O ringue de Letícia

Militante de causas sociais, a atriz fala sobre machismo no trabalho, Lei Rouanet e seu casamento perfeito

Marcela Paes Da Universa
André Rodrigues/UOL

Com 27 anos de carreira, Letícia Sabatella teve, nos últimos tempos, a oportunidade de interpretar uma série de personagens fortes. A cantora francesa Edith Piaf e a complicada e intensa Delfina, na última novela das 18h da Globo, foram algumas delas. Letícia também participou de uma montagem teatral em que os 24 cantos da Ilíada de Homero foram lidos por atores, durante 24 horas seguidas.

A tendência não é por acaso. Além da intencional busca por papéis que “saiam do perfil romântico”, a atriz de 47 anos segue no trabalho a mesma postura combativa que atualmente exerce na vida. Quase nada escapa do campo de ação de Letícia: a defesa de direitos das minorias, a militância política e o engajamento em movimentos sociais como o feminismo. Até na interpretação, a atriz enxerga uma maneira de mudar aspectos da sociedade.

“Foi muito forte pra mim, nesse momento de vários retrocessos nos direitos das mulheres e dos menos favorecidos, fazer essa peça sobre o [Bertolt] Brecht e a [Edith] Piaf; duas figuras do universo artístico que dão voz aos oprimidos”, diz.

Agora, ela se prepara para mais um projeto com o marido, o ator Fernando Alves Pinto. Os dois planejam dividir o palco em uma peça sobre a vida do trompetista americano Chet Baker. “É uma caminhada de mãos dadas muito potencializadora para um e para o outro. Claro que existem dificuldades, mas é um casamento que vem de um lugar mais maduro de relacionamento”, diz.

Nesta entrevista, a atriz fala, entre outros assuntos, sobre a relação de amizade com a vereadora Marielle Franco, executada no Rio de Janeiro, o machismo que sofreu quando dirigiu um filme e as acusações de que teria se beneficiado da Lei Rouanet.

Machismo na profissão

Apesar de já ter sofrido ("como todas as mulheres") inúmeras situações de machismo ao longo da vida, um episódio dentro do ambiente de trabalho foi uma espécie de despertar para Letícia. Em sua estreia como diretora no documentário "Hotxuá", em 2009, a atriz passou por dificuldades para conseguir exercer a posição de comando da equipe. Ela contou com o apoio do amigo de longa data e codiretor do filme, Gringo Cardia, para resolver o problema.

"Eu não tinha tanta percepção disso e estava tão obcecada em ajudar os Krahô [tribo indígena] que ia cedendo, cedendo. Hoje, eu reconheço que tudo isso, essas barreiras que fui enfrentando e as dificuldades que vivi, eram muito fruto de um machismo; e justamente, por uma mulher estar ocupando um cargo de direção."

Para Letícia, o enfrentamento desse tipo de situação é ainda mais difícil para alguém com o seu perfil: uma pessoa de fala mansa, doce e de jeito meigo, apesar da disposição para o enfrentamento de questões."Não sou uma mulher de cotovelos aguerridos. Isso foi difícil. Mas esse trabalho me ensinou esse lugar. Eu aprendi a usar os cotovelos para abrir espaço, para acreditar que meu limite vai ser reconhecido e que eu simplesmente serei respeitada", diz.

"Não dá pra viver num mundo onde a gente exclua facetas que não agradam"

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"O que me move é a vontade de ver uma sociedade mais justa"

O envolvimento com causas políticas e movimentos sociais é uma constante na vida da atriz. Das últimas 10 postagens de Letícia no Instagram, seis são sobre política: a prisão do ex-presidente Lula - com diversas fotos e charges que criticam o juiz Sergio Moro -, a cobrança pela investigação de acusações feitas a outros políticos, como o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves e uma campanha para o financiamento de um projeto de agroecologia.

"A política é meio, o posicionamento político é meio e o posicionamento cidadão é caminho. O que me move é a vontade de ver uma sociedade mais justa, de mais compreensão das diferenças e das tolerâncias", diz ela.

Apesar da atividade intensa na rede social, a militância de Letícia está longe de ser só virtual. A atriz costuma ir a atos e encontros políticos. No fim do ano passado, foi uma das artistas, junto com Aline Moraes, Sônia Braga entre outras, que esteve na ocupação do MTST, em São Bernardo. Na ocasião, ela participava de um grupo formado também por Caetano Veloso, Paula Lavigne e Guilherme Boulos, candidato a presidência pelo PSOL.

