Todas as Luizas

Ela fala sobre os casamentos, dinheiro, abortos, vitiligo e a violência sofrida pela mãe: "Ficou quieta"

Amanda Serra Da Universa
Lucas Lima/UOL

O nome Luiza significa 'guerreira'. Nada mais propício para quem já foi empregada doméstica, lojista, modelo, sex symbol e, hoje, é empresária e militante no combate à violência contra as mulheres.

O engajamento social e o empoderamento feminino deram outro tom a Luiza Brunet, aos 55 anos. A empresária assumiu uma causa que sempre a pertenceu. Por mais de 10 anos, ela assistiu ao pai agredir e tentar matar sua mãe Alzira Botelho, e por diversas vezes se colocou à frente do agressor, que também era alcoólatra.

Nesta entrevista à Universa, a empresária conta como encarou seu primeiro assédio aos 14 anos -- "já naquela época, me indignava, falava alto" --, explica o casamento aos 16 -- "era uma oportunidade de sair de casa" --, o primeiro aborto, que fez aos 17 -- "tive que optar entre a carreira e um filho" --, como é viver sozinha ("é difícil, tem que se gostar") e o rompimento com o ciclo de agressão por parte de seu ex-companheiro Lírio Parisotto, aos 54 anos.

Com tantas facetas que compõem esse "livro aberto" (como se refere à sua vida), ela planeja expor sua trajetória de luta e resistência nos cinemas. As conversas, com as mesmas produtoras de "Dois Filhos de Francisco", já começaram. "Quero todas as faces e fases da Luiza. Afinal, somos várias mulheres em uma só", afirma ela, que não desistiu de viver um novo amor.

"Como ia sair na rua com olho roxo, 4 costelas quebradas e ficar quieta?"

Interesseira? "As pessoas não sabem o que vivi"

Além do processo que condenou o ex Lírio Parisotto por agressão, Luiza também entrou com uma ação judicial na qual pede reconhecimento de união estável e metade do patrimônio acumulado pelo empresário nos cinco anos em que estiveram juntos. A ação corre em segredo de justiça e ainda não tem data para ser julgada. 

"Vou esperar, pois acredito que tenho direito, tivemos uma união estável. O povo pode falar o que quiser, não me incomoda mais [que me chamem de interesseira]. As pessoas não sabem o que vivi, não sabem como é a vida de um casal, quais foram as condições ou os acordos que foram feitos. Mas dão opinião e isso é mais difícil do que o processo em si."

O fato de a denúncia ter sido contra um dos homens mais abastados do mundo -- Parissoto aparece no ranking da Forbes com uma fortuna de US$ 1,6 bilhões -- não foi motivo de temor para ex-modelo. "Se é baixo, alto, rico, pobre, não importa. Homem que bate em mulher precisa ser julgado e condenado. Nunca tive medo na vida, de nenhuma atitude que tenha tomado", afirma ela, que também processou as agressoras que a ofenderam nas redes sociais.

"Não admito que mexa com a minha honra, nem com a dos meus filhos. A internet não é tão simples assim como pensam e precisamos tomar uma atitude com acusações mentirosas. Essas mulheres me ofenderam regularmente, durante o ano inteiro. Elas viviam por mim, então, vou dar uma retribuição boa para elas", ironiza.

Se é baixo, alto, rico, pobre, não importa. Homem que bate em mulher precisa ser julgado e condenado. A agressão veio para que eu pudesse, através da minha exposição, conscientizar muitas mulheres. Então, estou feliz de transformar vidas e encorajar. Acordo todos os dias e penso: 'Luiza, valeu a pena'

Luiza Brunet

Gabriel Bonfim/Divulgação Gabriel Bonfim/Divulgação

Primeiro assédio aos 14 anos: "Já me indignava, falava alto"

Acostumada a ouvir relatos de agressão por conta de seu trabalho como embaixadora do Instituto Avon há 20 anos, Luiza se sentiu desamparada quando trouxe seu caso à tona. E acredita que essa falta de sororidade inviabiliza ações em prol da luta feminina, como prega o "Time' Up", movimento surgido em Hollywood contra a violência sexual e a disparidade de gênero. 

