidar com essa limitação e não forçar a barra em nada. Não sou contra plástica não, tá? Mas aí tá o segredo: a plástica bem feita você não vê".

"Eu, candidata? Não combina comigo. Se eu prometer, vou querer fazer"

Ricardo Borges/Folhapress Ricardo Borges/Folhapress

Paula Lavigne sempre fez política. Política cultural, como ela destaca. O que a levou a se envolver em uma corrida presidencial, então? "Acho que foi o Brasil que envolveu todo mundo". Ela lidera um coletivo de artistas chamado 342. "É um movimento, não sou eu sozinha. A gente faz um disparo pra mais ou menos 4 mil artistas e o retorno é o que determina em que causa a gente vai entrar naquele momento".

Eu não acho que eu influencio as pessoas, acho que eu consigo organizar

Ao longo dos últimos meses, o 342 promoveu reuniões com os principais nomes de vários grupos progressistas. "O Guilherme Boulos foi uma dessas pessoas. No dia que ele foi lá, a empatia foi muito grande. E aí veio essa ideia do próprio PSOL de ter a Sônia Guajajara [na chapa], que é uma líder indígena muito importante", explica. "Não é o 342 que apoia a candidatura de ninguém, são alguns artistas que se envolveram naquilo e acham que faz sentido. Eu superapoio essa candidatura".

Seu marido, Caetano Veloso, também já declarou apoio nessas eleições, mas não ao PSOL, e sim à chapa do PDT, liderada por Ciro Gomes. Há um conflito em casa? "Não, a gente se complementa. A gente tá com o melhor da esquerda, o Caetano com Ciro e eu com Boulos e Sônia".

Se eu não tivesse me envolvido nesse processo, eu estaria apoiando a Manuela d'Ávila. Gosto muito dela, gosto da ideia de ser uma mulher

Paula Lavigne

"Ainda não começou essa corrida"

Com apoio declarado à chapa do PSOL, o que pensa Paula Lavigne sobre outros nomes já cotados ao Planalto?

Keiny Andrade/Folhapress Keiny Andrade/Folhapress

Marina Silva

"Eu acho que a Marina foi muito injustiçada pelo PT. Eles jogaram muito duro com ela, muito baixo. Ela tem as razões dela pra ter apoiado o golpe. Isso não faz eu gostar dela menos, mas a gente tá num outro momento. Acho a Marina uma pessoa superimportante e, se ela ganhar as eleições, eu vou ficar feliz também"

 Adriano Vizoni/Folhapress Adriano Vizoni/Folhapress

Luciano Huck

"Sempre achei que o Luciano não ia sair [candidato], porque ele não merece isso. Ele é um cara empreendedor, honesto, meu amigo de muitos anos. Eu não quero isso pra ele, essa baixaria de campanha, ler coisas absurdas, ser acusado de coisas absurdas. Sempre tive essa convicção de que ele não sairia candidato a presidente. Hoje é um alívio"

Ricardo Borges/Folhapress Ricardo Borges/Folhapress

Jair Bolsonaro

"Uma hora povo vai entender que o Bolsonaro não é essa solução que eles pensam que é. Ele não tem o menor nível, o menor preparo pra ser presidente do Brasil. Talvez seja a maior certeza que eu tenho nessas eleições. É um cara desequilibrado, que te passa uma sensação de insegurança. Você vê que ele é descontrolado"

Miguel Schincariol/AFP Miguel Schincariol/AFP

Lula

"Acho que tá na hora da gente parar de falar do Lula. De começar a ver Boulos, Manuela, toda uma turma que tá vindo aí. A própria Marina, numa postura mais amadurecida, o Ciro Gomes, que realmente tem um projeto. O Lula é uma figura que ninguém vai apagar a importância que ele teve pro Brasil"

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"Eu achava que tinha uma história de amor e virou crime. Como é que pode?"

Em outubro de 2017, a hashtag #CaetanoPedófilo chegou aos trending topics mundiais do Twitter e lá permaneceu por horas. "Essa história toda [aconteceu] porque um dia eu fui dar uma entrevista. Eu podia dizer que não tinha 13 anos, tinha 14. Mudava alguma coisa?", questiona.

"O Caetano foi vítima, a gente foi vítima. Ele ficou 8 horas nos TT's como pedófilo. Aquilo foi um ataque cibernético, foram bots [programas de computador criados para automatizar processos ou ações repetidas vezes em um padrão], robôs, não pessoas. Tudo aconteceu numa época que a gente tava em cartaz no Rio e em São Paulo. A gente pegava 4, 5 aviões por semana, nunca gritaram 'Caetano pedófilo', jamais. Pelo contrário, ele entrava no avião e cantavam 'Leãozinho', abraçavam, choravam... Não eram as pessoas tuitando, era alguém pago, foi gasto dinheiro ali. Custou, no mínimo, R$ 350 mil. E quem pagou aquilo? Quem são essas pessoas que financiam esse fundamentalismo? Eu gostaria de saber".

Segundo Paula, existem provas de que a hashtag ficou entre as mais mencionadas no mundo por ação de bots. "Fábio Malini, que é da Universidade do Espírito Santo, fez todo um mapeamento pra gente e mostrou que foram usados robôs. O Caetano não é um pedófilo. Pedofilia é uma doença, é crime, e o Caetano não é um criminoso", explica.

Eu fui vítima de um ataque cibernético e eu sei o poder disso. Graças a Deus - olha eu, falando em Deus - é um case diferente. Isso com artista não cola

Para a produtora, o assunto ganha um peso maior - e mais nocivo - em ano eleitoral. "O Trump tá eleito por causa dos bots. E eles não sabem como tirar o Trump de lá porque não tá escrito em lugar nenhum que é crime usar bot. E a gente vai passar por isso aqui: os robôs vão entrar em ação, as fake news vão entrar em ação". A solução? "Tem que começar a se pensar numa regulamentação. Talvez uma lei flutuante que vá acompanhando aquilo, entendendo como funciona. Você usar um bot [para disseminar] fake news custa dinheiro e o dinheiro não cai do céu. Alguém financia isso. Quem são essas pessoas? Acho que a Polícia Federal, o Ministério Público, o Congresso, todo mundo devia estar mais atento".

Enquanto a gente não tiver uma regulamentação de bots, dessa gente fundamentalista trabalhando contra a liberdade de expressão, vamos ter que dar alguns passos pra trás

Bob Wolfenson/UOL Bob Wolfenson/UOL

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