"Eu tendo a apoiar uma candidatura que seja representativa do que a gente precisa ter no país com urgência. Não sou petista. Nas últimas eleições eu tive uma tendência a votar em mais candidatos do PSOL, como o Chico Alencar e vários outros representantes. Olho com simpatia a candidatura do Boulos e da Sônia Guajajara pela questão da representatividade. Mas ainda não estou absolutamente focada nesse assunto e não estou entrando em nenhuma campanha imediatamente".

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"Olho com simpatia as candidaturas do Guilherme Boulos e da Sônia Guajajara"

Letícia Sabatella

"Consigo encarar a idade que tenho e as personagens vão sendo condizentes"

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"Falar que eu peguei R$ 1,5 milhão da Lei Rouanet é mentira"

A postura política de Letícia já fez com que ela fosse alvo de críticas. Assim como outros artistas de esquerda e, contraditoriamente, de direita também, a atriz foi acusada nas redes sociais de apoiar o governo dos petistas Lula e Dilma Rousseff em troca de supostos benefícios, como a captação de recursos via Lei Rouanet. Segundo ela, os boatos fazem parte de "uma instigação e uma fomentação ao ódio". 

'É uma fala intrigueira e intrigante, injusta e mentirosa, no meu caso. Falar que eu peguei R$ 1,5 milhão da Lei Rouanet é mentira. Eu tive um projeto pessoal que gerou a Caravana Tonteria aprovado na Rouanet para captação de R$ 800 mil, mas eu não captei", diz.

De acordo com Letícia, o projeto musical feito em parceria com seu marido, foi criado para uma Virada Cultural e depois se manteve sozinho, com a continuidade das apresentações.

Para ela, a Lei precisa de correções, mas ainda é necessária num país como o Brasil, "carente de legislações que protejam nossa cultura interna".

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"Só existe uma cultura americana forte porque existem leis de incentivo lá"

Letícia Sabatella

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Delfina

"A Delfina teve muitas nuances, ela se colocou num caminho muito sombrio, perdeu a empatia e cometeu atos bastante condenáveis. Ela não é uma feminista porque não tem essa consciência. Ela tinha uma sede que todas as mulheres podem compreender, mas não teve um discernimento nem aprofundamento, e não teve um encontro com outras mulheres e o movimento"

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Edith Piaf

"Eu tinha a ideia de que ela era uma figura transtornada, hipersensível e fruto de uma sociedade que veio da guerra. Posso arriscar até que tinha traços borderline. Mas quando eu observei a Piaf, vi que ela era muito forte. Ela tinha uma resiliência e uma força espiritual e interior muito grandes. Santa? Não. Mas não importa."

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"Com o Nando, é o casamento perfeito em todos os sentidos"

O segundo casamento de Letícia - o primeiro foi com o ator Ângelo Antônio - é mais que uma parceria exclusivamente amorosa. A união de cinco anos com Fernando Alves Pinto já rendeu diversos projetos artísticos. Uma delas é a Caravana Tonteria, em que acompanhada de outros músicos, a dupla apresenta composições autorais, além de canções de Chico Buarque, Cole Porter e Carlos Gardel. Há ainda a peça "A Vida em Vermelho", em que os dois representam um encontro entre a cantora francesa Edith Piaf e o dramaturgo alemão Bertolt Brecht, e uma versão da Ilíada, de Homero.

"É uma caminhada de mãos dadas muito potencializadora para um e para o outro. Claro que existem dificuldades, mas é um casamento que vem de um lugar mais maduro de relacionamento. Eu já tinha 40 anos e o Nando, um pouco mais, então a gente já tinha um poder de escolha e percepção. Não veio de uma paixão, mas foi se tornando uma paixão. Esse encontro tem uma maturidade", explica.

Os dois já se conheciam há mais de 20 anos quando começaram a se aproximar, primeiro, pela linguagem da música. "Com o Nando é o casamento perfeito. Nós tocávamos juntos, fazíamos improviso e as coisas foram indo nesse silêncio de falas e de palavras. Pela música, a gente reconheceu que era o momento de ficar junto", diz.

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"Nando é a pessoa que mais torce por mim e apoia as coisas que eu quero fazer"

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"Não é o modo mais eficiente de calar uma causa", diz sobre Marielle Franco

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"O melhor e o pior parecem conviver no tempo em que a gente está vivendo"

Letícia Sabatella

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