"As mulheres no Brasil são pouco unidas. Fiz uma denúncia sobre violência doméstica e fui criticada, questionada. É difícil romper com esse pensamento machista de algumas mulheres, parece que contamina. Os movimentos que vêm de fora para cá impactam justamente quando falamos de romper ciclos de violência, abuso, machismo", diz a ex-modelo, sem esquecer do silenciamento da classe artística brasileira no combate ao assédio.

"O sonho de qualquer menina hoje em dia é se tornar atriz. Quando ela tem a oportunidade de fazer um teste e acaba sendo o do 'sofá', muitas vezes não pensa nas consequências. Foca apenas no sucesso e em conquistar o carinho do público em vez de tomar uma atitude", opina. Luiza foi assediada pela primeira vez aos 14 anos - e logo depois por um morador do prédio onde trabalhava como empregada doméstica.

Constantemente no ônibus, mesmo vazio, ficavam esfregando o órgão sexual no meu bumbum. Era um desconforto. Mas já naquela época, me indignava, falava alto, repudiava esse tipo de comportamento

*Na foto acima, ela aparece ao lado de Maria da Penha.

"Fiz meu primeiro aborto aos 17 e foi uma decisão consciente"

Nove meses após se tornar mãe de Antônio, a ex-modelo fez o 2º aborto

A Monique (Evans) veio primeiro, ela já era supertop na época em que comecei. Sempre tive admiração, mas ela sempre foi aquela supermodelo, de muita personalidade. Eu tinha até um pouco de medo dela. Já a Xuxa sempre foi minha amiga

Luiza Brunet

A musa dos anos 80 queria ser cabeleireira

Empresária de si mesma ainda hoje -- essa entrevista exclusiva à Universa foi negociada diretamente com Luiza -- ela aprendeu não só a gerir sua carreira, como também a dizer 'não'. Mais do que isso: soube enfrentar magnatas que associavam a carreira de modelo - ou o fato de posar para uma revista masculina - com uma "mulher de vida fácil."

"Uma vez recebi proposta para fazer um catálogo pagando superbem, mas quando cheguei para o teste tinha uma 'Playboy' minha e uma garrafa de champanhe. Fiz um escândalo, acho que o boato correu e viram: 'com essa mulher a gente não mexe'. Ter dado certo numa época em que o mundo e os homens eram muito mais machistas do que hoje foi muito bom, tive sorte."

Dessa maneira, a ex-modelo, nascida no interior do Mato Grosso, filha de um cearense com uma costureira do subúrbio do Rio, passou a dialogar e transitar em dois mundos com naturalidade - o das revendedoras de cosméticos (sua fonte de renda hoje vem justamente das quatro fragrâncias do perfume que leva seu nome -- de acordo com a Avon, o produto é um dos mais vendidos) e o das leitoras das revistas de moda.

Nunca pensei em ser modelo, queria ser cabeleireira. Basicamente apareci porque tinha curvas vultuosas, era uma mulher sexy, a primeira capa da 'Manchete' foi: Luiza Brunet, o novo símbolo sexual

"Até hoje faço propagandas, trabalho e não somente por causa do meu corpo em si, mas pelos valores agregados a ele. A beleza abre a porta, mas fecha rápido. É preciso ter outras características, seja elegância ou bagagem cultural. Construí uma carreira bacana. Tenho orgulho da minha história", afirma a empresária, cuja adolescência precisou ser interrompida pelo trabalho, assim como os estudos -- ela não concluiu o ensino médio.

Supermodelos: amigas ou rivais?

Arquivo Arquivo

Xuxa

"Sempre foi muito parceira, éramos superamigas, indicava ela para os trabalhos e vice-versa. Durante dois anos convivemos bastante. Ela vem de uma família humilde também, não teve vida fácil e, apesar da exposição, é um ser humano como qualquer outro. A gente sempre se fala, uma mulher que admiro."

Flávio Florido/Folhapress Flávio Florido/Folhapress

Monique Evans

"Era fã! Supertop na época já, eu tinha até medo. Linda, carioca, aquela coisa deslumbrante. Nunca fomos amigas, mas gosto da personalidade dela. É uma mulher corajosa, assume o que faz, admiro. No Carnaval só dava ela, sempre inovava nas fantasias, ou com o jeito de falar, nas atitudes."

A vida é feita de etapas, você nunca sabe onde é que vai estar amanhã ou depois. É bom que você saiba fazer outras coisas. Comecei como empregada doméstica, depois fui trabalhar numa loja, virei modelo e me tornei empresária

Luiza Brunet

Política, drogas, religião, poliamor...

  • Qual seu parecer sobre o cenário político?

    Estamos vivendo um momento político importante em que falamos mais sobre política. Espero que venham pessoas novas e que haja inovação em todos os sentidos.

  • É religiosa?

    Sou católica, mas respeito todas as religiões. Gosto de ler cartas, jogar búzios, ou seja, sou eclética. Acredito muito em Deus, em destino e acho que tudo que acontece tem um porquê.

  • É a favor da legalização das drogas?

    É complicado... tudo que é escondido é pior, fomenta o tráfico. Mas é um assunto que temos de ter cuidado no Brasil, porque o país é enorme. Como vamos administrar, se a gente não consegue nem gerir a violência doméstica?

  • Teve depressão? Faz terapia?

    Depressão profunda, de ficar sem levantar da cama, não. Não sou contra, mas não sei, me sinto pouco à vontade de sentar no divã e começar a contar a minha vida. Minha terapia é falar com todo mundo... acabo me ocupando com coisas da casa.

  • Viveu ou viveria um poliamor?

    Não, sou superciumenta, não saberia dividir. No fundo, sou uma mulher conservadora em muitos temas.

  • É feminista?

    Desde sempre. Sou uma feminista moderna, digo isso porque me sinto mais atuante atualmente.

Uma mulher de relações longas

1º casamento não foi por amor

"O casamento era uma oportunidade de sair de casa, queria ter uma família. Tinha 16 e ele 28 anos. Fiquei com o Gumercindo (responsável pelo sobrenome famoso) durante seis anos e logo conheci o Armando (Fernandez). Com ele fiquei 24 anos e tive meus dois filhos. Depois veio a terceira relação (Lírio Parisotto). Sou uma mulher de relacionamentos e casamentos."

A idade sempre foi um detalhe

"Sempre me interessei por homens mais maduros, sérios, que me dessem segurança, eu gosto. Meninos da minha idade, inconsequentes, low profiles, não me interessavam. Não vejo problema nenhum um relacionamento com pessoas que têm diferença de idade. Desde que exista respeito, amor e uma certa fidelidade."

Brinquedinhos na cama sim, sexo casual, não

Solteira desde 2016 e avessa a aventuras de uma noite só, a empresária acredita que o ato sexual vai além de ter ou estar com um(a) parceiro(a). Além disso, defende que o sexo é uma prioridade na vida de qualquer mulher e, por isso, é importante se conhecer. 

Sexo é muito bom, gente, não pode parar só porque separou. Uma mulher completa conhece a si mesma, sabe a maneira como sente prazer. O sexo é particular. Então nada mais justo do que usufruir desse prazer sozinha

E Luiza não abre mão dos brinquedinhos e também do envolvimento. "Acho incrível ter essa liberdade, experimentar. Dentro de quatro paredes tudo é válido."

"Nunca fui uma mulher de fazer sexo casual. Preciso me apaixonar, me interessar. Sexo é estar feliz com você mesma, com uma pessoa que admira e sente prazer, que traz felicidade com um beijo, um abraço, um afago. Não é simplesmente um ato sexual, porque isso você pode fazer sozinho e ser muito bom", diz ela, que mantém 'conversas escancaradas' com os filhos sobre sexo e drogas. 

O desejo de viver um novo amor não foi esquecido. "Sou mulher que nasci para casar, ter um relacionamento. Gosto de cuidar, brincar de casinha. Espero que daqui a pouco esteja namorando novamente, casando. Quero um relacionamento de novo na minha vida." 

"Nunca tive nenhum problema com essa empresa que é meu corpo"

Ela tem vitiligo desde os 2 anos, mas isso não é uma questão

Gostar de ser dona de casa não diminui meu engajamento, faço tudo em cima do salto. Acho maravilhoso preparar um jantar, montar uma mesa bonita, executar tarefas domésticas. Não faz mal para nenhuma mulher, independente da classe social

Luiza Brunet

Botox, plástica... envelhecendo com dignidade

Adepta da vida diurna e da malhação há alguns anos, Luiza não tem medo de assumir que já colocou e retirou silicone; fez preenchimento nos lábios e se arrependeu -- "fiz essa besteira! Ficou falso, envelheceu e todo mundo repara"; e que adora um botox. "Estou precisando colocar, a testa está cheia de rugas. Mas coloco pouquinho porque tenho medo de ficar muito esticada", diz. 

Não tenho gostado do que vejo em mulheres da minha idade. O excesso de enxertar coisa, bochechas, sobrancelhas arqueadas e aquela plastificação no rosto.

Apesar dos artifícios da ciência, a musa acredita que nem tudo é democrático como parece. "A mulher quando vai ficando mais velha tem que fazer algumas modificações na rotina. No jeito de se vestir, no lance comportamental mesmo. As pessoas percebem que você está envelhecendo com dignidade. Não gosto de mulher mais velha vestindo roupa de menina, por exemplo, é uma coisa que me incomoda. Cada um faz o que quer da vida, claro, mas não acho bonito. Aliás, a moda não é democrática. Amadurecemos e temos que mudar o guarda-roupa."

Arquivo Arquivo

A agressão que uniu a família e tirou a solidão de cena

Viajando pelo Brasil e pelo mundo para falar sobre Lei Maria da Penha, Luiza fez valer aquilo que chamamos de resiliência, a capacidade de se reinventar diante das adversidades.

O episódio de agressão fez com que a empresária e seus dois filhos, Yasmin, 29, e Antônio, 19, fortalecessem o laço familiar, ainda que não convivam juntos -- a modelo mora com o marido no Rio, mas saiu de casa aos 17; já o garoto, que pretende estudar gastronomia, se divide entre São Paulo, onde mora a namorada, e o Rio, na casa da mãe, em Ipanema. 

"A Yasmin é ousada assim como eu. Uma mulher superempoderada, mostra a que veio, tenho muito orgulho das atitudes dela em relação à sociedade, à conduta, as lutas. O Antônio é totalmente o oposto de nós. É tranquilo, não gosta de aparecer, não é baladeiro. Superquerido, para casar."

Além dos últimos anos terem aproximado Luiza de sua família, que inclui a mãe e os seis irmãos, também a ensinaram a lidar com a solidão -- ela é uma pessoa de poucos amigos, o mais próximo é o dentista Heitor Simões de Oliveira. "É difícil. Tem que se gostar muito (viver só) e se respeitar. Mas passei a ser uma mulher forte, me sinto mais poderosa, supero [trauma] todos os dias. Isso trouxe conforto para família, reconhecimento tanto dos meus filhos, quanto irmãos, mãe."

Somos muito mais mulheres no mundo do que homens. Se nós resolvermos nos levantar e falar 'chega', a gente consegue. Nada é 'mimimi' na vida

Luiza Brunet

Confira a íntegra da entrevista

Luiza ainda falou sobre a relação com a mãe, os filhos, a vantagem de ser bonita...

Assista ao vídeo

Curtiu? Compartilhe.

Topo